quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

IMPEACHMENT

A Ordem dos Advogados do Brasil pretende, sem descartar outros crimes, pleitear o impeachment do presidente da república por negacionismo e negligência quanto à pandemia que assola o planeta. A iniciativa trará à baila algumas questões processuais. A Constituição da República de 1988 alterou a competência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal nessa matéria. Derrogou a lei anterior na parte que previa a instauração do processo na Câmara. Atribuiu: [1] à Câmara, o procedimento prévio de autorização [2] ao Senado, o processamento da denúncia. A petição inicial de um processo jurídico (parlamentar, administrativo ou judicial) deve ser apresentada ao órgão competente. No caso do impeachment, esse órgão é o Senado (desde 1988). Da interpretação gramatical e sistemática dos dispositivos da Constituição, da lei 1.079/1950 (art. 14/23), do regimento interno da Câmara dos Deputados (art. 218) e da processualística subsidiária (civil e penal) advém a certeza de que instauração do processo de impeachment compete ao Senado. No entanto, em razão da praxe e da inércia, as petições iniciais (denúncias) continuam a ser apresentadas à Câmara. 

Compete privativamente à Câmara dos Deputados autorizar por dois terços (2/3) de seus membros, a instauração de processo contra o presidente da república. Autorizar instauração não é o mesmo que instaurar. Ao Senado Federal compete instaurar o processo contra o presidente da república nos crimes de responsabilidade. O pedido de autorização pode ser deferido ou indeferido pelo presidente da Câmara. Esse juízo de admissibilidade, por ser singular, dispensa pauta. Não se cuida de prerrogativa como quer e diz – por ignorância ou má-fé – o candidato à chefia da Casa. Cuida-se de um dever jurídico cujo descumprimento acarreta sanções legais. O direito de petição é uma garantia constitucional. [CR 5º, XXXIV, a]. Ao deixar de apreciar a petição, a autoridade estatal retira, no plano dos fatos, a eficácia dessa garantia fundamental. Engavetar tipifica ato criminoso. Se o juízo de admissibilidade singular for positivo, o expediente irá à comissão especial. Somente após retornar com o parecer da comissão haverá o ensejo de colocar o assunto em pauta para apreciação do plenário. Se o juízo de admissibilidade singular for negativo, o expediente será encaminhado ao plenário para o juízo de admissibilidade coletivo (confirmação ou reforma do singular). 

Admitido o procedimento de autorização, o expediente segue os trâmites legais. A Câmara verificará: [1] se estão preenchidos os requisitos formais do pedido (condições e pressupostos) [2] se convém instaurar processo parlamentar contra o presidente da república e se o impacto nacional é oportuno diante da conjuntura política, social e econômica do país. Trata-se de competência do plenário da Câmara e não de prerrogativa do seu presidente. Se o plenário decidir que a instauração do processo é conveniente e oportuna, enviará o expediente ao Senado. Se o plenário decidir que a instauração é inconveniente ou inoportuna, o expediente será arquivado, ainda que, sob o aspecto jurídico, a pretensão deduzida na denúncia esteja bem fundamentada e provada. A dimensão política do caso é tão essencial quanto a dimensão jurídica. [Dimensoes moral e religiosa a latere]. O presidente da república será suspenso das suas funções caso o Senado instaure o processo. [CR 51/52 + 86, §1º]. 

Depois de autorizado pela Câmara, cabe ao Senado receber a denúncia. Trata-se da fase protoprocessual em que a autoridade senatorial decide: (i) instaurar o processo = juízo de admissibilidade positivo ou (ii) arquivar a petição e seus anexos = juízo de admissibilidade negativo. Com o advento da Constituição de 1988, perdeu vigência o dispositivo regimental que atribuía à Câmara o recebimento da denúncia (fase protoprocessual). Receber a denúncia, proceder à instrução processual e julgar o mérito da demanda é tarefa do Senado. Exauridos os trâmites sob a garantia do devido processo jurídico (contraditório, ampla defesa, juiz natural), o Senado decide se destitui, ou não, o presidente da república.

Impeachment do presidente da república acontecerá se mudar o atual cenário político brasileiro. A esquerda abdicou do seu direito de apresentar candidato próprio na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Se o time, com medo de perder, não entra em campo, não há jogo. Melhor, então, descalçar as chuteiras, tirar e dobrar o uniforme, enrolar a bandeira e ficar em casa. Ao aderir ao bloco parlamentar liderado por um mimalho, a esquerda brasileira mostrou o quanto é frouxa, estúpida e infiel às suas raízes socialistas. Os dois concorrentes são governistas, integram a direita antidemocrática (golpista + fascista) e apoiam a política econômica do atual governo. Nenhum deles despachará petição que enseje a destituição do presidente da república. Nenhum deles tem credibilidade, autoridade moral, perfil político, à altura de Nancy Pelosi [presidente da Câmara dos Representantes dos EUA que assinou o prazo de 24,00 horas para o vice-presidente afastar o presidente com fulcro na 25ª Emenda à Constituição. Caso desatendida tal notificação, a Câmara deflagará o impeachment para tornar o presidente inelegível, indiferente à iminente exaustão do mandato presidencial]. 

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por apreço a si mesmo e à sua história, talvez honre a sua filosofia política e, numa atitude coerente e independente, apresente candidato próprio à presidência da Câmara. Se isto acontecer, os dissidentes do bloco terão uma alternativa à abstenção. Vitória? Sim. A qualquer preço? Não. Honra, honestidade, decência, fidelidade, um dia prevalecerão nesta republiqueta. O mundo não acaba em fevereiro.         


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