quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

IMPEACHMENT 3

Além do noticiário geral da imprensa, destaco três matérias publicadas no sítio Brasil 247, edição de 26/01/2021, ligadas ao tema do presente artigo. [1] A constatação feita por Deisi Ventura, doutora em direito, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, depois de larga pesquisa (livros, revistas, reportagens, declarações do presidente e auxiliares, medidas provisórias, leis, decretos, portarias, resoluções): a expansão do coronavírus faz parte de uma estratégia oficial. Diz ser um equívoco atribuí-la a fatores psíquicos e funcionais como negligência e incompetência do governo; a propagação é intencional por alguma razão. [2] A introdução ao livro “Tchau Querida”, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha, referindo-se ao conteúdo da obra, inclusive o processo de impeachment da presidenta Rousseff, tramado no apartamento do deputado Rodrigo Maia, na praia carioca de São Conrado. O autor enquadra na Síndrome de Estocolmo o comportamento do PT por se aliar aos seus algozes, golpistas do bloco liderado por Rodrigo Maia. [3] A opinião do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil oposta ao impeachment do atual presidente da república. Disse não ver, até o momento, ambiente que justifique medida tão grave, além do que, o assunto compete ao Congresso Nacional. 

Pior cego é aquele que não quer enxergar (ditado popular). O presidente da OAB vai na linha frouxa do atual presidente da Câmara dos Deputados, ambos cariocas. Se tivesse brio e bom caráter, bastava dizer, por exemplo: presido a uma entidade de âmbito nacional cujos membros são profissionais de diversas e opostas tendências. Portanto, dada a importância do assunto, vou submetê-lo à apreciação do Conselho Federal. Acolherei o que for decidido pelo augusto sodalício. Ademais, o problema não se limita ao Congresso; há de ser tratado pela OAB em cumprimento a uma das suas finalidades: “defender a Constituição, a ordem jurídica do estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. [Lei federal 8.906/94, art. 44, I].

O movimento popular em prol do impeachment do atual presidente da república ganhou as ruas. Carreatas por cidades de quase todos os estados da federação. Artigos e reportagens publicados nos diferentes meios de comunicação social. Dezenas de petições protocoladas na Câmara dos Deputados relativas a ações e omissões do presidente da república provadas e tipificadas como crimes de responsabilidade, todas criminosamente engavetadas pelo deputado Rodrigo Maia. O impeachment é processo jurídico próprio da democracia, manifesto da cidadania, expressão da soberania de uma nação, destinado a apurar a responsabilidade das autoridades estatais por condutas criminosas e/ou indecorosas no exercício da função pública. A pena cominada a esse tipo de crime é perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública. Na ordem jurídica brasileira estão sujeitos ao impeachment: o presidente e o vice-presidente da república, ministros de estado, juízes do supremo tribunal, procurador-geral da república, comandantes da marinha, do exército e da aeronáutica, chefes de missão diplomática de caráter permanente, membros dos tribunais superiores, governadores e secretários dos estados federados e do distrito federal, prefeitos e secretários municipais, membros dos tribunais de contas. 

No estado democrático de direito, os processos parlamentar, administrativo e judicial devem obedecer às regras estabelecidas na Constituição e nas leis, sob pena de nulidade. No que tange ao impeachment do presidente da república brasileira, o processo é parlamentar, começa e termina no Senado (instauração, instrução e julgamento). O termo inicial do processo ocorre com o recebimento da denúncia oferecida por cidadão brasileiro. “Recebimento da denúncia” não se confunde com a entrada da petição na secretaria do Senado. Tal expressão significa que a denúncia (petição inicial) recebeu despacho favorável do senador presidente (decisão monocrática) e seguirá trâmites legais. Todavia, o senador presidente pode decidir não receber a denúncia = juízo de admissibilidade negativo singular. Nessa hipótese, a petição será examinada pelo plenário do Senado = juízo de admissibilidade colegiado. Se o plenário (i) confirmar o juízo singular, o caso será arquivado (ii) reformar o juízo singular, o caso terá prosseguimento com as garantias do devido processo jurídico (contraditório, ampla defesa, juiz natural). No julgamento do mérito, a motivação política da maioria no plenário pode se sobrepor à jurídica. O processo parlamentar é jurídico, porém, a decião parlamentar é política, afinada ou não com o direito material. A decisão senatorial de mérito é soberana, definitiva e inapelável.  

A instauração do processo de impeachment do presidente da república no âmbito do Senado depende da autorização dada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Tal como aconteceu na Câmara dos Representantes dos EUA que, em poucos dias, autorizou o Senado a processar o presidente da república (Trump, janeiro/2021), a Câmara dos Deputados do Brasil também poderá abreviar e simplificar os trâmites em sintonia com a vigente Constituição e, sem escândalo, autorizar o Senado a instaurar o processo. A lei de 1950 que estabeleceu complicados trâmites foi derrogada pela Constituição de 1988. Não há necessidade alguma de audiências de instrução e exame jurídico do mérito pela Câmara, tarefa que agora cabe inteiramente ao Senado. Autorizar (decisão política exclusiva da Câmara) não se confunde com instaurar (decisão jurídica e política exclusiva do Senado). Basta uma única sessão para leitura da denúncia, debates entre reduzido número de deputados, metade a favor e metade contra a autorização, votação e proclamação do resultado. Apesar de a garantia do devido processo legal ser indispensável aos trâmites da petição, a decisão de mérito independe de fundamentação jurídica tendo em vista ser a autorização concedida ou negada à luz da conjuntura política, social e econômica. Tal procedimento antecede e condiciona a instauração do processo. 

Na Câmara, o pedido de autorização passa por dois graus de admissibilidade: (i) o primeiro, perante o deputado presidente que deve despachar a petição no prazo de 10 dias, conforme incidência subsidiária do artigo 800 do Código de Processo Penal (ii) o segundo, perante o plenário. Despachar o pedido não significa enviá-lo para a gaveta ou algum outro destino pelo correio ou entregador fretado. No âmbito do direito, despachar petição inicial (denúncia) significa emitir juízo de admissibilidade negativo ou positivo. Se negativo, em primeiro grau, a petição de impeachment será enviada ao plenário que confirmará ou reformará a decisão monocrática do presidente. Se o plenário (i) confirmar, a petição e seus anexos serão arquivados (ii) reformar, a petição e seus anexos seguirão os trâmites legais. Se positivo, em primeiro grau, o expediente será enviado à comissão especial que dará o seu parecer. Retornando da comissão, o expediente será encaminhado ao plenário para decisão final: autorizar ou não autorizar a instauração do processo. Ainda que autorizado pela Câmara, o Senado pode decidir não instaurar o processo. Os dois órgãos são independentes entre si. 

Despachar a denúncia (petição inicial) não é prerrogativa dos presidentes da Câmara e do Senado exercida ao bel prazer. Prerrogativa é direito especial outorgado por lei a um servidor ou a uma categoria de servidores públicos, a um órgão público simples ou composto, com exclusão dos demais. Despachar não é direito especial e sim dever jurídico comum e geral das autoridades públicas; ato regular de ofício inserido na competência legal de quem o pratica; dever da autoridade de examinar, deferir ou indeferir, total ou parcialmente, a petição que lhe é apresentada. Competência é o espaço delimitado por lei dentro do qual a autoridade exerce o seu poder e cumpre os seus deveres. Fora desse espaço, o abuso. O direito de petição aos poderes públicos é garantia constitucional outorgada a todos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Deixar petição sem despacho significa retirar eficácia à garantia constitucional, o que tipifica omissão criminosa da autoridade pública.  

[CR 85/86; 102, I, c + Lei 1.079/50; DL 201/67; Lei 7.106/83].


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