sábado, 3 de outubro de 2020

1930

Completa 90 anos a revolução que transformou a sociedade brasileira. Em 03 de outubro de 1930, no Rio Grande do Sul, o governador Getúlio Vargas dava início ao golpe contra o governo federal. Apoiaram-no os governadores de Minas Gerais e da Paraíba. Atravessava-lhe a garganta a derrota sofrida nas eleições para presidente da república realizadas no primeiro semestre. Ecoava o estertor da primeira república (1889/1930).

O mercado europeu retraíra-se em consequência do conflito mundial (1914/1918). O preço do café despencou e, com ele, a economia brasileira. A fim de adiar o pagamento da dívida externa, o governo valeu-se da moratória até 1927. Ante a crise mundial do capitalismo a situação agravou-se (1929). Do fornecimento de cacau, açúcar e borracha aos aliados durante a guerra, nada mais havia a receber. Enquanto o governo dos EUA substituía o capitalismo sem rédeas pelo capitalismo com rédeas (new deal), o governo brasileiro buscava solução caseira. Disputavam a presidência da república: (i) o paulista Júlio Prestes, pela situação (ii) o gaúcho Getúlio Vargas, pela oposição. Naquela época, o processo eleitoral estava sob os cuidados dos parlamentares. Isto facilitava a vitória do candidato indicado pelo presidente da república cuja autoridade ainda evocava a resplandecente aura imperial. Numa eleição era indicado candidato paulista; na seguinte, candidato mineiro. A esse acordo deu-se o apelido de política do café (SP) com leite (MG). O presidente Washington Luiz, paulista, quebrou esse acordo ao indicar outro paulista para sucedê-lo. Descontente com a traição, o governador de MG aderiu ao golpe. 

Inobstante ser corriqueira, naquela quadra da história republicana, a fraude no processo eleitoral serviu de pretexto à rebelião de Vargas. Pela rede ferroviária, o comboio rebelde seguia rumo ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil e sede do governo federal. Estacionara na estratégica cidade de Ponta-Grossa/PR e se preparava para enfrentar as tropas legalistas na cidade paulista de Itararé, fronteira com o Estado do Paraná (Sengés). Contudo, a oportuna destituição do presidente da república pelas forças armadas amorteceu o ímpeto bélico. A batalha foi cancelada. Washington Luiz permaneceu no exílio por 17 anos. Júlio Prestes foi impedido de tomar posse. Os comandantes militares formaram uma junta governativa. Chegando ileso ao seu destino, Vargas recebeu da junta militar a chefia do governo (03/11/1930). O seu programa de governo constava da plataforma da Aliança Liberal por ele defendida na campanha eleitoral. 

Aboletado no Palácio do Catete, Vargas instituiu o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil mediante o decreto 19.398 de 11/11/1930, propondo-se a garantir a ordem e a reorganizar a república. Isto implicava o exercício pleno e concentrado das funções legislativa e executiva até que fosse eleita uma assembleia constituinte. Superado o movimento reivindicatório dos paulistas (1932), tal assembleia foi eleita (1933), reuniu-se, elaborou e promulgou a nova Constituição (1934). Os parlamentares, representantes do povo brasileiro, elegeram Vargas presidente da nova república. 

O seu mandato estava prestes a terminar quando ele suspende as eleições previstas para a sucessão presidencial. O aguerrido confronto dos comunistas liderados por Luiz Carlos Prestes com os fascistas liderados por Plínio Salgado na disputa eleitoral serviu de justificativa para a suspensão. Vargas preencheu o vácuo outorgando nova carta constitucional e instaurou ditadura civil (1937/1945). Nomeou interventores para administrarem cada estado. Todos os estados reduzidos a províncias. De federativa, a república brasileira passou a ser unitária e com governo centralizado. 

No período revolucionário, a tensão entre liberalismo e socialismo foi marcante (1930/1945). O governo era para o povo, mas não pelo povo. [O imperador Pedro I defendia igual princípio]. O poder do governo central era incontrastável e acabou com a chamada política dos governadores. Houve notável progresso social e econômico, apesar do cerceamento das liberdades públicas. Vargas suspendeu o pagamento da dívida pública externa e deferiu ao Banco do Brasil o monopólio cambial (1938). Reconheceu e amparou os direitos dos trabalhadores. Criou institutos de previdência social. Visou a paridade de forças nas questões trabalhistas e eleitorais ao criar a justiça do trabalho e a justiça eleitoral. Estendeu o direito de voto às mulheres.  

Bacharel, rico estancieiro, Vargas atendia interesses das oligarquias, porém, quando multidões o aclamaram no Rio de Janeiro e em São Paulo, percebeu que se tratava de apoio ao mito, ao herói da revolução, ao homem providencial. Aceitou o papel. A fim de organizar um estado intervencionista, fundado no bem-estar geral, ele se colocou no centro, entre os liberais e os socialistas; inaugurou um regime social autocrático à moda fascista. Ele defendeu o Estado Novo contra a aristocracia conservadora (rural e urbana) a fim de evitar retrocesso. 

No início dos anos 40, em plena guerra mundial, Vargas, acostumado ao mate amargo, resiste aos seus próprios e íntimos pendores nazifascistas; honra a posição firmada na conferência dos chanceleres de 1932, realizada no Rio de Janeiro; rompe a aliança com a Alemanha, principal parceira comercial do Brasil e maior potência militar e econômica do planeta nos anos 30; alia-se aos EUA visando a industrializar o país com foco na siderurgia e na mineração. 

Na defesa do povo brasileiro, da soberania e do interesse nacional, Getúlio Dornelles Vargas revelou-se o maior estadista da república até ser superado, em diferente conjuntura política, social e econômica, pelo excelente desempenho de Luiz Inácio Lula da Silva no governo do Brasil (2003/2010).

Todos os movimentos de ruptura institucional no Brasil foram iniciados, organizados e executados por elite civil e militar, sem participação popular ativa. Isto aconteceu nos golpes de 1822, contra o reino unido; de 1889, contra a monarquia; de 1930, contra a república oligárquica; de 1945, contra a república autocrática; de 1964 e de 2016, contra a república democrática. 

No ciclo autocrático militar, anos 60/70, houve resistência popular: (i) armada, oposta por pequena, incômoda e quixotesca parcela comunista guerrilheira (ii) desarmada, oposta por outra parcela da esquerda e da direita moderada que persistiu até a exaustão da ditadura militar (1985). A resistência desarmada e reivindicante aproveitou a distensão lenta e gradual do regime militar para fundar o partido da classe trabalhadora (1980). 


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