segunda-feira, 3 de agosto de 2020

REBELDIA NA REPÚBLICA

Movimentos rebeldes acontecem na vida política dos povos. No berço da república brasileira, pretendendo maior influência e participação na vida política, ala intelectual dos oficiais do exército, liderada por Benjamin Constant, estimulou o golpe contra a monarquia (1889). Os executores se desentenderam na chefia da república. O presidente renunciou. O vice-presidente assumiu, rebelou-se contra a norma constitucional que determinava novas eleições e permaneceu no cargo até o final do mandato (1894). No Rio Grande do Sul, eclodiu a revolução federalista e no Rio de Janeiro, a revolta da Armada (Marinha), ambas pacificadas após longo período de lutas (1891/1895).
No governo de Artur Bernardes, o ativismo do Partido Comunista Brasileiro e a rebelião dos tenentes do exército levaram o presidente a decretar estado de sítio e a fechar o Clube Militar (1923/1926). Os jovens oficiais estavam descontentes com os oficiais superiores que se colocavam a serviço dos aristocratas ao invés de servirem à nação. Unidades militares de São Paulo se rebelaram contra o governo central. Os oficiais reivindicavam governo provisório, convocação de assembleia constituinte e reforma política que incluísse o voto secreto. De São Paulo, os rebeldes marcharam para o Sul, juntaram-se aos rebeldes gaúchos no Paraná e, de lá, partiram para o Norte. Formaram a denominada Coluna Prestes. O propósito da marcha era: [1] despertar a consciência do povo brasileiro para a perversidade do sistema político e a necessidade de um novo modelo [2] mostrar discordância com a conduta servil dos comandantes militares. 
Depois disso, Getúlio Vargas, inconformado com a derrota e alegando fraude nas eleições, insurgiu-se contra o resultado (1930). [Teria a mesma atitude se fosse vitorioso nas eleições?]. Liderou a rebelião, impediu a posse do candidato eleito, assumiu o governo e enfrentou a rebeldia dos paulistas que exigiam nova Constituição (1932). Os rebeldes perderam nas armas, mas ganharam no direito. Deputados eleitos votaram e promulgaram nova Constituição (1934). Confirmado na presidência, Vargas aproveitou o embate entre o Partido Comunista Brasileiro e a Ação Integralista Brasileira e implantou uma ditadura (1937/1945). 
Passados 19 anos, oficiais das forças armadas descontentes com o rumo socialista imprimido ao estado pelo presidente João Goulart, rebelaram-se, assumiram o governo e permaneceram no comando da nação por 21 anos (1964/1985). O governo militar enfrentou guerrilhas promovidas pela extrema esquerda e movimentos de protesto dos operários e dos estudantes apoiados por intelectuais, artistas e religiosos situados na esquerda moderada.  
Decorridos 26 anos da promulgação da Constituição de 1988, o vice-presidente, parlamentares, partidos de direita, agentes do ministério público, magistrados, proprietários dos meios de comunicação, oficiais das forças armadas, todos inconformados com a índole socialista do governo eleito, forjaram impeachment, afastaram a presidente e assumiram o governo. Cassaram os direitos políticos do líder do maior partido da esquerda impedindo-o de concorrer a cargo eletivo. A operação lava-jato de Curitiba foi o dínamo desse golpe (2014/2018). Juízes e agentes do Ministério Público (MP) formaram bloco granítico, independente, sem amparo na Constituição, praticaram ilegalidades e mandaram às favas os escrúpulos (royalties para o coronel Jarbas Passarinho).
Os procuradores da citada operação arrostaram o Procurador-Geral da República como se o MP não fosse uma instituição permanente, una e indivisível; como se o procurador-geral não fosse integrante do MP e não fosse também destinatário do dever constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e individuais indisponíveis (CR 127). Os rebeldes se negaram a cumprir ordens; serviram-se de sofismas para justificar a insubmissão; criaram uma situação surreal. Estribaram-se na autonomia funcional como se essa garantia fosse privativa do grupo e não de toda a instituição. Essa autonomia impede interferência indevida no que tange: [i] ao exercício da função essencial à justiça [ii] ao enquadramento legal dos fatos nas demandas judiciais [iii] à opinião jurídica e à consciência do agente (promotor de justiça ou procurador). Desse modo, o órgão superior não pode determinar ao agente como interpretar os casos e as leis aplicáveis, tampouco ordenar que ele mude o seu parecer ou siga determinada orientação nos processos judiciais. No entanto, nos processos em grau de recurso nos tribunais, o procurador pode emitir parecer contrário às razões do promotor de justiça ou do procurador de primeiro grau. Respeitados esses limites, o órgão superior pode intervir, fiscalizar o órgão subalterno. Simetricamente à estrutura judiciária, o órgão de superior hierarquia na estrutura do MP tem o poder, sem as peias do sigilo, de realizar correições, o que importa amplo exame de livros, documentos, processos e arquivos de dados, inclusive para fins disciplinares. Matéria sigilosa tanto pode ser vazada por integrantes da força-tarefa como por outros membros do MP. A gratuita suspeita de uso indevido dos dados pode recair sobre qualquer membro da insituição, do piso à cúpula. Entretanto, há de prevalecer a confiança no valor moral da instituição e dos seus membros. A função fiscalizadora não pode ser barrada sob a maliciosa alegação de sigilo dos dados. 
Como autor da ação penal pública, o agente do MP (promotor de justiça, procurador) é parte ativa da relação processual. O réu é parte passiva. Se o MP é parte, não é imparcial. Exige-se imparcialidade do juiz, mas não da parte ativa e nem da parte passiva da relação processual. Inobstante a legal parcialidade e o legítimo propósito de combater a delinquência, o agente do MP deve honrar a instituição a que pertence, agir com honestidade, seriedade, lealdade, urbanidade e eficiência, em sintonia com os ditames da ética e do direito. 
Provavelmente, as gerações futuras perguntarão: como foi possível a um juiz provinciano, parcial, imoral, deficiente cultural, colocar de joelhos a suprema corte?!?! 
Ao se inteirar das arbitrariedades, a suprema corte limitou-se a singela advertência sem cunho disciplinar quando o caso exigia o imediato afastamento do juiz e a apuração da sua responsabilidade administrativa e criminal. Difícil não enxergar a parcialidade e o particular interesse do juiz na causa quando: [i] inobstante estar em férias, viaja da Europa para o Brasil a fim de impedir os efeitos de decisão proferida em habeas corpus por um juiz de superior instância (desembargador) [ii] vaza conversa telefônica da Presidente da República grampeada ilegalmente [iii] atua em conluio com a parte acusadora [iv] orienta a parte acusadora a buscar provas contra o réu [v] cerceia a defesa do réu negando-lhe produção de provas [vi] determina condução coercitiva de quem não recebeu prévia intimação para comparecimento voluntário [vii] chama para si caso que compete a outra jurisdição conhecer e processar [viii] busca apoio junto a emissora de televisão e a governo estrangeiro [ix] exerce a judicatura com fins políticos partidários.       

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