sábado, 22 de agosto de 2020

CULPA E INOCÊNCIA

Da cultura cristã + judaica advém a tendência dos povos europeus e americanos (salvos os povos nativos da América) para tratar as relações humanas em termos polares de culpa e inocência. Atribui-se culpa a alguém quando por negligência, imprudência, imperícia ou intencionalmente, por algum motivo, agride as leis da natureza, viola princípios e normas da religião, da moral e do direito. Mantém-se no estado de inocência aquele cuja conduta harmoniza-se com os preceitos religiosos, éticos e jurídicos vigentes na sociedade e no estado. A partir de certa faixa etária em que se presume discernimento, todos são responsáveis por suas ações e omissões. Absolver, apoiar e enaltecer os inocentes. Condenar, repudiar e punir os culpados. Tais são as decisões brotadas do espírito de justiça reinante no seio das nações. Segundo esse espírito, o culpado merece castigo aplicado pela vítima, pela comunidade, pelo estado ou por deus. Além da falível justiça humana, acredita-se na infalível justiça divina. Coloca-se em deus a toga de juiz e nas divinas mãos a chave da prisão, a lâmina do patíbulo, o fuzil do paredão, o botão da cadeira elétrica, a seringa da injeção letal. 

Os cristãos (católicos + protestantes) chamam deus de “Senhor” e “Pai Celestial”. Unem deus e o profeta Jesus num único ser, no Absoluto, no Supremo Arquiteto do Universo. O temor do cristão é o de, após a morte e pelos pecados cometidos em vida, padecer no inferno por decisão condenatória proferida por Jesus no juízo final. O temor do judeu é o de, ainda neste mundo, ser castigado por Javé (ou Jeová), com a pobreza e a miséria. Javé é tratado de “Senhor”, deus “único” do povo hebreu. Antes de Moisés, os hebreus eram politeístas como os demais povos da Antiguidade. Depois de Moisés, recaíram no politeísmo algumas vezes. Javé era deus único dos ortodoxos do reino de Judá (duas tribos do sul da Palestina), mas não dos heterodoxos do reino de Israel (dez tribos do centro e do norte da Palestina). Os israelitas admitiam a coexistência de deuses estrangeiros aos quais, algumas vezes, no curso da história, prestavam culto. Nos dias atuais, os hebreus (judeus + israelitas) alguns deles maçons, cultuam Javé, o dinheiro e o poder político. Infiltram-se e desempenham papéis relevantes nas casas legislativas, secretarias de estado, ministérios e tribunais. Inteligentes e oportunistas, tiram proveito psicossocial do holocausto, denominação equívoca de características religiosa e ideológica, referente ao real e cruel episódio de extermínio de pessoas pelos nazistas na segunda guerra mundial (1939-1945). Autorizados pela Organização das Nações Unidas (ONU), os hebreus fundaram estado próprio no território palestino com o nome de Israel (1948).    

O temor e a reverência ao deus bíblico caracterizam a parcela anglo-americana do povo e do governo dos EUA. Na vida prática, essa parcela é mais judia do que cristã, mais ligada ao Antigo Testamento (hebreu) do que ao Novo Testamento (cristão). Fé e culto religiosos divorciados do pragmatismo político e econômico daquela parcela, traço cultural apelidado de hipocrisia. O governo desse país atribui aos outros países a culpa pelas guerras e genocídios, pela poluição do ar, das águas e da terra, pela fome, pobreza e todos os infortúnios do mundo. Invoca sempre o nome de deus para se colocar como inocente e justificar suas notórias atrocidades e cruéis intervenções usadas para garantir hegemonia e domínio internacionais.    

Os povos ocidentais são educados mais para julgar, censurar e punir do que para aceitar, desculpar e tolerar o próximo. Até mesmo nas menores ações e omissões não perdem o cacoete de julgar, mais para apontar o dedo acusador do que para um generoso e fraternal abraço. Rigorosos no julgamento da conduta alheia, esses juízes sem toga se acham senhores da inocência, da verdade, da moral e do direito, dignos de respeito e acatamento. A culpa é sempre dos outros. Da maldade humana, o demônio é o culpado. Armado, o sujeito sai a matar quem encontra pela frente: "está com o demônio no corpo". 

Em pleno inverno, louça fria ou gelada. Colocado na xícara fria ou gelada, café quente amorna. Culpamos a garrafa térmica que não estaria segurando o calor, ou a pessoa que não rosqueou bem a tampa da garrafa e deixou o calor escapar. Em momento algum atribuímos culpa a nós mesmos por não termos o cuidado de previamente escaldar a xícara com água fervendo. Escaldada, a xícara conservará o café quente enquanto bebemos. No gelado inverno de Curitiba, quando visitava periodicamente parentes e amigos antes da atual reclusão em casa, eu marcava o ponto, manhã de sábado sem chuva, no cafezinho da Rua das Flores. Depois das 10,00 horas, claro! Ninguém é de ferro! Madrugar? Nem pensar! Café bem quentinho servido em xícara que, pouco antes, estava mergulhada na água quase fervendo em recipiente de metal aquecido por energia elétrica. 

Desde março de 2020, o nosso mundo sofre com uma epidemia de enorme proporção. Os casos da doença denominada Covid-19 que aflige cerca de 188 países, atingem a cifra, em números redondos, de 23 milhões, com a morte de 800 mil pessoas, aproximadamente. No Brasil, há mais de 3 milhões de casos com a morte de mais de 2 mil brasileiros até a presente data. A moléstia continua a se expandir e grande parcela da população relaxou os cuidados preventivos. O presidente da república culpa os alarmistas, os prefeitos, governadores, profissionais da medicina, o sensacionalismo das emissoras de TV, os manipuladores dos dados estatísticos. A tudo encara sob ótica eleitoreira. Na opinião dele, há exagero em todo esse movimento por causa de uma gripe que um dia passará e da morte que um dia chegará a nós todos. Impassível, insensível, irônico, ele se põe no rol dos inocentes. Acha que nenhuma culpa lhe cabe por esta expansão da moléstia e pelo tétrico aumento dos óbitos. 

No entanto, quer por ausência de tino, quer por ignorância, estupidez, debilidade mental, deficiência moral, razões políticas e/ou familiares, o fato é que o presidente da república duvidou do conhecimento científico, menosprezou advertências e orientações dos organismos internacionais na área médica, debochou de quem se preocupava com a gravidade da pandemia. Portou-se como garoto-propaganda de remédio ineficaz. Colocou-se como exemplo de cura dessa moléstia afirmando haver tomado o tal remédio. Tornou-se expert em mentir e encenar peças falsas. Desrespeitou acintosamente a quarentena ao circular sem máscara, provocando aglomerações, fazendo contatos físicos ao ar livre e em recintos fechados, no evidente intuito de mostrar ao povo que ele tem razão ao relativizar a pandemia e que seu comportamento deve ser seguido por todos. 

Concedendo auxílio emergencial em dinheiro para a parcela carente da população, fazendo farol com chapéu alheio, o presidente da república aumenta espertamente o número de seguidores. Para reelege-lo em 2022, esse número ainda é insuficiente, além do que, até lá, estará reduzido pelas mortes. Muita água passará por debaixo da ponte. O presidente pode ser destituído do cargo por decisão do tribunal parlamentar e/ou por decisão do tribunal judiciário, após o devido processo jurídico. Justa causa para isto há de sobra. “A canoa vai virar”, diria o saudoso jornalista Paulo Henrique Amorim.      


 

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