terça-feira, 30 de junho de 2020

O PROFESSOR E O DOUTORADO

O presidente da república nomeou Carlos Alberto Decotelli, professor universitário, para o Ministério da Educação. A qualificação acadêmica do nomeado foi questionada por universidades e pelos meios de comunicação social (imprensa, televisão, rede de computadores) sob alegação de haver inconsistências no currículo. O professor foi acusado de mentir, de fraudar, de praticar falsidade ideológica. Sem piedade, sem moderação, sem prévios cuidados no exame da vida acadêmica do acusado. 
O presidente da república, no exercício da sua privativa competência constitucional, manteve a nomeação do professor, decisão que deve ser respeitada pelos poderes legislativo e judiciário, pouco importando o azedume da opinião pública. Logo depois, o professor pediu demissão do cargo. Para qualquer ministério, o presidente da república pode nomear, se lhe aprouver, um gari ou um cabo do exército. Nenhuma lei exige diploma universitário para o cidadão brasileiro ser ministro de estado, basta que seja maior de 21 anos e esteja no exercício dos direitos políticos. A responsabilidade pela nomeação cabe exclusivamente ao chefe de governo. [CR 84, I + 87].
Jornalistas movidos pelo sensacionalismo, políticos movidos pelo oportunismo, manifestaram opiniões e julgamentos tão severos quanto levianos, contra o professor. Se a enganação fosse praticada por um professor branco, como Fernando Henrique Cardoso, provavelmente as elites e a média nenhum alvoroço causariam, ao contrário, manifestariam o seu incondicional apoio. Nenhuma estranheza causou a esses moralistas contestadores o fato de um bacharel branco, de 24 anos de idade, ser nomeado juiz federal e professor de direito em universidade federal, no ano seguinte ao da sua formatura. Nada comentaram ou investigaram o fato de esse mesmo jovem bacharel, logo depois, em curto tempo, ter concluído o mestrado e o doutorado em direito na mesma universidade em que lecionava.   
A análise racional do caso, desprovida dos ingredientes partidários, emocionais e espetaculares, mostra o exagero e a tendenciosidade dos ataques ao professor negro situado à direita do espectro político e pronto para servir ao governo de extrema-direita.   
Da nota expedida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), verifica-se que o professor concluiu o curso de mestrado. Portanto, tem o título acadêmico de Mestre, que lhe seria negado se a banca examinadora notasse plágio na sua dissertação. Em razão da pandemia, a FGV alega estar impossibilitada de buscar documentos nos seus arquivos por falta de funcionários. Informa que o professor lecionou na FGV, mas não era professor da FGV, ou seja, não integrava o quadro de professores efetivos.
Da universidade de Rosário/Argentina, vem a informação de que o professor cursou o doutorado, porém, o seu trabalho final não foi aprovado (tese). Logo, o professor tem o curso de doutorado, mas faltam-lhe o diploma e o título de doutor.
Da universidade alemã vem a notícia de que o professor fizera uma pesquisa acadêmica de 3 meses, em nível de pós-doutorado, mas não o curso de pós-doutorado propriamente dito.
Do currículo exibido na tela do aparelho de televisão constata-se que o professor não afirmou ter o diploma e o título de Doutor e de Pós-Doutor, mas sim ter frequentado os cursos. Sobre a frequência ao curso de doutorado, não há dúvida. Sobre a frequência ao curso de pós-doutorado, resta esclarecer (i) se naquela universidade alemã há cursos de pós-doutorado (ii) se a pesquisa realizada pelo professor integra ou não integra curso regular de pós-doutorado. 
Dúvida não resta, entretanto, do preparo intelectual e do cabedal de conhecimentos do professor. Resta apurar se o episódio afeta, ou não, a sua idoneidade moral. A Constituição da República declara os princípios éticos da administração pública que devem ser observados por todos. [CR 37]. Todavia, quando débil o aspecto ético, prevalecem os aspectos técnico e intelectual da nomeação, mormente por se tratar de cargo de confiança, além de não ser função reservada a servidor estatutário.

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