sexta-feira, 12 de junho de 2020

CASSAÇÃO DE MANDATO

Em trâmites pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) duas ações contra Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, uma proposta por Marina Silva e a coligação REDE/PV, outra por Guilherme Boulos e coligação PSOL/PCB. Ambas pleiteiam o cancelamento do registro das candidaturas e dos diplomas dos réus, a cassação dos respectivos mandatos e a declaração de inelegibilidade. Afirmam que em setembro de 2018, na campanha eleitoral, a página do grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” na rede de computadores, foi invadida e alterada por hackers, o que teria influído no resultado das eleições. Iniciado o julgamento em novembro de 2019, o ministro relator votou pela improcedência e arquivamento das duas ações, no que foi acompanhado por outro ministro. Após pedir vista do processo, o ministro Fachin devolveu os autos em junho de 2020 e votou pela realização do exame pericial requerido pela defesa. Dois ministros acompanharam esse voto divergente; um deles recomendou a realização da perícia pela polícia federal. A identificação dos hackers poderá revelar nexos com o grupo do candidato que venceu o pleito. Em 09/06/2020, o ministro Moraes pediu vista do processo. Isto suspende os trâmites. Faltam os votos dele e do ministro Barroso para o encerramento da demanda.    
No caso em tela, a materialidade está provada (existência do delito). Falta provar a autoria e demonstrar o nexo com os réus (causalidade + responsabilidade). O exame pericial cibernético assume relevância no caso. O indeferimento da produção da prova contrariou a garantia do devido processo legal. Ante eventual necessidade, inclusive para evitar nulidade, o juiz pode converter o julgamento em diligência. Correta, pois, a reabertura da instrução. Cuida-se de necessário retrocesso na marcha processual amparado nas garantias constitucionais. Realizada a prova pericial, o mérito das mencionadas ações será apreciado. Se os pedidos forem acolhidos, o presidente e o vice-presidente da república serão afastados do cargo. O presidente da Câmara dos Deputados assumirá a presidência da república até que se realize nova eleição no prazo de 90 dias (CR 80/81). 
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça judicantes no TSE são candidatos naturais ao preenchimento de vagas no Supremo Tribunal Federal (STF). Os votos contrários às referidas ações, portanto, favoráveis à permanência dos réus nos cargos, podem funcionar como passaporte para os prolatores ingressarem no STF. Até dezembro de 2022, se permanecer no cargo, o presidente pretende nomear três ministros para o STF. Um dos nomes cotados caiu em desgraça. Continua no páreo o evangélico. Sobre as duas vagas restantes, nada foi decidido ainda. 
Mentira, falsidade, fraude, são incompatíveis com a Ética e com o Direito. A fraude que não seja mentira piedosa deve ser punida na forma da lei. Os atos fraudulentos, os efeitos da mentira e da falsidade, não devem ser validados pelos juízes. Além de imorais, a mentira, a falsidade e a fraude são antijurídicas e fazem parte da definição de inúmeros ilícitos penais (calunia, estelionato, falsificações de documento, de moeda, de produto destinado a fins medicinais, fraude no comércio, induzimento a erro essencial no casamento, inserção de dados falsos em sistema de informações,  perigo de contágio, posse sexual fraudulenta, registro de nascimento inexistente, usurpação de função pública). 
Flexibilidade e liberdade encontram limites nos princípios éticos e jurídicos que estruturam o bom caráter do indivíduo. O presidente da Câmara dos Deputados revela mau caráter ao se esquivar do seu dever de despachar as petições de impeachment oferecidas contra o presidente da república. Ele foge da sua obrigação como o diabo foge da cruz. Esgotou-se o prazo de 10 dias previsto no artigo 800, do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente ao regimento interno, para o presidente da Câmara deferir ou indeferir as petições. As desculpas esfarrapadas por ele utilizadas para se omitir ofendem a inteligência dos eleitores brasileiros. A pandemia não foi óbice ao presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para despachar o pedido de impeachment formulado contra o governador. Posta a gravidade da situação, o deputado presidente consultou previamente o plenário da assembleia. O povo é representado por um órgão legislativo colegiado e não por um parlamentar isolado. O presidente da assembleia fluminense deu bom exemplo. 
A indesculpável e criminosa omissão do presidente da Câmara dos Deputados revela a sua cumplicidade com a política genocida e demais crimes praticados pelo presidente da república. No polo oposto situa-se Luiz Inácio, o mais eficiente e honesto presidente da história republicana do Brasil, respeitado e admirado internacionalmente por chefes de estado, lideranças políticas e intelectuais da América e da Europa, recebido com atenção e afeto por três Papas em diferentes ocasiões, doutor honoris causa por inúmeras universidades do mundo, cidadão honorário de Paris, integrante da informal e seleta parcela de políticos da esquerda e da direita que zelam pela dignidade da pessoa humana, pelos princípios éticos e pelo respeito à ordem jurídica. Luiz Inácio portou-se com dignidade e colocou os seus princípios morais como limites à flexibilidade quando se negou a aderir ao manifesto “em favor da democracia” urdido pela canalha que lhe cassou os direitos políticos e causou sofrimento à sua família. Mostrou de maneira exemplar que é possível ser político e ter vergonha na cara. Convém lembrar que na segunda guerra mundial, sem se misturarem, americanos e russos combateram o nazismo (“juntos”, mas separados e fiéis às respectivas visões de mundo). 
O referido manifesto foi assinado por pessoas que promoveram golpes contra a democracia. Sem justa causa, essas pessoas (i) destituíram a presidente da república legal e legitimamente eleita (ii) arquitetaram processo judicial para afastar Luiz Inácio da disputa eleitoral (iii) promoveram ilegal divulgação de notícias falsas na campanha eleitoral de 2018 (iv) difamaram e desrespeitaram o ex-presidente e sua família. Trata-se de documento gerado pela hipocrisia e assinado por falsos democratas, escória da política partidária. 
Para limpar latrina, desnecessário mergulhar as mãos no que ali se contém. Basta usar luvas, máscara, avental, escova, descarga e desinfetante.     

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