quinta-feira, 28 de maio de 2020

O CELULAR DO PRESIDENTE

Logo depois de visitar o procurador-geral da república (PGR), o presidente da república (PR) declarou que não entregará o seu telefone celular (27/05/2020). Alega a finalidade institucional do seu telefone cujas mensagens estão protegidas pelo segredo de estado. Citou o nome do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) como sinal de que não acatará decisão judicial sobre requisição do seu telefone. 
Certamente, depois da visita ao PGR, o PR convenceu-se de que o ministério público (MP), titular da futura ação penal, não fará requerimento com tal objetivo. Sabendo antecipadamente da posição do PGR, o PR, por bravata, lançou o repto ao ministro do STF, citando-o nominalmente. Cabe lembrar que o governador do estado do Rio de Janeiro teve o seu celular apreendido em operação da polícia federal.
O ministro do STF nada poderá fazer se o MP não solicitar ordem judicial para a apreensão do telefone. Do inquérito – e não da ação penal – o juiz tem apenas a supervisão e não a direção. Ao delegado e ao MP cabe a direção do inquérito. Diligências complementares antes de oferecida a denúncia, dependem da iniciativa do MP, consoante normas processuais e regimentais. O juiz deve se manter equidistante a fim de preservar a sua imparcialidade caso seja proposta a ação penal. 
Juiz não faz pedido ao MP, mas, ao contrário, o MP é que faz pedido ao juiz quando necessita de ordem judicial para alguma diligência. Postulante é a parte (MP, queixoso, indiciado, réu) e não o juiz. Quando toma conhecimento de fatos e documentos indicadores de ilícito penal, o juiz os encaminha ao MP. Ao tomar conhecimento desse expediente, o MP providencia o que lhe parecer adequado (instauração de inquérito, novas diligências, arquivamento, denúncia). 
Em havendo investigação criminal a fim de apurar responsabilidades por divulgação de notícias falsas, nem o MP e nem o STF devem suspender o inquérito ou a ação penal tendo em vista o superior interesse da nação no esclarecimento dos fatos, na concretização e na eficácia do direito positivo, de maneira a evitar a impunidade e a desordem. A pacificação vem da rigorosa aplicação e da real eficácia das normas constitucionais e legais no plano dos fatos e não de acordos extravagantes entre as autoridades para garantir impunidade.  
O modo desvirtuado de tratar o grave problema da pandemia por autoridades estatais brasileiras, cujas consequências adentram a esfera jurídica penal, desperta algumas reflexões. De início, verifica-se que os governadores dos estados membros da federação e os prefeitos dos municípios agem em sintonia com as recomendações dos organismos científicos e médicos nacionais e internacionais. Adotam medidas concretas para a eficácia da quarentena sem descurar de aspectos essenciais da economia no que tange à subsistência da população e à remuneração de quem ficou sem ganhos. A classe empresarial pressiona para que a quarentena seja suspensa e todos retornem às atividades econômicas. O PR, em sintonia com essa classe, opõe-se à quarentena, trata a pandemia com descaso e sarcasmo, insensível aos milhares de enfermos e mortos. Considera inimigos os governadores e prefeitos que combatem a moléstia. De um problema médico, o PR criou um problema político de feição eleitoreira. Daí, ser passível de enquadramento na lei penal. 
Diante da conjuntura, o presidente da Câmara dos Deputados, protetor da classe empresarial, leu um pronunciamento à nação (26/05/2020). A sua linguagem corporal era a de quem estava encabulado ou desconfortável, sem entonação vibrante como exigia a linha do discurso: harmonia entre os poderes, acatamento às decisões judiciais, apoio ao combate à pandemia, construção da paz, preservação da democracia. Notava-se a incerteza claudicante de quem lê o que não escreveu. Mostrou a tibieza que o caracteriza. Omisso quanto ao impeachment, deixou passar o decêndio legal in albis (Código de Processo Penal, art. 800, aplicado subsidiariamente ao regimento interno). Os inúmeros pedidos de impeachment contra o PR estão sem despacho até o momento. Esse deputado elogiou o bom e cordial tratamento que recebeu do PR quando o visitou recentemente, indício de que os dois celebraram algum pacto secreto. A omissão ilegal do deputado indica cumplicidade com os crimes do PR denunciados nas petições de impeachment, inclusive os relacionados com as milhares de vítimas do coronavirus. Esse conluio mais se mostra provável ante a existência de investigações sobre ilícitos penais cuja autoria é atribuída ao deputado. 
Nesta grave crise, quando a nação mais precisa de líderes honestos, ativos, valorosos, corajosos, de caráter sem jaça, de atitudes desassombradas, os brasileiros vivem o infortúnio de ver as presidências da Câmara e do Senado ocupadas por dois mequetrefes.   
A razão e a linguagem são irmãs siamesas. A manifestação do pensamento e da vontade, a expressão de sentimentos, têm como instrumento a palavra condutora da verdade e da falsidade, do justo e do injusto, do amor e do ódio, transmissora do conhecimento, comunicadora de boas e más notícias. O mau uso da palavra facilita o erro, dificulta a compreensão e, às vezes, estraga bons relacionamentos. A palavra pode ofender, ocultar más intenções, disfarçar mediante um jogo ou duplo sentido, o que o indivíduo pensa realmente. Serve de exemplo o substantivo bosta que o PR usa como adjetivo para qualificar os seus opositores. Todavia, ao ofender a dignidade ou o decoro de outrem, o PR fica sujeito à imediata retorsão no mesmo calibre. Assim, poderá ouvir do ofendido que ele foi uma bosta como militar, uma bosta como parlamentar e é uma bosta como chefe de governo. Isto faria parecer que o aparelho digestivo do PR está localizado na cabeça.   

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