sexta-feira, 22 de maio de 2020

A PANDEMIA O ESTADO E A LÓGICA

Conforme previsões de médicos e cientistas que lembram a longa duração da gripe espanhola, ainda que sejam produzidos e distribuídos remédios e vacinas este ano, a pandemia pode adentrar o ano seguinte (2021). Os presidentes dos EUA e do Brasil, pensando nas vendas e nos lucros, insistem na circulação da cloroquina como remédio contra a moléstia provocada pelo coronavirus. A comunidade médica e científica afirma: [i] que esse medicamento adequado para a malária é inadequado para o novo tipo de vírus [ii] que o uso desse produto pode causar a morte do paciente. Apesar disto, o presidente brasileiro expediu medida provisória liberando, sem restrição, a venda desse remédio, só exigindo, na sua aplicação, a concordância do paciente. Partidos políticos impetraram ações cautelares contra medida provisória que concede imunidade civil e administrativa aos agentes públicos que tomam decisões na área da pandemia. O Supremo Tribunal Federal as julgou improcedentes (21/05/2020). Prestigiou a medida provisória. O Congresso Nacional tem a exclusiva competência legislativa para converter medidas provisórias em lei. Ainda que tais medidas tenham sido objeto de ação judicial, o Congresso Nacional pode delas conhecer e sobre elas decidir ampla e livremente, inclusive erradica-las expressamente ou por decurso do prazo. [CR 59, V + 49, XI + 62, §§ 3º a 12]. 
A pandemia ensejou questionamentos econômicos, políticos, éticos e jurídicos. Objetivamente, notou-se a purificação do ar e das águas resultante do rebaixamento do índice de poluição no planeta durante a quarentena. Vídeos exibidos na rede de computadores mostram que depois de 30 anos: [i] as montanhas do Himalaia passaram a ser vistas de longa distância [ii] a praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, está com as águas limpas. Provavelmente, em outras regiões, a melhora no meio ambiente será notada. A pandemia parece ter sido um modo de a natureza se defender da poluição provocada pelos humanos. 
Pestes, pragas, epidemias, reduzem o número de seres vivos. Mediante guerras, genocídios, crimes contra a vida, os humanos, involuntariamente, ajudam a natureza na tarefa de controlar a densidade demográfica. A natureza é neutra aos valores humanos. Vida, liberdade, igualdade, propriedade, segurança, verdade, justiça, beleza, santidade, a tudo isto o mecanismo cósmico é indiferente. As forças da natureza ferem e matam indistintamente vegetais e animais racionais e irracionais, abrem crateras, destroem cidades e sonhos, sem cogitar de culpa ou inocência. 
A maioria dos filósofos e teólogos vê na finalidade a chave do sentido da vida, a explicação da existência dos seres, a justificativa das leis morais e jurídicas. Inteligência e vontade: [i] sobrenaturais, estabelecem a finalidade do mundo natural [ii] naturais, estabelecem a finalidade do mundo cultural. A minoria discorda. Entende por inteligência a faculdade cognitiva da mente humana, capacidade de apreensão, compreensão e explicação dos estímulos internos e externos gerados no plano existencial em níveis individual e social. A crença na existência de outra inteligência transcendental, razão pura, metafísica, brotou da imaginação dos filósofos e teólogos que, por simetria, transportaram para um mundo invisível categorias do mundo visível (espaço, tempo, movimento, causalidade, liberdade, finalidade). A razão não é pura, nem impura, pois não existe como substancia e sim como faculdade operacional da mente (apreensão de ideias, formulação de juízos e raciocínios). O entendimento também não é puro, nem impuro, pois não existe como substância e sim como função cognitiva da mente através da qual os humanos, tanto de modo intuitivo como de modo racional, adquirem conhecimento de si mesmos e do que está fora do corpo. 
Finalística é a conduta humana, não a natureza. No uso da inteligência e da vontade, guiados por suas ideias, necessidades, inclinações, apetites, instintos e sentimentos, mulheres e homens imprimem finalidade às suas vidas. Desse modo, criam o seu próprio mundo no seio da natureza: o mundo da cultura (obras e serviços de todos os tipos, costumes, leis, instituições, doutrinas, teorias, ciências, artes, religiões). No tocante à natureza, quais os fins? Quem os estabelece? Existem inteligência e vontade capazes de ditar leis e impor fins à natureza? As pragas, pestes, pandemias, tempestades, terremotos, maremotos, estão entre os fins da natureza? 
Os humanos criaram leis a fim de organizar as suas relações domésticas, sociais, econômicas, políticas. A partir desse fato cultural, acreditaram que a natureza também é governada por leis e que há um legislador e uma lógica transcendentais. Cultivam essa ilusão.
Os fenômenos naturais obedecem a um tipo de regularidade que a ciência denomina causalidade (“lei de causa e efeito”). A existência dessa “lei” dispensa a paternidade e a intencionalidade de um ser inteligente, invisível, abstrato. Os animais irracionais têm o tino que os orienta na busca do proveitoso e na fuga do ameaçador. Os animais racionais têm entendimento, vontade, consciência de si próprio (“penso logo existo” - Descartes).
Letrados, ou não, há humanos que acreditam na existência de deus pela via keraunológica. Baseiam-se: [i] no sentimento de impotência ante a superioridade das insondáveis e ameaçadoras forças da natureza [ii] na inclinação de tudo personalizar [iii] no estado de necessidade [iv] na esperança de conseguir benefício mediante súplicas, oferendas, danças, cantos, preces e ritos. Na origem da ideia de existência de divindades estão: medo, debilidade, credulidade, ignorância.  
O átomo, a molécula, a célula, estão estruturados graças à inteligência e a vontade de um ser cósmico que já existia antes de o mundo existir? Teólogos e filósofos acreditam que sim. Acreditam na possibilidade da existência de inteligência e de vontade desprovidas de suporte material, sem cérebro, sem coração, sem corpo. O cientista físico nuclear contemporâneo acredita ter chegado ao âmago da matéria, mas não diz se ali encontrou inteligência e vontade dirigentes e construtoras. Ao admirar a ordem que ele acreditou existir nos universos macroscópico e microscópico, Einstein admitiu a presença de uma superior inteligência construtora e ordenadora. Como fazem os cientistas, filósofos e teólogos quando se deparam com dados que excepcionam as suas teorias e doutrinas, Einstein desconsiderou o caos no interior das galáxias e a incerteza quântica. Influenciado pelo judaísmo dos seus pais, ele escreve a um amigo: “Deus não joga dados”.  
Considerando que: [I] a inteligência é função da mente [II] a matéria tem estrutura [III] essa estrutura supõe inteligência e arquitetura lógica; lícito será concluir: [i] que a mente é intrínseca à natureza [ii] que as regularidades no dinamismo do cosmos obedecem a essa lógica natural [iii] que o mecanismo de autodefesa da natureza está impregnado dessa lógica. 
A lógica interna que se imagina presente na dimensão material do universo (reinos mineral, vegetal e animal) deriva da mente que se imagina existir numa dimensão espiritual? Aceitável provar a existência de deus através dessa lógica? 

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