sexta-feira, 8 de maio de 2020

O DIREITO E O TORTO

Direito se diz do que é reto, do que mantém o rumo sem desvio, aprumado, certo, honesto, justo. Refletem-se, tais significados, em expressões como estas: “mentir não é direito”, “reta razão”, “retidão de caráter”, "vida honesta", “justa causa”. 
Torto, antônimo de direito, se diz do que é curvo, do caminho sinuoso, do que está fora do prumo, do errado, do desonesto, do injusto. 
Transportadas para a política partidária, essas noções levam ao estrábico engano de ver o certo na direita e o errado na esquerda. Transportadas para a religião, salientam a contradição no ditado “deus escreve certo por linhas tortas”. 
No campo da ciência, entende-se por direito as normas éticas bilaterais de caráter geral e obrigatório que disciplinam as relações humanas e organizam a sociedade e o estado. A norma escrita é expressão verbal, visível e objetiva do direito (constituições, leis, decretos, sentenças judiciais). Essa normatividade das relações humanas é estudada sob três prismas distintos: [1] dogmático, estudo do direito visto como norma (Ciência do Direito) [2] ontológico, estudo do direito visto como fato social (Sociologia do Direito) [3] axiológico, estudo do direito visto como expressão de valores (Filosofia do Direito). 
Entende-se por torto o comportamento que se desvia do direito (conduta ilícita, antijurídica). As leis penais, codificadas ou não, destinam-se ao torto; definem crimes e cominam penas. A malícia do operador (juiz, promotor, delegado, advogado) entorta o direito. Serve de exemplo, a operação lava-jato. Inúmeras distorções foram praticadas, do primeiro ao último grau de jurisdição, por delegados, procuradores e magistrados. Do Supremo Tribunal Federal (STF) vem outro exemplo. Esse tribunal invadiu competência privativa do presidente da república; violou princípio fundamental da república democrática: independência e harmonia dos poderes (CR 2º). Abriu precedente quando a presidente Rousseff nomeou para compor o ministério o ex-presidente Silva. Alegou-se que o ato presidencial visava a dar foro privilegiado ao ex-presidente. Isto, ainda que fosse verdadeiro, não tipifica ilícito algum. Foro privilegiado não significa obstrução da justiça e tampouco canal da impunidade. Além disto, o nomeado era qualificado para o cargo. Apesar disto, o STF (o ministro relator, em decisão monocrática) suspendeu o ato presidencial. Outra invasão se deu quando o atual presidente nomeou o chefe da polícia federal. Alegando que a nomeação visava a intervenção ilegal do presidente em inquéritos policiais, o STF (o ministro relator, em decisão monocrática) suspendeu o ato presidencial. Nos dois casos, o desvio de finalidade estava ausente. O STF partiu da suposição de que a nomeação tinha ilícita finalidade. Suposição não autoriza intervenção judicial. Não cabe ao tribunal impugnar supostos motivos e razões que não constam do ato presidencial. Ao presidente da república compete privativamente exercer a direção superior da administração pública federal, nomear e exonerar ministros, prover os cargos públicos federais (CR 84, I, II, XXV). No legítimo uso das suas atribuições privativas, a presidente Rousseff e o presidente Bolsonaro fizeram as citadas nomeações. Finalidade lícita: prover cargo público; preencher vaga existente. Se, depois, no exercício do cargo, o nomeado atuasse fora da lei, o desvio seria dele e não do presidente. Ao abusar dos freios, o STF entortou o direito.    
Nessas duas ocasiões, os presidentes evitaram o rompimento da harmonia e a eclosão de crise política. Contudo, paciência tem limite. A hora do basta pode chegar; a hora Floriano de “quem dará habeas corpus aos ministros do supremo?”. Ante a conduta dos ministros no curso das duas décadas deste século XXI, deixou de ser remota a possibilidade de zelosos e corajosos presidentes das casas legislativas se negarem a cumprir ordem contrária ao princípio da separação dos poderes, cujo precedente foi aberto por Renan Calheiros na presidência do Senado Federal. A mesma recusa pode partir do presidente da república. Haverá mais do que “um cabo e um soldado”. Os abusos do STF podem provocar guerra civil. O clima está propício. Para o bem da democracia e da nação, convém que cessem os argumentos falaciosos, as interpretações capciosas e politiqueiras.   
Exercer função essencial do estado não significa estar o servidor sem controle, fora e acima do governo. Não há função estatal que não seja função do governo. Cabe lembrar que estado se constitui de três elementos essenciais: povo, território e governo. O poder político do estado é exercido pelo governo mediante três funções essenciais: legislativa, executiva e judiciária. Todo servidor público civil ou militar, agente político ou administrativo, com maior ou menor autonomia, é servidor do governo, portanto, servidor do estado (e da nação). 
A polícia federal é um dos órgãos permanentes da segurança pública, com atribuições específicas distintas das atribuições da polícia estadual. Os servidores, nas duas esferas, organizados em carreira, devem obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A chefia da polícia federal é cargo de confiança reservado a delegado de carreira. A escolha cabe ao presidente da república ou ao ministro de estado a quem ele delegar essa atribuição. Além da confiança do presidente, ou do ministro, o nomeado tem a seu favor a presunção de idoneidade para exercer o cargo. A suposição em contrário não caracteriza impedimento. Suposição é imprestável para alicerçar decisão judicial. Tal suposição tem raiz na degradada cultura política do Brasil, porém, não serve de fundamento a decisão judicial, salvo se materializada no caso concreto provado no devido processo jurídico. [CR 5º, LIV + 37, V + 84, p.u. + 144, § 1°].
Noticiou-se que o ministro Marco Aurélio apresentou proposta de vedar decisão monocrática sobre suspensão de ato dos presidentes das casas legislativas ou do executivo. Se aprovada, a mudança no regimento do STF será o primeiro passo para restabelecer a decisão colegiada nos tribunais. O volume de trabalho não pode servir de justificativa para suprimir o que é da essência de um tribunal de justiça. Decisão monocrática é própria do juiz singular no primeiro grau de jurisdição. No grau superior, os jurisdicionados têm o direito a decisões colegiadas. Os casos devem ser analisados e decididos por três ou mais juízes em conjunto de modo a reforçar a certeza e a segurança jurídicas e, assim, contribuir para a paz social e fortalecer o sentimento de justiça.   

Nenhum comentário: