sábado, 1 de julho de 2017

BRISA DEMOCRÁTICA

O vento que soprou na justiça federal brasileira desde os anos de chumbo está mudando de direção. Da autocracia para a democracia, lenta e gradualmente. No plano dos fatos, recua o tribunal de exceção e avança o tribunal de direito. A peraltice e a presepada dos procuradores e do juiz de Curitiba começam a sofrer corretivos. O tribunal federal da região sul, com sede em Porto Alegre/RS, pelo menos em uma das suas turmas, retornou ao império do direito e afastou-se da justiça de exceção ao julgar apelações na ação penal em que figuram como réus João Vaccari Neto e outros. 
No direito positivo brasileiro, a convicção do magistrado forma-se no devido processo legal após completada a produção da prova. Antes disto, a convicção equipara-se ao arbítrio, ao capricho do julgador, à opinião vulgar. No processo judicial, convicção sem raiz na prova cabal e idônea caracteriza arbitrariedade, atitude autoritária.
No julgamento acima referido, a maioria da turma recursal (2 x 1) não se deixou impressionar pela opinião pública orquestrada pela imprensa e pelas emissoras de televisão incentivadas pelo governo dos EUA e por corporações privadas daquele país. A turma recursal examinou a prova dos autos e reformou parcialmente a sentença de primeiro grau (do juiz de Curitiba). Manteve a condenação dos réus cuja defesa não superou as provas que apontavam para a autoria e a materialidade dos fatos ilícitos. Agravou a pena de uns; atenuou a pena de outros. Absolveu o réu contra quem não foi produzida prova suficiente para condenar. Esta absolvição exigiu do desembargador revisor e do vogal: coragem, independência, imparcialidade, o que não é fácil no âmbito de um judiciário tendencioso. Mais fácil é disfarçar o arbítrio com a capa da livre convicção (liberta da prova) e condenar logo os adversários políticos.
Agora e antes tarde do que nunca, os adeptos da direita e os que com eles negociaram também entraram na dança. Eles se defendem com armas judiciais e extrajudiciais. Na sociedade democrática sob o império do direito, todo delinquente goza da garantia constitucional da ampla defesa. O atual presidente da república brasileira serve-se dos meios de comunicação social, além dos judiciais, para se defender da denúncia apresentada pelo procurador-geral da república ao Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de a denúncia vir estribada em prova robusta, o presidente afirma tratar-se de ilações. Ele nega a prática do crime, tal como faz a maioria dos criminosos. Chefe de estado e de governo, professor universitário, o presidente esqueceu que ilação é inferência que pode ser fundada ou infundada, verdadeira ou falsa. Ao se defender diante das câmeras de televisão, a ele cabia demonstrar claramente que as inferências feitas pelo acusador eram infundadas; que a argumentação dedutiva do acusador repousava na especulação e não nos fatos.
A denúncia protocolada no STF é extensa e bisonha (64 páginas!). Mistura alhos e bugalhos. Contém requerimentos que deviam ser feitos em petições avulsas. Faltou concisão e o estilo é mais acadêmico do que forense (deficiências semelhantes às dos ministros do STF cujo estilo carece do espírito de síntese, mais prolixo do que conciso, mais verborrágico do que austero, mais professoral do que judicial). Na boa técnica, bastariam três páginas para, em consonância com o artigo 41, do Código de Processo Penal: [1] qualificar os acusados (presidente e deputado); [2] expor moderadamente os fatos que tipificam a corrupção passiva; [3] classificar o crime e requerer instauração do processo (CP 317); [4] arrolar testemunhas; [5] anexar o inquérito. A ansiedade por processar autoridades do alto escalão da república afastou o padrão sóbrio e objetivo que regularmente se reveste a petição inicial de um processo criminal. Promotor de justiça estadual possivelmente ofereceria denúncia melhor e mais adequada.
A petição e seus anexos foram remetidos à Câmara dos Deputados que decidirá se autoriza ou não autoriza a instauração do processo. A autorização depende do voto de 2/3 dos membros da Câmara (CR 51, I + 86). Se não houver autorização, a denúncia será arquivada; se houver, será devolvida ao STF que, embora autorizado, não está obrigado a instaurar o processo. Abre-se ensejo para os acusados apresentarem defesa escrita. Depois, em sessão plenária, o STF decidirá se recebe ou não recebe a denúncia. Se não receber, a denúncia será arquivada; se receber, instaura-se o processo e o presidente fica suspenso das suas funções (CR 86, § 1º, I).
Em havendo outros inquéritos, desmembrados ou não, será possível novas denúncias sem que isto caracterize fatiamento. Poder-se-á falar em prevenção do ministro que despachou a primeira ação penal.
Há cerca de cinco mil anos, pela observação tanto dos fenômenos naturais, como das relações humanas, os hindus descobriram a lei do karma. Essa lei da causalidade vigora no mundo da natureza e no mundo da cultura. No que tange aos humanos, segundo essa lei, das boas ações resultam bons efeitos ao agente; das más ações, maus efeitos. Ditado popular punitivo reflete essa causalidade: “aqui se faz, aqui se paga”. Logo, na esfera política essa lei também incide. Na história da civilização, governantes maus tiveram seus castigos em forma de privação da liberdade, do patrimônio, da saúde e da vida.
Dir-se-á: “Jesus Cristo não era governante, era pessoa boa e amorosa, no entanto, padeceu horrivelmente”. Supondo-se real a existência desse personagem bíblico, o sofrimento no seu último dia de vida, narrado com devoto exagero, confirma a incidência da inflexível lei do karma. Consta dos evangelhos que Jesus, publicamente e em diferentes ocasiões, menosprezou a sua mãe e os seus irmãos, renegou seu pai biológico, violou a lei então vigente, agrediu mercadores, injuriou pessoas e autoridades judias, negou-se de modo arrogante a se defender perante a autoridade romana. Sofreu, então, as consequências das suas palavras, dos seus atos e das suas omissões, inclusive execução penal prevista na lei romana para os estrangeiros: crucifixão.   
No Brasil, há vários casos da incidência da lei do karma na esfera política. Servem de exemplo: [1] depois de atacar gratuitamente a família do seu concorrente em debate na campanha eleitoral, Fernando Collor viu a desgraça cair sobre si e sua família; [2] depois de difamar a sua concorrente em debate na campanha para o governo do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral viu a desgraça cair sobre si e sua esposa; [3] depois de trair e tramar a destituição da presidente da república, Michel Temer vê a desgraça cair sobre a sua própria cabeça. A divina justiça não tardou e nem falhou. 

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