sábado, 22 de julho de 2017

PRISÃO

Depois da vida, o bem mais precioso para os humanos é a liberdade. Pensar, sentir, expressar o pensamento e o sentimento, crer e vivenciar a crença, querer e manifestar a vontade, desejar e satisfazer o desejo, agir e interagir em sintonia com as suas ideias, os seus sentimentos, crenças, desejos e vontade, atualizar potencialidades físicas, intelectuais, morais e espirituais, tudo sem empecilhos, é o máximo de liberdade que os humanos aspiram usufruir. Entretanto, a experiência indica-lhes que a liberdade máxima gera o caos social e que alguma ordem é necessária. Por serem racionais e viverem em sociedade, os humanos traçam limites ao exercício da liberdade e conformam a ordem mediante leis válidas para governantes e governados, no modelo democrático de estado (liberdade maior, ninguém acima da lei), ou válidas somente para os súditos, no modelo autocrático (liberdade menor, alguém acima da lei).
Na civilização ocidental moderna, as leis estabelecem, em qualquer desses dois modelos políticos, pena de prisão a quem pratica os delitos nelas definidos. Em nome da defesa da sociedade, visando a paz e a preservação da vida, do bem-estar, do patrimônio, da integridade física e moral das pessoas naturais e jurídicas, os infratores da lei são colocados fora do convívio social. Segundo a gravidade do delito praticado, o infrator pode ser: [1] eliminado, onde há pena de morte; [2] afastado definitivamente, onde há pena de prisão perpétua; [3] afastado temporariamente, onde há limite de tempo para mantê-lo prisioneiro.
No Brasil, a pena de morte é aplicável só em caso de guerra declarada. O legislador constituinte vedou penas cruéis, perpétuas, de banimento e de trabalhos forçados. A política criminal instituída pelos legisladores constituinte e ordinário evita prisão por longo tempo. Essa política admitiu as seguintes penas: [1] privativas de liberdade: reclusão e detenção; [2] restritivas de direitos: prestação pecuniária ou de serviços à comunidade, perda de bens, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana; [3] multa. Na elasticidade benéfica da política criminal, o juiz pode substituir a pena de prisão por alguma alternativa ou aplicar só a pena de multa.
Ao processar e condenar o ex-presidente da república, o provinciano, previsível, parcial e vaidoso juiz curitibano abandonou a política criminal e enveredou para a política partidária. Exagerou ao dosar a pena privativa de liberdade no intuito de: [1] impedir a substituição por pena restritiva de direitos; [2] justificar o regime fechado para o cumprimento inicial da pena quando mais adequado era o semi-aberto. Com esse desiderato, somou penas de distintas imputações (corrupção + lavagem).
No bojo da sentença, o juiz inquisidor cogitou decretar a prisão preventiva do réu embora encerrada a instrução criminal (CPP 311). Exibiu tal intenção para, ao deixar de executá-la, mostrar-se generoso e impressionar a massa popular. Na verdade e espertamente, acautelou-se para não agravar ainda mais a sua conduta despótica.
Outrora, o juiz, na sentença condenatória, determinava a expedição de mandado de prisão repressiva (não preventiva). O réu não podia apelar da sentença antes de se recolher ao presídio. Com o advento da Constituição de 1988, o réu pode recorrer em liberdade e só será preso após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que demora alguns anos em decorrência dos trâmites legais dos múltiplos recursos (tribunal de justiça + superior tribunal de justiça + supremo tribunal federal) com eventual e provável extinção da punibilidade pela prescrição.
Na sessão de 05/09/2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento em harmonia com essa norma constitucional, o que beneficiou figurões da república (como Daniel Dantas). Na sessão de 17/02/2016, quiçá influenciado pela operação lava-jato, o STF mudou de entendimento, o que prejudicou figurões da república (como Luiz Inácio). O STF, que mostrou preferir a impureza moral da política partidária à pureza do direito (inclusive no episódio do impeachment), passou a entender (contra norma expressa da Constituição) que o réu pode ser preso antes do trânsito em julgado e, a tanto, basta confirmação da sentença condenatória em segundo grau de jurisdição. Destarte, o ex-presidente Luiz Inácio será preso se a sentença do juiz curitibano for confirmada pelo tribunal gaúcho. Aí, então, a participação do réu nas eleições de 2018 dependerá da data e do resultado do julgamento dos recursos. Já começaram: (i) corrida contra o tempo (ii) atuação dos lobbies (iii) pressão sobre o tribunal. 
A parcialidade e a arbitrariedade do juiz inquisidor curitibano estão evidenciadas dentro e fora do processo judicial. Ele condenou o réu com base em matéria jornalística e no depoimento de um delator sem estribo na prova documental e testemunhal. Ao juiz é defeso suprir insuficiência de prova mediante operação intelectual; quando o faz, passa de órgão julgador a órgão acusador. O inquisidor viu ligação inexistente entre negócios da Petrobras e um apartamento no Guarujá. Fê-lo para garantir a permanência do processo sob os seus cuidados, o que lhe possibilitou condenar um ex-presidente da república. Ao decidir recurso de embargos, o inquisidor negou essa perspectiva.
Na sanha de condenar, o inquisidor criou a figura da “propriedade de fato”. Na ordem jurídica brasileira, a propriedade imóvel se prova mediante escritura pública registrada no cartório competente. Proprietário é quem consta da escritura definitiva ali registrada. Conforme noticiado na imprensa, na rede de computadores e na própria sentença, o réu não consta da escritura e sequer teve a posse do imóvel. Desses mesmos elementos de informação constata-se que dinheiro algum foi dado ao réu pelo grupo empresarial para comprar aquele imóvel. O juiz saiu pela tangente: o apartamento não foi pago em dinheiro, disse ele; o preço foi abatido da conta de propinas do grupo empresarial. Como ironicamente diz o vulgo: “me engana, que eu gosto”.
O inquisidor curitibano, tratado como herói por alguns políticos, jornais, emissoras de televisão, colegas fascistas da justiça federal, é visto por outros (inclusive no âmbito da justiça estadual e da justiça nacional) como um juiz que conspurcou a toga. Juristas nacionais e estrangeiros desaprovam a conduta desse magistrado. Nenhum deles está contra o combate à corrupção, mas todos eles estão contra os procedimentos abusivos, antijurídicos e imorais utilizados por esse magistrado. Todos eles são contra justiça de exceção e a favor da justiça natural sob o império do direito.  

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