segunda-feira, 15 de agosto de 2016

CARTA A BARROSO

Post scriptum.
Caro Luis Roberto. 
Lembrei de complementar informação contida na carta a você dirigida e aqui publicada em 12/08/2016. Aproveito o ensejo para comentar opinião de uma senadora golpista lá dos pampas. O nome dela é Amélia, mas nada tem em comum com a Amélia do Ataulfo Alves.
Na mencionada carta, citei as propostas que apresentei à assembleia nacional constituinte em 1987 e que defendi no congresso da magistratura em Recife e na convenção do instituto de direito constitucional em Porto Alegre. Pois bem. Esclareço que todas as propostas foram acompanhadas das correspondentes justificativas. A proposta que tinha por objeto a democratização interna do Poder Judiciário enfatizava a justiça estadual porque o presidente, além de dirigir o tribunal, é também Chefe do Poder Judiciário Estadual e, por isto mesmo, devia ser eleito por todos os juízes estaduais, tendo em vista que eles exercem aquele poder e integram a respectiva estrutura. A ênfase na justiça estadual não afastava a aplicação da norma eleitoral à justiça federal comum. 
Em sessão do Senado, na fase de "pronúncia" do processo de impeachment, a mencionada senadora gaúcha serviu-se de um sofisma utilizado pelos golpistas. Sofisma é artifício lógico utilizado por quem foge da verdade. Na opinião dela, o que está previsto na Constituição não configura golpe (premissa maior oculta); “o impeachment está previsto na Constituição” (premissa menor declarada); logo, “o impeachment não é golpe” (conclusão explícita). No seu sofístico raciocínio, a senadora esqueceu-se de considerar o caráter instrumental do processo.
O gaúcho pode usar as esporas para fechar pastel, dançar fandango ou cavalgar. O gaúcho pode usar o facão para bater de chapa, cortar mato ou porfiar. O gaúcho pode usar a faca para fazer a ponta do espeto, cortar a carne do churrasco ou cravá-la no peito do desafeto. O covarde e traidor crava a faca nas costas de quem lhe mete medo, ou de quem lhe é superior na força e/ou no caráter.
O processo de impeachment pode ser utilizado com boas ou más intenções, urdido na superfície ou no subsolo, às claras ou na obscuridade, amparado na moral e no direito ou desamparado. O processo contra Collor exemplifica o bom uso político, ético e jurídico; o processo contra Rousseff exemplifica o mau uso. O questionamento não se limita ao aspecto formal do impeachment. Há que ingressar no aspecto material: indagar se os fatos descritos na denúncia tipificam ou não tipificam crime de responsabilidade; se há prova da autoria, da materialidade e da conduta dolosa, e assim por diante. Caso haja desvirtuamento, como acontece com o processo ora em andamento no Senado, caracterizado estará o golpe de estado.    
Por outro lado, essa fase de “pronúncia” introduzida no processo de impeachment por imitação do processo próprio do crime de homicídio é completamente desnecessária; pior do que isto, verdadeira palhaçada, servindo apenas para manter os senadores sob os holofotes por maior tempo. A denúncia passou pelo crivo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Ambas as casas, ainda que motivadas politicamente e sem amparo no direito, emitiram juízo de admissibilidade após larga instrução processual onde o direito de defesa foi exercido amplamente sem embaraço da produção de prova oral, documental e pericial. Não há sentido repetir tudo numa segunda fase intitulada “pronúncia”, equivalente a novo juízo de admissibilidade, seguida de uma terceira fase intitulada “julgamento” quando tudo será repetido pela terceira vez: razões da acusação, razões da defesa, produção de prova oral, documental e pericial, alegações finais dos acusadores e dos defensores, debate entre os julgadores (senadores), votação e proclamação do resultado.  
Acrescente-se a tais excessos e à qualificada palhaçada, o fato notório de que a Presidente da República já foi julgada antes da instauração do processo e independentemente dos seus trâmites, pela maioria dos senadores, alguns a favor e outros contra o impedimento, por motivos políticos partidários. Escancarada batalha entre facções nas quais não faltam corruptos. Nessa batalha, justiça não entra em campo. O interesse nacional e o direito em vigor ocupam plano secundário. Restaram poucos senadores indecisos que poderão obstar a consumação do golpe e assim evitar: (1) o constitucional recurso da Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal; (2) a entrega às empresas estrangeiras do que restou do patrimônio estratégico nacional: (3) a vergonhosa imagem do Brasil como republiqueta de corpo grande e alma pequena; (4) o vergonhoso conceito do Brasil como país que não é sério.
Após assumir o governo, os salteadores das riquezas nacionais passaram a agir rapidamente. Sem esperar a definição do impeachment, começaram a venda do pré-sal e a implantar o criticado modelo neoliberal em prejuízo da economia brasileira e dos benefícios sociais.  Larápios à solta.
Este P.S. ficou longo. Vou encerrá-lo. Aceite o meu fraternal abraço.
ASLima.

Nenhum comentário: