quarta-feira, 11 de maio de 2016

POLÍTICA E DIREITO

Como arte, a política consiste na prática do poder na sociedade, na elaboração de leis, no funcionamento do governo, na formação e administração do patrimônio público, nas relações entre governantes e governados, na distribuição de justiça. Essa arte tem como finalidade precípua realizar o bem-comum e propiciar felicidade à nação.   
Como ciência, a política consiste no estudo racional e sistemático do fenômeno do poder na sociedade, da gênese e do desenvolvimento do Estado e das formas de governo no curso da história.     
A mesma dicotomia há no conceito de direito. Como arte, o direito é arquitetura normativa, um conjunto de regras de caráter obrigatório que disciplinam a conduta das pessoas, a estrutura e o funcionamento da sociedade e do Estado.Como ciência, o direito consiste no estudo racional e sistemático do fenômeno jurídico na sociedade e no Estado.     
No Estado Democrático de Direito, arte política e arte jurídica são coexistentes e conexas. Esse tipo de Estado adotado no Brasil é uma ordem jurídica. A discricionariedade da política encontra limite na regra de direito. Juízes e tribunais controlam a juridicidade dos atos políticos. Assim, por exemplo, o legislador pode votar lei estabelecendo a pena de fuzilamento para os parlamentares corruptos ou integrantes de organizações criminosas. A elaboração dessa lei obedeceu às normas do processo legislativo. Todavia, embora formalmente correta, essa lei padece de vício material. Ainda que correspondesse à vontade popular, essa lei seria declarada inconstitucional pelo Judiciário, porque a Constituição em vigor só admite pena de morte em caso de guerra declarada. Outro exemplo: o legislador pode votar lei estabelecendo a redução da idade para imputação criminal. O conteúdo dessa lei é perfeitamente possível e compatível com a ordem jurídica em vigor. Todavia, se na elaboração dessa lei fossem desobedecidas normas do processo legislativo, ela seria anulada por padecer de vício formal. Em ambos os casos, por vício material ou por vício formal, os juízes e tribunais podem anular os atos dos parlamentares. Nessas hipóteses, a instância judiciária se sobrepõe à instância política. 
A mais adequada tradução do "due process of law" da experiência anglo-americana é "devido processo jurídico", ao invés de devido processo legal. O âmbito desse princípio alcança tanto o direito substancial como o direito adjetivo. A instância política está adstrita a esse princípio. Assim, o processo parlamentar (legislativo, penal, disciplinar) deve obedecer às regras de direito enunciadas na Constituição e nas leis da República. Embora o Congresso Nacional com as suas casas (Câmara e Senado) seja uma instância política, as suas decisões não podem ser contrárias ao direito. Admite-se apenas uma exceção no processo de impeachment: razões de natureza política, econômica, social, inclusive quanto aos efeitos na comunidade internacional, autorizam a não aplicação da pena à autoridade processada mesmo que haja prova suficiente para condenação.
Destarte, para que o processo parlamentar penal (impeachment) seja instaurado e siga seus trâmites legais é necessária justa causa. A peça acusatória deve expor fatos que tipifiquem crime de responsabilidade, indicar a autoria e o nexo causal. Se, prima facie, verifica-se a ausência de justa causa, quer porque os fatos não tipificam crime de responsabilidade, quer porque a autoridade acusada dele não participou, cabe ao Judiciário impedir os trâmites do processo parlamentar. Cuida-se do mecanismo de freios e contrapesos. O processo penal (parlamentar ou judicial) constitui constrangimento à pessoa processada. Se não houver justa causa, esse constrangimento é ilegal, lato sensu, e não deve prosperar, sob pena de violação dos direitos fundamentais da pessoa processada.
Aos juízes e tribunais compete resolver controvérsias no devido processo jurídico. No Estado Democrático de Direito, o juiz e o tribunal devem prestar a tutela jurisdicional quando invocada pela parte legítima. O juiz e o tribunal não devem remeter à instância política questões eminentemente jurídicas como, por exemplo, decidir se uma conduta é criminosa ou não, se tais fatos, no caso concreto, tipificam ou não, crime comum ou crime de responsabilidade. Na vida de uma nação democrática, cabe ao juiz e ao tribunal dizer o direito em derradeira instância.

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