sábado, 21 de maio de 2016

CRISES PERIÓDICAS II

A atual crise brasileira inclui o compulsório afastamento da Presidente da República. Milhares de brasileiros, por diferentes meios, qualificaram esse afastamento de golpe. Alguns deputados interpelaram judicialmente a Presidente por também ela emitir essa mesma opinião. O curioso é que, nos pronunciamentos públicos, a opinião da Presidente está explicada. Diante disto, evidencia-se a real intenção dos deputados: forjar ações judiciais contra a Presidente mediante interpretação falaciosa das respostas que ela der às capciosas perguntas formuladas na interpelação. Qualificar de golpe um movimento político não é tarefa exclusiva do historiador e do cientista, mas, também, direito do cidadão de uma república democrática de expressar o seu pensamento, ainda mais quando amparado em fatos públicos e notórios.
O fato de a pessoa interpelada não estar obrigada a responder – até porque a interpelação não instaura relação processual alguma – não significa que todo pedido de interpelação tenha de ser deferido. A chancela do magistrado, por imprimir força de oficialidade à interpelação, não deve ser automática. Para não chancelar expedientes escusos, o juiz deve examinar se as formalidades legais foram observadas e se o conteúdo é compatível com a moral, o direito e o decoro. Essa operação exige do magistrado, no mínimo, perspicácia superior ao nível da anta. Malicioso pedido de interpelação merece indeferimento de plano por ofender a dignidade da Justiça. A interpelação acima citada é um motivo a mais para a Presidente, em defesa do seu mandato e no devido processo jurídico, pedir ao Supremo Tribunal que declare se os fatos pelos quais foi denunciada tipificam, ou não, crime de responsabilidade.   
Fritjof Capra, austríaco radicado nos EUA (Califórnia), físico teórico (relatividade, mecânica quântica), expositor da teoria dos sistemas, professor, ecologista, escritor, aborda a dinâmica universal no seu livro “O Ponto de Mutação” (tradução de Álvaro Cabral, SP, Cultrix). Ele se refere a um paradigma holístico que abrange fenômenos naturais e sociais. No primeiro capítulo do livro, ele menciona a crise mundial (intelectual, moral e espiritual) ocorrida nas duas décadas do século XX (1960-1980), sem precedentes na história da humanidade, que afetou todos os aspectos da nossa vida: a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, econômicas e políticas. Pela primeira vez, diz ele, temos de nos defrontar com a real ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta.
A Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC) abordou os aspectos econômicos, sociais e políticos da crise da humanidade nos manifestos intitulados “Positio Fraternitatis Rosae Crucis”, “Appellatio Fraternitatis Rosae Crucis” e “As Novas Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreutz”, publicados em 2001, 2014 e 2016, respectivamente. Segundo a mensagem contida nesses manifestos, a causa principal da crise é o materialismo predominante no mundo. A solução passa pela regeneração espiritual da humanidade. A presente fase da vida dos humanos é comparada à adolescência na busca da própria identidade, suas dificuldades, seus fracassos, seus êxitos, sonhos e esperanças. Os rosacruzes acreditam que, ao se regenerar espiritualmente, a humanidade atingirá a idade adulta, amorosa, solidária, fraterna, próspera, respeitará a natureza e cultivará um meio ambiente sadio, alcançando finalmente a paz mundial. Na ciência e na técnica, o viés mercantil será superado pelo humanismo. A religiosidade dará lugar a uma espiritualidade fundada no conhecimento e não na crença. A humanidade se harmonizará com as leis divinas (naturais e espirituais) ao invés de venerar o Pai Celestial (deus dos cristãos), Jeová (deus dos evangélicos), Javé (deus dos judeus), Alá (deus dos maometanos), Brahma (deus dos hindus) e outras divindades como Ogum e Iemanjá. A humanidade viverá efetivamente o amor universal.
A leitura dos citados livro e manifestos provoca algumas reflexões. Decorridos 34 anos desde a primeira publicação do livro em 1982, a ameaça de extinção da vida no planeta ainda permanece. Novas descobertas científicas e técnicas, novos medicamentos, aparelhos e tipos de tratamento, contribuíram para maior duração da vida humana. Apesar disto, ainda morrem milhões de pessoas vítimas do câncer, da aids, das epidemias, da fome, da subnutrição, das guerras, das rebeliões, do terrorismo e dos efeitos negativos da farmacologia e da tecnologia. A economia mundial sofre solavancos como os de 1929/30 e 2007/08. A União Européia estremeceu afetada pela crise econômica, pela imigração, pela xenofobia e pelo retorno do nacionalismo exacerbado (fascismo + nazismo).
O nosso planeta ainda é um “vale de lágrimas” como diz a oração da Igreja Católica. O que há de bom e de ruim no caráter humano determina a tábua de valores vigente em cada época. A ascensão e a queda das nações resultam dos ciclos culturais em consonância com a flutuação dos valores. Esse movimento inclui periódicas crises no curso da história.
Regenerar supõe a existência de pessoa ou coisa impura, decaída, arruinada, que necessita de purificação, reabilitação, substituição. Os seres vivos têm força regenerativa própria. O organismo humano renova suas células e seus tecidos e cura seus ferimentos através desse natural poder regenerativo. Assim, também, um espiritual poder regenerativo expresso por valores morais e espirituais, por bons pensamentos, bons sentimentos e boa conduta, substituirá na humanidade: (i) o materialismo em que está mergulhada; (ii) os vícios; (iii) a beligerância; (iv) o egoísmo; (v) os pensamentos, sentimentos e procedimentos maldosos. O contínuo esforço pela supremacia da dimensão angelical em relação à dimensão demoníaca da natureza humana resultará em mudança genética: os humanos nascerão desprovidos dos genes da maldade. Na idade adulta da humanidade não haverá mais fome, subnutrição, miséria, conflitos armados. A indústria, lato sensu, não prejudicará a saúde e o meio ambiente; não haverá mais escassez de bens para uns e abundância para outros. Leis penais serão desnecessárias, pois não mais haverá homicídios, roubos, corrupção e outros crimes.
Sob outro ângulo, a idéia de regeneração dá azo à obsessão pela pureza, quer a racial (nazismo), quer a doutrinal (fanatismo religioso e ideológico), quer a teórica (ciência isenta de valores éticos, ambientais e espirituais). Tal obsessão também pode gerar a perseguição, tortura e morte de pessoas devotadas a crenças e práticas consideradas impuras (como aconteceu com mulheres qualificadas de bruxas). Rituais religiosos destinados à purificação do corpo e da alma são realizados em rios, terreiros e templos (às vezes, com sacrifícios de animais).
A crise mundial é uma fase do movimento cósmico de reprodução, expansão e contração. A astrofísica admite a existência de vários universos em constante reprodução. Os novos universos seguem a lei da evolução cósmica. Cada universo se expande até a máxima impulsão centrífuga após o que se contrai até a sua máxima força centrípeta quando, então, explode e dá origem a um novo universo. Esse movimento cósmico é visto como a “grande respiração do deus Brahma”, na tradição do misticismo hindu. (Semelhança com movimentos internos do corpo humano: inspirar/expirar; sístole/diástole). A fé religiosa atribui a deus a criação do primeiro universo. A fé científica defende a hipótese da geração espontânea. O excesso da fé religiosa pelo abandono da razão conduz à fantasia e à insensatez. Serve de exemplo a crença segundo a qual a mulher Maria é a “mãe de deus”, como se fosse possível a criatura gerar o seu criador. O excesso da razão pelo abandono da fé religiosa conduz ao materialismo e à insensibilidade ética. Exemplo disto é a doutrina ateísta que nega a existência de deus e a dimensão espiritual do mundo.
Como embarcações no oceano, os universos navegam na alma cósmica cuja memória contém a história da gênese e evolução de todos. Essa memória guarda as ações e os pensamentos dos seres inteligentes que viveram e vivem nesses universos. O conteúdo desses registros cósmicos seria de grande valia para a humanidade, porém a maioria dos seres humanos desconhece a senha de acesso a esse banco de dados. A inconsciência da magnitude do universo e das suas conexões internas também é fator das crises que acompanham a humanidade. Ao quimérico tempo do bom selvagem, do status naturalis inicial e inocente de um tipo de vida próximo ao dos animais irracionais, as crises provavelmente eram menos freqüentes. Todavia, ao atingir o estágio de civilização, os humanos se defrontam com problemas mais complexos e crises mais freqüentes.

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