sábado, 25 de janeiro de 2014

FILOSOFIA VII - J



Grécia (final).

No rastro da guerra do Peloponeso vieram duas correntes filosóficas: a cirenaica, inaugurada por Aristipo e a cínica, por Antístenes. Ambas pregam a individual busca da felicidade como sendo a meta do homem; expressam o desencanto daquele momento em que Atenas sucumbe diante do poderio de Esparta. Cirenaicos e cínicos eram céticos quanto à verdade absoluta e acreditavam na felicidade pessoal como o bem mais alto (individualismo). As duas correntes divergiam quanto ao modo de empreender a busca da felicidade. {Na declaração de independência dos Estados Unidos da América do Norte (04.07.1776) a busca da felicidade inscreve-se entre os direitos inalienáveis do homem, ao lado dos direitos à vida e à liberdade. Ao outorgar a constituição política do Brasil (25.03.1824) o imperador Pedro afirma que o faz visando à felicidade dos brasileiros}.
O nome da escola cirenaica derivou da cidade de Cirene, colônia grega na África, torrão natal de Aristipo. Os cirenaicos eram hedonistas. Para eles, a felicidade consiste em uma vida de prazeres. O homem sábio desfruta os prazeres com inteligência, controla os seus apetites e tem como seus maiores objetivos a paz e a serenidade da alma. A boa utilização das coisas conduz à felicidade. Referindo-se a Laís, bela cortesã, Aristipo dizia: “Eu a tenho, mas ela não tem a mim”. O filósofo queria ilustrar o seu ponto de vista: Laís era prisioneira da paixão, enquanto ele era livre e feliz. Além da finalidade didática, percebe-se naquela frase certa fanfarronice. Talvez, a mulher fosse bela apenas aos olhos do filósofo. Talvez, Aristipo fosse rico e bonito o suficiente para ter em seus braços a bela e apaixonada mulher. Talvez, ele fosse feio, mas rico o suficiente para ter em sua companhia mulher tão bela quanto esperta por parecer submissa. Talvez, ele não tenha levado em conta a natural sagacidade das mulheres. Ele e os seus discípulos assim pensavam: a liberdade é o caminho da felicidade; tudo reside na impressão imediata, suave, diferente do movimento brusco que é a dor; a pátria é qualquer lugar onde eu me sinta bem (cosmopolitismo); tal como eu em relação aos meus escravos, o que os governados querem é servir-se dos governantes.
No idioma grego, o significado de cínico é canino. O apelido foi dado a Diógenes por viver de maneira simples, despojada, tal como os cães pelas ruas da cidade. Daí o nome da escola e dos seus adeptos: cínica e cínicos. Há quem atribua o nome da escola à atitude dos seus membros em relação à doutrina: vigilantes como cães; ou, ao nome do lugar onde se reuniam: cão ágil. Os cínicos desprezavam o conforto, o luxo e a cidadania. Bastava a virtude como supremo bem. Segundo eles, chega-se à virtude exercitando-se na ascese. Amigos e fama são coisas supérfluas. Mais importante é viver de modo virtuoso e independente da sociedade. Merecem desprezo: as instituições políticas e sociais, as redes de interesses, as hierarquias, as convenções e restrições contrárias à natureza. O homem é cidadão do mundo e não de uma cidade. A pátria é qualquer lugar onde o homem sinta-se bem. Segundo a crônica (ou lenda) a casa (ou vestimenta) de Diógenes era um tonel. Na via pública, Alexandre da Macedônia pergunta a Diógenes se precisava de alguma coisa. O filósofo responde: Sim, que você não me tire o que não me pode dar. Só então Alexandre percebeu que se colocara entre os raios do sol e o tonel deixando o filósofo na sombra. O discípulo de Diógenes de nome Crates também renunciou a todos os seus bens para deles não ser mais escravo: “não tenho uma cidade, mas o mundo inteiro para viver”. Perambulando com cajado e alforje, passa a viver da caridade alheia e a pregar o seu evangelho: “venerar a liberdade como deusa suprema”.  
Na cultura helenística formada após a morte de Alexandre, o ceticismo volta a prevalecer no pensamento filosófico. No que tange aos gregos, a conquista de Alexandre produziu efeito revolucionário de natureza (1) religiosa: a população toma contato com as crenças orientais; (2) política: substituição do municipalismo (estado paroquial) por um caráter imperial e cosmopolita da nova sociedade; (3) filosófica: misticismo na produção filosófica decorrente do descrédito nos avanços intelectuais da cultura grega fundados na razão e na experiência. Em Atenas, surgem duas correntes filosóficas vigorosas: o epicurismo e o estoicismo, sendo seus autores: Epicuro, grego nascido em Samos e Zenon, fenício nascido na ilha de Chipre.
Os epicuristas acreditavam que os componentes básicos da matéria eram os átomos; que a diferença entre as coisas resulta da diferente combinação dessas minúsculas partículas. Todavia, negavam que o movimento dessas partículas fosse causa de todas as coisas do universo porque, então, o homem – que é constituído de átomos – seria um autômato, o fatalismo seria a lei do universo e não haveria liberdade. Epicuro ensinava que o prazer (do corpo e da mente) era o bem maior a ser desfrutado pelo homem; prazer do repouso, estável, gerado pela satisfação das necessidades naturais e pela supressão da dor. A depravação deve ser evitada {freio moral}. Convém a satisfação moderada dos apetites. O prazer intelectual é mais refinado do que o prazer físico. O prazer maior consiste na serenidade da alma e na ausência da dor física ou moral. O homem deve se esforçar para eliminar o medo do sobrenatural, fonte da inquietude do espírito. A alma é material e não sobrevive ao corpo. Enquanto estamos vivos, a morte não existe. Quando a morte se apresenta, já não mais existimos. O universo age por si mesmo; não há providência, nem destino. Os deuses não se imiscuem nos assuntos humanos, não punem nem recompensam nesta vida ou em qualquer outra. Não há motivo para temor. A tranqüilidade de espírito é o bem supremo. O homem deve se manter vigilante para afastar as causas que possam lhe roubar a tranqüilidade {orai e vigiai, recomendava o profeta Jesus, trezentos anos depois}. Nota-se o caráter utilitário da doutrina ética e política de Epicuro a seguir sintetizada: (1) a virtude não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio de o homem ser feliz; (2) justiça absoluta não existe; (3) as instituições e as leis são justas enquanto contribuem para a felicidade do indivíduo e os homens obedecem-nas por lhes ser vantajoso; (4) o estado surgiu em decorrência do interesse individual; (5) o homem sábio evita a função pública; (6) os males do mundo não podem ser extirpados pelo indivíduo – ainda que sábio – e o melhor que ele faz é cultivar o seu jardim, estudar filosofia e conviver com os amigos da mesma têmpera.
Atribui-se aos estóicos a concepção da filosofia como torre de marfim. O título estóico provém de Stoá Poikilé, que significa pórtico coberto e colorido sob o qual funcionava a escola de Zenon. Os estóicos também consideravam a tranqüilidade de espírito o bem supremo, mas não aceitavam o caminho da fuga. No que tange ao conhecimento e às operações da inteligência, eles acreditam nas idéias inatas que legitimam a dedução. Segundo essa escola, o homem devia disciplinar a si próprio a fim de conquistar o bem maior e ser tolerante e generoso no trato com o próximo. Os homens são irmãos sob a paternidade divina. {Séculos mais tarde, o profeta Jesus diria o mesmo, referindo-se ao Pai Celestial}. Os homens devem participar dos negócios do estado. Sob qualquer governo, o homem deve manter a sua consciência livre e independente {este foi um dos postulados da revolução francesa no século XVIII}. Assim como deus é universal, o estado também deve ser universal e governado por sábios. Ao valor paroquial da cidade, Zenon opõe o valor universal da cosmópolis. Na opinião de Plutarco, esse cosmopolitismo de Zenon tornou-se realidade sob o império de Alexandre. Ainda que o corpo seja escravo, o espírito há de permanecer livre. A violência na mudança social é pior do que o mal a que tinha em mira curar. A escravidão e a guerra devem ser evitadas. O cosmos é um todo ordenado e as contradições são resolvidas em razão de um bem supremo. {A palavra cosmos significa ordem, aqui empregada com o significado de mundo}. O mal é relativo e os infortúnios são necessários à perfeição final do universo. Tudo que acontece tem um fim racional {princípio da finalidade ou teleológico}. O homem é o elo de uma corrente, por isto mesmo, não é senhor do seu destino. A liberdade consiste em aceitar ou rejeitar esse destino, sem possibilidade de vencê-lo. O homem deve se submeter ao cosmos. Resignado, deve se ajustar ao fim cósmico auxiliado por sua natureza racional e assim livrar a alma do amargor e dos queixumes.
Pirro, natural de Elida, expôs filosofia cética radical cuja popularidade cresceu por intermédio de Carnéades (214 a 129 a.C.). Para estes filósofos, a fonte do conhecimento é sensorial. Nada pode ser provado. Somos enganados por nossos sentidos. Todo conhecimento é incerto, limitado e relativo. As aparências enganam e não sabemos como as coisas são na realidade. Ignoramos o sobrenatural, o significado da vida, o certo e o errado. Destarte, melhor é suspender o julgamento. Para alcançar a tranqüilidade de espírito devemos abandonar as questões sobre a verdade absoluta, o bem, o mal e o mundo que não se pode entender nem modificar. Os pirrônicos fizeram da dúvida a questão central da filosofia.
No século que antecedeu a era cristã e no subseqüente surge a filosofia de Filo de Alexandria e a dos neopitagóricos. Esses pensadores imaginavam um deus transcendente e inalcançável. Eles afirmavam a dualidade do universo: espírito e matéria {Descartes afirmaria o mesmo no século XVII}. O mal reside no mundo físico. O corpo do homem é a prisão da alma e para libertá-la há que mortificá-lo. A verdade não vem da razão nem da ciência e sim da revelação. As deduções racionais são frágeis e desprezíveis. A união mística com deus é o propósito da vida humana. A filosofia mística serviu de base ao neoplatonismo que vigorou no império romano e no começo da idade média. A teologia cristã foi penetrada por essa filosofia. A doutrina elaborada por Filo foi uma das fontes do dogma da santíssima trindade. Esse filósofo afirmou a existência de um ser entre deus e o homem: Logos, filho de deus, sabedoria divina. A idéia não era nova, mas Filo desenvolveu-a como doutrina teológica.
O ateísmo também vicejou na civilização helenística. Teodoro e Euêmero foram os expoentes dessa escola. Este último filósofo ensinava que todos os deuses são homens notáveis do passado, essencialmente dominadores, conquistadores, heróis, ou de qualquer outro tipo marcante. O ocultismo também atraiu grande número de adeptos. A deusa-mãe (Isis, Artemis) passou a ser adorada numa extensão universal. O clero católico reagiu. No Concílio de Éfeso (431) criou o dogma da maternidade divina: a mãe de Jesus passou a ser a mãe de deus. Maria ocupou o lugar de Isis ou Artemis. A astrologia dos caldeus entrou em voga e empanou a ciência e a razão nos dois séculos precedentes da era cristã {ainda sobrevive na era contemporânea}. Mitraísmo e gnosticismo influíram muito na cultura daquela época devido ao seu fundo ético, desprezo pelo mundo terreno e doutrina da salvação por um redentor, que sintonizavam com a esperança da população por uma vida melhor no mundo espiritual.    

Nenhum comentário: