Grécia (continuação).
Platão, de família nobre, cujo
nome verdadeiro era Aristocles, discípulo de Sócrates, deixou várias obras
escritas (diálogos): Apologia,
Protágoras, Fedro, Timon, República, Leis. Depois da morte do seu mestre,
fundou a sua própria escola: Academia,
nome inspirado em Academos, herói
lendário e denominação de um jardim onde Platão e os discípulos se reuniam. O
pensamento de Platão pode ser assim sintetizado: (1) a essência do universo é
espiritual; (2) o governo do universo é inteligente; (3) o bem é a idéia mais elevada, fonte e propósito final do universo;
(4) a alma é imortal, preexiste a tudo e plasma o cosmos; (5) o mundo
espiritual, acessível apenas à mente, compõe-se de formas eternas (idéias); (6)
as idéias não são abstrações e sim entes espirituais; cada uma delas é o
arquétipo de certa realidade terrena (rochas, plantas, animais, tamanho, cor,
proporção, beleza); (7) tudo que o humano percebe através dos sentidos é cópia
imperfeita das idéias; o sensível é reflexo do inteligível; o homem está no
mundo como se estivesse numa caverna, com o rosto voltado para os fundos, onde
suas sombras são projetadas pela luz do sol inteligível proveniente de fora, às
suas costas; o homem acredita enganadamente que aquelas sombras são reais; (8)
a mudança e o relativismo são próprios do mundo material; (9) a lei escrita,
por ser o legislador incapaz de determinar o que é melhor e justo para todos,
está abaixo da liberdade da alma; a diversidade (homens e ações) e o movimento constante
das coisas humanas não permitem um absoluto
válido para todos os casos e todas as épocas; a lei escrita não pode impedir o
livre exame das coisas novas {criterioso exame das mudanças que se operam na
cidade e novo enquadramento legal se necessário}; (10) todos têm o direito de
ser mais sábios do que a lei; não se deve preferir a lei escrita à sabedoria,
arrastar ao tribunal e sentenciar à morte o sábio com base em um texto legal
editado sem critério, como fizeram com Sócrates.
Assim como o seu mestre, Platão
também defendia a tese de que o conhecimento era base da virtude. O
conhecimento derivado dos sentidos é limitado e variável. A virtude consiste na
apreensão racional das idéias eternas de bondade
e justiça. O corpo é um óbice à
mente. Os apetites e as emoções devem subordinar-se à razão. O intelecto livre
a nada se subordina. O humano deve harmonizar em si próprio os três níveis:
instintivo, moral e intelectual. A cidade (estado) há de fazer o mesmo. Segundo
o pensamento utópico de Platão, na cidade (polis)
importam mais a harmonia e a eficiência do que a liberdade e a democracia.
Todas as formas de governo (monarquia, aristocracia, democracia) são
defeituosas, agasalham o bem e o mal, o justo e o injusto. A mistura do que há
de bom na monarquia com o que há de bom na democracia resulta em mais adequada
forma de governo: cada cidadão é contemplado na proporção do seu valor, dos
seus méritos, da sua estatura moral (igualdade
geométrica, aristocrática) ao invés do nivelamento geral (igualdade aritmética, democrática).
Na medida do possível, as leis
devem imitar a constituição perfeita
(ideal). O império da lei há de afastar o direito do mais forte; nem toda
decisão do governante merece o título sagrado de lei. À classe inferior (bronze), que corresponde à alma apetitiva,
composta de lavradores, artesãos e comerciantes, cabe a tarefa de produzir e
distribuir os bens de consumo. À classe média (prata), que corresponde à alma
volitiva, composta de guerreiros, cabe a tarefa de defender a comunidade. À classe
superior (ouro), que corresponde à alma racional, composta de cultores do
intelecto, cabe a tarefa de governar a comunidade. Neste contexto político e
social, justiça consiste em cada um
se manter no seu lugar enquanto não reunir condições legítimas para mudar. A injustiça consiste em invadir lugar
alheio, em não permanecer no seu devido lugar, em violar a hierarquia e a
especialização. O critério dessa divisão social de tarefas não é a riqueza, nem
o berço, e sim o proveito que cada pessoa possa auferir da educação posta ao
seu alcance. Educar é direcionar o terceiro
olho do aprendiz de modo que ele possa reagir bem aos dados da experiência.
{No misticismo oriental o terceiro olho
ocupa lugar de destaque como canal de impressões extra-sensoriais e veículo de
conhecimento intuitivo; na filosofia ocidental moderna, Descartes atribuía essa
função à glândula pineal}.
A música e a ginástica integram o
processo de ensino e aprendizagem. Deve-se apreciar o belo e o bom sem perder a
coragem e acautelando-se contra a força corruptora da forma e da imagem. Os
mais bem dotados formam a elite intelectual governante. Os candidatos a essa
classe deviam ter mais de 20 anos de idade, seriam escolhidos entre os membros
da classe inferior e durante dez anos estudariam matemática, astronomia e
harmonia. Dos 30 aos 35 anos, os selecionados dedicar-se-iam ao estudo da
dialética, disciplina que conduz à idéia de bem,
eleva a mente às alturas e traz discernimento ao futuro governante. Aos 50
anos de idade, encerrado com sucesso o estágio prático de 15 anos, o dialético
conclui o seu preparo e ingressa na classe superior dos estadistas. Capacitados
a contemplar a essência do bem, eles
guiarão a cidade e as pessoas {difícil conciliação entre as exigências da vida
contemplativa e as exigências da vida civil, do que se lamentava Marco Aurélio,
o estóico imperador romano}.
Nessa utópica república de
Platão, as mulheres podem exercer todas as funções. Família e propriedade
particular só na classe inferior, encarregada de abastecer a superior. Na
classe superior, homens e mulheres se equiparam, submetem-se ao mesmo preparo
físico e intelectual, relacionam-se sem constituir família e sem propriedade
particular de bens (a preocupação com família e propriedade desviá-los-ia dos
elevados assuntos do estado); os filhos são de todos e constituem uma só
irmandade; refeições coletivas {Platão segue o pensamento de Pitágoras: tudo é comum entre amigos: mulheres, filhos
e bens}. Os filhos defeituosos devem ser eliminados {eugenia}. Perturbações
e disputas egoístas devem ser evitadas em benefício da paz na república.
Somente com as luzes da verdadeira filosofia é possível reconhecer o que é
justo na vida (pública e privada). Os humanos não se livrarão do mal antes que
a raça dos puros e autênticos filósofos suba ao poder ou que os mandatários das
cidades (estados), por uma graça divina, se ponham a filosofar em termos
verdadeiros.
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