quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

FILOSOFIA VII - H



Grécia (continuação).

Platão, de família nobre, cujo nome verdadeiro era Aristocles, discípulo de Sócrates, deixou várias obras escritas (diálogos): Apologia, Protágoras, Fedro, Timon, República, Leis. Depois da morte do seu mestre, fundou a sua própria escola: Academia, nome inspirado em Academos, herói lendário e denominação de um jardim onde Platão e os discípulos se reuniam. O pensamento de Platão pode ser assim sintetizado: (1) a essência do universo é espiritual; (2) o governo do universo é inteligente; (3) o bem é a idéia mais elevada, fonte e propósito final do universo; (4) a alma é imortal, preexiste a tudo e plasma o cosmos; (5) o mundo espiritual, acessível apenas à mente, compõe-se de formas eternas (idéias); (6) as idéias não são abstrações e sim entes espirituais; cada uma delas é o arquétipo de certa realidade terrena (rochas, plantas, animais, tamanho, cor, proporção, beleza); (7) tudo que o humano percebe através dos sentidos é cópia imperfeita das idéias; o sensível é reflexo do inteligível; o homem está no mundo como se estivesse numa caverna, com o rosto voltado para os fundos, onde suas sombras são projetadas pela luz do sol inteligível proveniente de fora, às suas costas; o homem acredita enganadamente que aquelas sombras são reais; (8) a mudança e o relativismo são próprios do mundo material; (9) a lei escrita, por ser o legislador incapaz de determinar o que é melhor e justo para todos, está abaixo da liberdade da alma; a diversidade (homens e ações) e o movimento constante das coisas humanas não permitem um absoluto válido para todos os casos e todas as épocas; a lei escrita não pode impedir o livre exame das coisas novas {criterioso exame das mudanças que se operam na cidade e novo enquadramento legal se necessário}; (10) todos têm o direito de ser mais sábios do que a lei; não se deve preferir a lei escrita à sabedoria, arrastar ao tribunal e sentenciar à morte o sábio com base em um texto legal editado sem critério, como fizeram com Sócrates.
Assim como o seu mestre, Platão também defendia a tese de que o conhecimento era base da virtude. O conhecimento derivado dos sentidos é limitado e variável. A virtude consiste na apreensão racional das idéias eternas de bondade e justiça. O corpo é um óbice à mente. Os apetites e as emoções devem subordinar-se à razão. O intelecto livre a nada se subordina. O humano deve harmonizar em si próprio os três níveis: instintivo, moral e intelectual. A cidade (estado) há de fazer o mesmo. Segundo o pensamento utópico de Platão, na cidade (polis) importam mais a harmonia e a eficiência do que a liberdade e a democracia. Todas as formas de governo (monarquia, aristocracia, democracia) são defeituosas, agasalham o bem e o mal, o justo e o injusto. A mistura do que há de bom na monarquia com o que há de bom na democracia resulta em mais adequada forma de governo: cada cidadão é contemplado na proporção do seu valor, dos seus méritos, da sua estatura moral (igualdade geométrica, aristocrática) ao invés do nivelamento geral (igualdade aritmética, democrática).
Na medida do possível, as leis devem imitar a constituição perfeita (ideal). O império da lei há de afastar o direito do mais forte; nem toda decisão do governante merece o título sagrado de lei. À classe inferior (bronze), que corresponde à alma apetitiva, composta de lavradores, artesãos e comerciantes, cabe a tarefa de produzir e distribuir os bens de consumo. À classe média (prata), que corresponde à alma volitiva, composta de guerreiros, cabe a tarefa de defender a comunidade. À classe superior (ouro), que corresponde à alma racional, composta de cultores do intelecto, cabe a tarefa de governar a comunidade. Neste contexto político e social, justiça consiste em cada um se manter no seu lugar enquanto não reunir condições legítimas para mudar. A injustiça consiste em invadir lugar alheio, em não permanecer no seu devido lugar, em violar a hierarquia e a especialização. O critério dessa divisão social de tarefas não é a riqueza, nem o berço, e sim o proveito que cada pessoa possa auferir da educação posta ao seu alcance. Educar é direcionar o terceiro olho do aprendiz de modo que ele possa reagir bem aos dados da experiência. {No misticismo oriental o terceiro olho ocupa lugar de destaque como canal de impressões extra-sensoriais e veículo de conhecimento intuitivo; na filosofia ocidental moderna, Descartes atribuía essa função à glândula pineal}.
A música e a ginástica integram o processo de ensino e aprendizagem. Deve-se apreciar o belo e o bom sem perder a coragem e acautelando-se contra a força corruptora da forma e da imagem. Os mais bem dotados formam a elite intelectual governante. Os candidatos a essa classe deviam ter mais de 20 anos de idade, seriam escolhidos entre os membros da classe inferior e durante dez anos estudariam matemática, astronomia e harmonia. Dos 30 aos 35 anos, os selecionados dedicar-se-iam ao estudo da dialética, disciplina que conduz à idéia de bem, eleva a mente às alturas e traz discernimento ao futuro governante. Aos 50 anos de idade, encerrado com sucesso o estágio prático de 15 anos, o dialético conclui o seu preparo e ingressa na classe superior dos estadistas. Capacitados a contemplar a essência do bem, eles guiarão a cidade e as pessoas {difícil conciliação entre as exigências da vida contemplativa e as exigências da vida civil, do que se lamentava Marco Aurélio, o estóico imperador romano}.
Nessa utópica república de Platão, as mulheres podem exercer todas as funções. Família e propriedade particular só na classe inferior, encarregada de abastecer a superior. Na classe superior, homens e mulheres se equiparam, submetem-se ao mesmo preparo físico e intelectual, relacionam-se sem constituir família e sem propriedade particular de bens (a preocupação com família e propriedade desviá-los-ia dos elevados assuntos do estado); os filhos são de todos e constituem uma só irmandade; refeições coletivas {Platão segue o pensamento de Pitágoras: tudo é comum entre amigos: mulheres, filhos e bens}. Os filhos defeituosos devem ser eliminados {eugenia}. Perturbações e disputas egoístas devem ser evitadas em benefício da paz na república. Somente com as luzes da verdadeira filosofia é possível reconhecer o que é justo na vida (pública e privada). Os humanos não se livrarão do mal antes que a raça dos puros e autênticos filósofos suba ao poder ou que os mandatários das cidades (estados), por uma graça divina, se ponham a filosofar em termos verdadeiros.

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