Grécia (continuação).
Heráclito elegeu o fogo matéria primordial; fogo imaterial
que se desdobra em sensível e inteligível; que provoca trocas recíprocas, tal como se troca ouro por mercadorias e
mercadorias por ouro. A sua teoria era oposta à de Parmênides: a continuidade é ilusória; só a mudança é
real. O universo está em fluxo constante. Esta é a lei natural. Do ajuste
de tendências opostas, da harmonia dos contrários, resulta o mundo real. A luta
mantém vivo o mundo; a guerra é a origem de tudo: vida e morte, criação e
destruição, verso e reverso da mesma representação. O percurso é o mesmo ao
subir e ao descer; destruindo o caminho para cima, destruiremos o caminho para
baixo. Impossível banhar-se duas vezes nas mesmas águas de um mesmo rio. Somos
e não somos {o nosso ser é um perpétuo
devir – dizia Platão}. Esse devir
universal é governado por logos (o
tal fogo inteligível). Captar o
princípio subjacente das coisas é a fórmula da sabedoria. {No século XIX da era
cristã, os ensinamentos de Heráclito alicerçaram a dialética de Hegel, Marx e
Proudhon}.
Leucipo elabora a teoria atômica:
a matéria é constituída de partículas
rígidas, sólidas e indivisíveis sempre em movimento no espaço vazio (500 a 401 a.C.). Demócrito
desenvolve esta teoria que resultou de uma síntese do pensamento de Parmênides
(partículas elementares imutáveis) e
de Heráclito (movimento incessante).
Os componentes finais da matéria são átomos infinitos em número,
indestrutíveis, diferentes no tamanho e forma, semelhantes na composição
química. {Tomo significa divisão ou
parte de um todo. Atomo significa um
todo indivisível. Segundo a física nuclear hodierna, o átomo não é o componente
final da matéria e se divide em duas partes: o núcleo e o elétron. Por sua vez,
o núcleo divide-se em prótons e nêutrons. Ao ser fisicamente dividido, o átomo
libera energia. Apesar disto, o nome foi mantido: átomo.}. Na teoria de Demócrito, os átomos juntam-se e separaram-se
em diferentes arranjos, de acordo com o movimento que lhes é próprio. Tudo no
universo resulta daí. O número de átomos e os seus arranjos respondem pela
diferença entre as coisas. Demócrito negava a imortalidade da alma e a
existência de um mundo espiritual. Defendia uma ética racional: “o bem significa não só não fazer o mal, mas
antes, não desejar fazer o mal”.
Nesse mesmo século V, os sofistas
abrem uma nova linha de pensamento. A palavra sofista significa aquele que é
sábio. As características desse pensamento são: relativismo, ceticismo e
individualismo. A ascensão da camada média da população ateniense, o foco no
indivíduo e a necessidade de solucionar problemas práticos respondem por esse
novo rumo. O ser humano agora é o centro das cogitações. Os sofistas eram professores
itinerantes hábeis na arte de falar e raciocinar (retórica e dialética) e
acreditavam que esta arte habilitava o povo governar a si próprio. Lecionavam também
por dinheiro para uma juventude novidadeira, rica, ávida por um saber prático e
de fácil acesso. Eles advogavam justiça mais humana e racional, combatiam o
preconceito e a crença vigente. Para os sofistas, a fonte da lei não são os
costumes dos antepassados; a tradição não é imutável; a fonte da lei é a
consciência humana. Condenaram o racismo dos gregos, a escravatura e a guerra
(tipo de loucura, na opinião deles). Defenderam a liberdade e os direitos do
homem comum. Para governar a cidade, os homens deviam atuar com liberdade de
pensamento e de vontade sem se aprisionarem a velhos usos e a leis sagradas. Os
sofistas ridicularizavam o chauvinismo dos atenienses. Eles foram acusados de
imorais sem religião e sem patriotismo. Além da física e da metafísica, os
sofistas incluíram na filosofia: ética, política e epistemologia (teoria do
conhecimento). “Eles desceram a filosofia
dos céus à morada dos homens” dizia Cícero, o estadista romano.
A essência da filosofia sofista
está sintetizada na máxima de Protágoras: “o
homem é a medida de todas as coisas, do ser daquilo que é, do não-ser daquilo
que não é.” Segundo essa escola, verdade,
justiça, beleza, vontade, decorrem
das necessidades e dos interesses do ser humano. Não há verdades absolutas ou
padrões eternos de justiça e direito. A fonte do conhecimento é sensorial, daí
porque as verdades são validas apenas para certo tempo e lugar. A moralidade varia
de povo para povo. Em Esparta, o adultério é permitido e até incentivado; em
Atenas, os maridos segregam as mulheres nos lares e restringem-lhes a vida
social. Do certo e do errado não há cânones. O homem determina o que é o bem. Por causa dessas idéias, Protágoras
foi expulso de Atenas e os seus escritos foram queimados.
Górgias, reputado professor de
retórica, evita discussão sobre moral e política; passa do ceticismo ao
solipsismo: a mente humana nada pode
conhecer salvo o que lhe vem do interior (impressões subjetivas).
Impossível, pois, um saber científico que chegue ao âmago das coisas; o
importante é persuadir. Trasímaco, discípulo de Górgias, radicaliza na oposição
entre natureza (phusis) e a lei (nomos) e define justiça como a vantagem
de quem pode: as leis e os costumes são
expressões do mais forte e do mais astuto em proveito próprio; o homem sábio é
o “perfeito injusto” que se coloca
acima das leis e busca satisfazer os seus próprios desejos. A cidade (o
estado) é artifício humano para uns poucos submeterem a maioria. Nada há de
reprovável em transgredir as regras da cidade, produtos da opinião, desde que
se faça sem ser visto e sem ser apanhado, dizia Antifonte. Segundo este
sofista, a lei da cidade contraria a natureza, transforma o homem em algoz de
si mesmo, obriga-o a um sofrimento maior quando um menor é possível, a suportar
um dano que podia evitar, a desperdiçar sua vida. Criticando a cidade por
permitir a escravatura, Alcidamante assim argumentava: “Deus criou todos os
homens livres; a natureza a ninguém fez escravo”.
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