sábado, 4 de janeiro de 2014

FILOSOFIA VII - F



Grécia (continuação).

Heráclito elegeu o fogo matéria primordial; fogo imaterial que se desdobra em sensível e inteligível; que provoca trocas recíprocas, tal como se troca ouro por mercadorias e mercadorias por ouro. A sua teoria era oposta à de Parmênides: a continuidade é ilusória; só a mudança é real. O universo está em fluxo constante. Esta é a lei natural. Do ajuste de tendências opostas, da harmonia dos contrários, resulta o mundo real. A luta mantém vivo o mundo; a guerra é a origem de tudo: vida e morte, criação e destruição, verso e reverso da mesma representação. O percurso é o mesmo ao subir e ao descer; destruindo o caminho para cima, destruiremos o caminho para baixo. Impossível banhar-se duas vezes nas mesmas águas de um mesmo rio. Somos e não somos {o nosso ser é um perpétuo devir – dizia Platão}. Esse devir universal é governado por logos (o tal fogo inteligível). Captar o princípio subjacente das coisas é a fórmula da sabedoria. {No século XIX da era cristã, os ensinamentos de Heráclito alicerçaram a dialética de Hegel, Marx e Proudhon}.
Leucipo elabora a teoria atômica: a matéria é constituída de partículas rígidas, sólidas e indivisíveis sempre em movimento no espaço vazio (500 a 401 a.C.). Demócrito desenvolve esta teoria que resultou de uma síntese do pensamento de Parmênides (partículas elementares imutáveis) e de Heráclito (movimento incessante). Os componentes finais da matéria são átomos infinitos em número, indestrutíveis, diferentes no tamanho e forma, semelhantes na composição química. {Tomo significa divisão ou parte de um todo. Atomo significa um todo indivisível. Segundo a física nuclear hodierna, o átomo não é o componente final da matéria e se divide em duas partes: o núcleo e o elétron. Por sua vez, o núcleo divide-se em prótons e nêutrons. Ao ser fisicamente dividido, o átomo libera energia. Apesar disto, o nome foi mantido: átomo.}. Na teoria de Demócrito, os átomos juntam-se e separaram-se em diferentes arranjos, de acordo com o movimento que lhes é próprio. Tudo no universo resulta daí. O número de átomos e os seus arranjos respondem pela diferença entre as coisas. Demócrito negava a imortalidade da alma e a existência de um mundo espiritual. Defendia uma ética racional: “o bem significa não só não fazer o mal, mas antes, não desejar fazer o mal”.
Nesse mesmo século V, os sofistas abrem uma nova linha de pensamento. A palavra sofista significa aquele que é sábio. As características desse pensamento são: relativismo, ceticismo e individualismo. A ascensão da camada média da população ateniense, o foco no indivíduo e a necessidade de solucionar problemas práticos respondem por esse novo rumo. O ser humano agora é o centro das cogitações. Os sofistas eram professores itinerantes hábeis na arte de falar e raciocinar (retórica e dialética) e acreditavam que esta arte habilitava o povo governar a si próprio. Lecionavam também por dinheiro para uma juventude novidadeira, rica, ávida por um saber prático e de fácil acesso. Eles advogavam justiça mais humana e racional, combatiam o preconceito e a crença vigente. Para os sofistas, a fonte da lei não são os costumes dos antepassados; a tradição não é imutável; a fonte da lei é a consciência humana. Condenaram o racismo dos gregos, a escravatura e a guerra (tipo de loucura, na opinião deles). Defenderam a liberdade e os direitos do homem comum. Para governar a cidade, os homens deviam atuar com liberdade de pensamento e de vontade sem se aprisionarem a velhos usos e a leis sagradas. Os sofistas ridicularizavam o chauvinismo dos atenienses. Eles foram acusados de imorais sem religião e sem patriotismo. Além da física e da metafísica, os sofistas incluíram na filosofia: ética, política e epistemologia (teoria do conhecimento). “Eles desceram a filosofia dos céus à morada dos homens” dizia Cícero, o estadista romano.
A essência da filosofia sofista está sintetizada na máxima de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas, do ser daquilo que é, do não-ser daquilo que não é.” Segundo essa escola, verdade, justiça, beleza, vontade, decorrem das necessidades e dos interesses do ser humano. Não há verdades absolutas ou padrões eternos de justiça e direito. A fonte do conhecimento é sensorial, daí porque as verdades são validas apenas para certo tempo e lugar. A moralidade varia de povo para povo. Em Esparta, o adultério é permitido e até incentivado; em Atenas, os maridos segregam as mulheres nos lares e restringem-lhes a vida social. Do certo e do errado não há cânones. O homem determina o que é o bem. Por causa dessas idéias, Protágoras foi expulso de Atenas e os seus escritos foram queimados.
Górgias, reputado professor de retórica, evita discussão sobre moral e política; passa do ceticismo ao solipsismo: a mente humana nada pode conhecer salvo o que lhe vem do interior (impressões subjetivas). Impossível, pois, um saber científico que chegue ao âmago das coisas; o importante é persuadir. Trasímaco, discípulo de Górgias, radicaliza na oposição entre natureza (phusis) e a lei (nomos) e define justiça como a vantagem de quem pode: as leis e os costumes são expressões do mais forte e do mais astuto em proveito próprio; o homem sábio é o “perfeito injusto” que se coloca acima das leis e busca satisfazer os seus próprios desejos. A cidade (o estado) é artifício humano para uns poucos submeterem a maioria. Nada há de reprovável em transgredir as regras da cidade, produtos da opinião, desde que se faça sem ser visto e sem ser apanhado, dizia Antifonte. Segundo este sofista, a lei da cidade contraria a natureza, transforma o homem em algoz de si mesmo, obriga-o a um sofrimento maior quando um menor é possível, a suportar um dano que podia evitar, a desperdiçar sua vida. Criticando a cidade por permitir a escravatura, Alcidamante assim argumentava: “Deus criou todos os homens livres; a natureza a ninguém fez escravo”.

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