sábado, 11 de janeiro de 2014

FILOSOFIA VII - G



Grécia (continuação).

A reação aos sofistas não tardou. Os expoentes da reação foram: Sócrates, Platão e Aristóteles, o primeiro e o segundo naturais de Atenas e o terceiro, de Estagira, na Trácia (400 a 300 a.C.). Segundo os reacionários, a verdade é real, existem padrões absolutos e a lei da cidade tem valor próprio que advém da necessidade de ordem sem a qual a prosperidade e a convivência pacífica são impossíveis.
Excêntrico, a andar descalço e maltrapilho pelas ruas de Atenas, guerreiro valente e sábio, Sócrates nada deixou por escrito. O seu pensamento e o seu modo de ser chegaram até nós através de Platão, inclusive a teoria das idéias que ele herdou da matemática pitagórica. A existência e o magistério de Sócrates dividiram a filosofia em dois tempos: antes dele (pré-socrática) e depois dele (pós-socrática). Ele reprovava o abusivo ceticismo dos sofistas. No entanto, na linha dos sofistas, questionava a autoridade da tradição, mas acreditava que a ética vinha gravada na consciência humana e que a justiça estava acima da lei humana.
“Conhece-te a ti mesmo” era a chave da sabedoria, na opinião de Sócrates. Ao examinar metódica e profundamente o seu corpo e a sua mente, o homem se habilita a conhecer o mundo na sua dupla dimensão: material e espiritual. Há um conhecimento estável e universalmente válido que a alma traz consigo antes de penetrar no corpo. O indivíduo pode recordar tal conhecimento ao formular perguntas apropriadas e exemplos indutivos de modo a ultrapassar o argumento de autoridade e pensar por si mesmo. Mediante tal método chega-se à essência eterna e imutável e descobrem-se duradouros princípios de direito e de justiça que possibilitam vida virtuosa. Este método, que patenteava a imortalidade da alma, recebeu o nome de maiêutica (analogia feita por Sócrates entre o parto animal e o parto das idéias).
O fulcro da filosofia socrática era ético: a arte de viver. O propósito da vida é a felicidade. A ironia socrática (só sei que nada sei) revelava que tanto a ignorância como a presunção de tudo saber são óbices à felicidade. Evidente que Sócrates sabia muita coisa, mas ele também sabia que ignorava muita coisa. Ele mostrou conhecer crenças, costumes e produção intelectual do passado e do presente. Percebeu, então, que o conhecimento revela a vastidão da ignorância. Sócrates sustenta que o conhecimento deriva das formas (idéias) enquanto a opinião deriva dos sentidos. Ele discordava: (1) do sorteio na escolha dos magistrados por tornar aleatória a capacidade para o exercício do cargo; (2) do governo pelo povo, porque gente despreparada que jamais refletira sobre política estaria no comando dos assuntos da cidade (estado). Ao invés de amadores, o governo devia ser exercido por gente inteligente especialmente preparada para a função, tendo em vista ser a política uma arte de realizar o bem para a cidade {valor sublime}.
Acusado de corromper a juventude e de afrontar a religião oficial, Sócrates foi preso, julgado e condenado à morte (399 a.C.). Ele podia ser absolvido se renunciasse ao ensino da sua doutrina. Todavia, ele preferiu honrar o compromisso que assumira com o deus Apolo por intermédio do oráculo de Delfos: filosofar e instruir o povo. Negou-se a renunciar à sua divina missão. Ao se defender no tribunal, Sócrates diz que as suas idéias não eram diferentes das idéias de Anaxágoras. O citado filósofo também fora preso e condenado à morte, mas por ser amigo de Péricles, escapara da prisão e da punição. Advogar em causa própria abre ensejo a equívocos às vezes fatais. Os juízes contentavam-se com o efeito didático moralmente coercitivo da sentença. A respectiva execução lhes era indiferente, conforme atesta o precedente de Anaxágoras. Cientes disto, os amigos ofereceram apoio à fuga, cujo êxito era induvidoso. Sócrates recusou a oferta. Em respeito às instituições atenienses, ele preferiu cumprir a sentença proferida no processo legal em um estado democrático. Por encarnar a justiça, a lei devia imperar, ainda que aplicada injustamente. Sócrates bebeu a cicuta. Ele não foi o primeiro e nem o último a ser morto por ensinar o que lhe parecia justo e verdadeiro.   
Nem todos concordaram com a teimosia de Sócrates em cumprir a sentença. Como perceberam os sofistas, a lei nem sempre visa ao bem comum. Às vezes, a lei é elaborada para o bem particular do governante e da sua frondosa caterva. A democracia não é exceção. Incrustada no governo democrático ou autocrático, a canalha serve-se do erário, dos bens e serviços públicos, em seu particular benefício, qualquer que seja o regime. Ainda que justa seja a lei, os crapulosos, tanto os togados como os sem toga, encontram sempre um modo de contorná-la, distorcê-la ou aplicá-la de modo injusto.

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