Grécia (continuação).
A reação aos sofistas não tardou.
Os expoentes da reação foram: Sócrates, Platão e Aristóteles, o primeiro e o
segundo naturais de Atenas e o terceiro, de Estagira, na Trácia (400 a 300 a.C.). Segundo os
reacionários, a verdade é real, existem padrões absolutos e a lei da cidade tem
valor próprio que advém da necessidade de ordem sem a qual a prosperidade e a
convivência pacífica são impossíveis.
Excêntrico, a andar descalço e maltrapilho
pelas ruas de Atenas, guerreiro valente e sábio, Sócrates nada deixou por
escrito. O seu pensamento e o seu modo de ser chegaram até nós através de
Platão, inclusive a teoria das idéias
que ele herdou da matemática pitagórica. A existência e o magistério de
Sócrates dividiram a filosofia em dois tempos: antes dele (pré-socrática) e
depois dele (pós-socrática). Ele reprovava o abusivo ceticismo dos sofistas. No
entanto, na linha dos sofistas, questionava a autoridade da tradição, mas acreditava
que a ética vinha gravada na consciência humana e que a justiça estava acima da
lei humana.
“Conhece-te a ti mesmo” era a
chave da sabedoria, na opinião de Sócrates. Ao examinar metódica e
profundamente o seu corpo e a sua mente, o homem se habilita a conhecer o mundo
na sua dupla dimensão: material e espiritual. Há um conhecimento estável e
universalmente válido que a alma traz consigo antes de penetrar no corpo. O
indivíduo pode recordar tal conhecimento ao formular perguntas apropriadas e
exemplos indutivos de modo a ultrapassar o argumento de autoridade e pensar por
si mesmo. Mediante tal método chega-se à essência eterna e imutável e descobrem-se
duradouros princípios de direito e de justiça que possibilitam vida virtuosa. Este
método, que patenteava a imortalidade da alma, recebeu o nome de maiêutica (analogia feita por Sócrates entre
o parto animal e o parto das idéias).
O fulcro da filosofia socrática
era ético: a arte de viver. O propósito
da vida é a felicidade. A ironia
socrática (só sei que nada sei)
revelava que tanto a ignorância como a presunção de tudo saber são óbices à
felicidade. Evidente que Sócrates sabia muita coisa, mas ele também sabia que
ignorava muita coisa. Ele mostrou conhecer crenças, costumes e produção
intelectual do passado e do presente. Percebeu, então, que o conhecimento
revela a vastidão da ignorância. Sócrates sustenta que o conhecimento deriva das formas (idéias) enquanto a opinião deriva dos sentidos. Ele discordava:
(1) do sorteio na escolha dos magistrados por tornar aleatória a capacidade
para o exercício do cargo; (2) do governo pelo povo, porque gente despreparada
que jamais refletira sobre política estaria no comando dos assuntos da cidade
(estado). Ao invés de amadores, o governo devia ser exercido por gente
inteligente especialmente preparada para a função, tendo em vista ser a
política uma arte de realizar o bem
para a cidade {valor sublime}.
Acusado de corromper a juventude
e de afrontar a religião oficial, Sócrates foi preso, julgado e condenado à
morte (399 a.C.).
Ele podia ser absolvido se renunciasse ao ensino da sua doutrina. Todavia, ele preferiu
honrar o compromisso que assumira com o deus Apolo por intermédio do oráculo de
Delfos: filosofar e instruir o povo.
Negou-se a renunciar à sua divina missão. Ao se defender no tribunal, Sócrates diz
que as suas idéias não eram diferentes das idéias de Anaxágoras. O citado
filósofo também fora preso e condenado à morte, mas por ser amigo de Péricles,
escapara da prisão e da punição. Advogar em causa própria abre ensejo a
equívocos às vezes fatais. Os juízes contentavam-se com o efeito didático
moralmente coercitivo da sentença. A respectiva execução lhes era indiferente, conforme
atesta o precedente de Anaxágoras. Cientes disto, os amigos ofereceram apoio à
fuga, cujo êxito era induvidoso. Sócrates recusou a oferta. Em respeito às
instituições atenienses, ele preferiu cumprir a sentença proferida no processo
legal em um estado democrático. Por encarnar a justiça, a lei devia imperar,
ainda que aplicada injustamente. Sócrates bebeu a cicuta. Ele não foi o primeiro
e nem o último a ser morto por ensinar o que lhe parecia justo e
verdadeiro.
Nem todos concordaram com a teimosia
de Sócrates em cumprir a sentença. Como perceberam os sofistas, a lei nem
sempre visa ao bem comum. Às vezes, a lei é elaborada para o bem particular do
governante e da sua frondosa caterva. A democracia não é exceção. Incrustada no
governo democrático ou autocrático, a canalha serve-se do erário, dos bens e
serviços públicos, em seu particular benefício, qualquer que seja o regime.
Ainda que justa seja a lei, os crapulosos, tanto os togados como os sem toga, encontram
sempre um modo de contorná-la, distorcê-la ou aplicá-la de modo injusto.
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