O SONHO E A POEIRA
Perfeito injusto é o homem sábio que se coloca
acima das leis e busca a satisfação dos próprios desejos na certeza de que as
leis e os costumes derivam da vontade do mais forte ou do mais astuto. Assim
pensava Trasímaco (Grécia, 500
a.C.). Tudo que o humano percebe pelos sentidos é cópia
imperfeita das realidades supremas. Assim pensava Platão (400 a.C.). O indivíduo pode
tomar por modelo de perfeição outras pessoas como Moisés, Jesus, Maomé e
Gandhi. Esses mestres bebiam, comiam, urinavam, defecavam, expeliam gases
intestinais, transavam sexualmente, trabalhavam e repousavam. Nivelavam-se no
reino animal aos demais seres humanos. A biografia deles revela alguns pecados,
tais como: (i) a matança de hebreus dissidentes por Moisés; (ii) as afrontas de
Jesus à sua mãe, seus irmãos e adversários; (iii) o golpe do baú aplicado por
Maomé na viúva rica e a violência da catequese; (iv) a ordem dada por Gandhi à
sua esposa para lavar latrinas.
A existência de Moisés e de Jesus vem amparada na fé religiosa
e nas falsidades lançadas na Bíblia por homens manipuladores que se
aproveitaram da credulidade do povo. Este é um dos motivos de se duvidar da
existência histórica desses dois profetas. A existência de Maomé e Gandhi,
embora comprovada, está envolta em lendas e literatice. Sobre o indiano,
Winston Churchill emitiu severo juízo: “É
alarmante e dá nojo ver Mr. Gandhi, um advogado sedicioso que agora anda
posando de faquir do tipo bem conhecido no Oriente, a subir, seminu, as
escadarias do palácio...” (Lord Roy Jenkins. Churchill. RJ, Nova Fronteira, 2002, p. 399).
Em virtude da sua fragilidade, o humano busca refúgio
em outro mundo que ele desconhece e pensa ser melhor e perfeito. Cria mitos,
lendas e se ilude. Imagina a perfeição e passa a correr atrás dessa quimera. O
bilioso deus bíblico teria dito à criatura humana: tu és pó e em pó te hás de tornar (Bíblia, AT, Gênesis, 3: 19).
Note-se bem: o deus não disse o “teu corpo” é pó; ele disse: TU és pó. A perfeição do homem é poeira.
Sonhador, o poeta foi mais generoso do que o genioso deus bíblico: o teu corpo é luz/ sedução/ poema divino/
cheio de esplendor (canção popular). O poeta sonha em vigília para
compensar o amargor da existência. Na medida em que aumenta o saber humano
aumenta também a consciência da vastidão da sua ignorância. Se imaginarmos todo
o conhecimento possível como uma linha de dez mil metros, o saber humano
cobriria somente os dez primeiros centímetros. Ao contrário da imaginação, a
percepção sensorial limita-se às vibrações de baixa freqüência no teclado
cósmico.
A perfeição da alma supõe forma e substância. Todavia,
se a alma for a energia fundamental do
universo, ver-se-á então que o suposto carece de suporte; que a alma não é
perfeita nem imperfeita e sim indiferente a esses conceitos, tal qual o vento;
que a alma é função dinâmica da divindade; que alma e Deus são a mesma coisa,
indiferentes ao prisma humano da perfeição e da imperfeição, da bondade e da
maldade; que alma e Deus são providos de inteligência e desprovidos de sentimentos,
vontade e desejos. O assunto é especulativo, sem possibilidade operacional de
verificação empírica. Ao humano falta critério fidedigno para avaliar o que
transcende à sua existência. A questão fica adstrita à noção que o indivíduo e
cada grupo de indivíduos tenham da alma e da divindade. A população mundial
compõe-se de milhões de judeus, bilhões de cristãos, bilhões de muçulmanos e
bilhões de pessoas que não são filiadas a essas religiões, mas que possuem
crenças e métodos próprios para prestar culto à divindade. Tanto no politeísmo
como no monoteísmo, sob a ótica humana, os deuses praticam bondade e maldade.
Com essa dupla face há no politeísmo deuses como os do antigo Egito {(Ra x
Osíris) + Isis + Hórus}, da Pérsia {Ahura-Mazda x Ahriman} e da Índia {Brahma +
Vishnu + Shiva} e no monoteísmo o deus judeu (Javé), o deus cristão (Pai
Celestial) e o deus muçulmano (Alá). O povo judeu, o cristão e o muçulmano
acreditam na perfeição do seu deus único e na revelação divina. Esses três
deuses intervêm nos assuntos terrenos, legislam através dos seus profetas,
tratam os humanos como seus súditos, colocam os inimigos aos pés do seu povo
predileto (judeu, anglo-americano, árabe), rotulam pessoas de pecadoras e as
enviam ao inferno (lugar de padecimentos) e reservam aos fiéis o paraíso (lugar
de prazeres).
Mutatis mutandis, o deus do povo judeu serve
de paradigma por ser mais antigo do que o cristão e o muçulmano. Cruel,
vingativo, belicoso, genocida, esse deus está longe da perfeição. Os hebreus
acreditavam que a arca da aliança era
sagrada, intocável, não podia ser profanada por mãos humanas. O dedicado Oza
segurou-a para impedir que ela caísse do carro onde era transportada (os bois
que o puxavam escorregaram). Foi o que bastou para esse deus assassino matá-lo.
O deus manipula o clima, manda pestes para afligir nações, ceifa vidas humanas
e destrói patrimônios; favorece um povo turrão em detrimento de povos mais bem
qualificados; autoriza os seus favoritos a se apossarem das terras e dos bens
alheios e a exterminarem animais, homens e mulheres (crianças, jovens e
adultos); promete favores a quem lhe for fiel e severos castigos aos infiéis
(Bíblia, AT, I Samuel 15: 1/4 + II Samuel 6: 6/7).
No contexto científico da idade contemporânea, difícil
imaginar a ausência de uma poderosa e superior inteligência criadora e
dirigente do universo. A liberdade é necessária para cada ser humano, com
discernimento e construtivo juízo crítico, conceber a sua noção de Deus,
cultivar a bondade, a humildade, a compaixão, a solidariedade e encontrar o
caminho que conduz à santidade e à idealizada perfeição.
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