terça-feira, 1 de outubro de 2013

PERFEIÇÃO III



O SONHO E A POEIRA

Perfeito injusto é o homem sábio que se coloca acima das leis e busca a satisfação dos próprios desejos na certeza de que as leis e os costumes derivam da vontade do mais forte ou do mais astuto. Assim pensava Trasímaco (Grécia, 500 a.C.). Tudo que o humano percebe pelos sentidos é cópia imperfeita das realidades supremas. Assim pensava Platão (400 a.C.). O indivíduo pode tomar por modelo de perfeição outras pessoas como Moisés, Jesus, Maomé e Gandhi. Esses mestres bebiam, comiam, urinavam, defecavam, expeliam gases intestinais, transavam sexualmente, trabalhavam e repousavam. Nivelavam-se no reino animal aos demais seres humanos. A biografia deles revela alguns pecados, tais como: (i) a matança de hebreus dissidentes por Moisés; (ii) as afrontas de Jesus à sua mãe, seus irmãos e adversários; (iii) o golpe do baú aplicado por Maomé na viúva rica e a violência da catequese; (iv) a ordem dada por Gandhi à sua esposa para lavar latrinas.
A existência de Moisés e de Jesus vem amparada na fé religiosa e nas falsidades lançadas na Bíblia por homens manipuladores que se aproveitaram da credulidade do povo. Este é um dos motivos de se duvidar da existência histórica desses dois profetas. A existência de Maomé e Gandhi, embora comprovada, está envolta em lendas e literatice. Sobre o indiano, Winston Churchill emitiu severo juízo: “É alarmante e dá nojo ver Mr. Gandhi, um advogado sedicioso que agora anda posando de faquir do tipo bem conhecido no Oriente, a subir, seminu, as escadarias do palácio...” (Lord Roy Jenkins. Churchill. RJ, Nova Fronteira, 2002, p. 399).
Em virtude da sua fragilidade, o humano busca refúgio em outro mundo que ele desconhece e pensa ser melhor e perfeito. Cria mitos, lendas e se ilude. Imagina a perfeição e passa a correr atrás dessa quimera. O bilioso deus bíblico teria dito à criatura humana: tu és pó e em pó te hás de tornar (Bíblia, AT, Gênesis, 3: 19). Note-se bem: o deus não disse o “teu corpo” é pó; ele disse: TU és pó. A perfeição do homem é poeira. Sonhador, o poeta foi mais generoso do que o genioso deus bíblico: o teu corpo é luz/ sedução/ poema divino/ cheio de esplendor (canção popular). O poeta sonha em vigília para compensar o amargor da existência. Na medida em que aumenta o saber humano aumenta também a consciência da vastidão da sua ignorância. Se imaginarmos todo o conhecimento possível como uma linha de dez mil metros, o saber humano cobriria somente os dez primeiros centímetros. Ao contrário da imaginação, a percepção sensorial limita-se às vibrações de baixa freqüência no teclado cósmico.
A perfeição da alma supõe forma e substância. Todavia, se a alma for a  energia fundamental do universo, ver-se-á então que o suposto carece de suporte; que a alma não é perfeita nem imperfeita e sim indiferente a esses conceitos, tal qual o vento; que a alma é função dinâmica da divindade; que alma e Deus são a mesma coisa, indiferentes ao prisma humano da perfeição e da imperfeição, da bondade e da maldade; que alma e Deus são providos de inteligência e desprovidos de sentimentos, vontade e desejos. O assunto é especulativo, sem possibilidade operacional de verificação empírica. Ao humano falta critério fidedigno para avaliar o que transcende à sua existência. A questão fica adstrita à noção que o indivíduo e cada grupo de indivíduos tenham da alma e da divindade. A população mundial compõe-se de milhões de judeus, bilhões de cristãos, bilhões de muçulmanos e bilhões de pessoas que não são filiadas a essas religiões, mas que possuem crenças e métodos próprios para prestar culto à divindade. Tanto no politeísmo como no monoteísmo, sob a ótica humana, os deuses praticam bondade e maldade. Com essa dupla face há no politeísmo deuses como os do antigo Egito {(Ra x Osíris) + Isis + Hórus}, da Pérsia {Ahura-Mazda x Ahriman} e da Índia {Brahma + Vishnu + Shiva} e no monoteísmo o deus judeu (Javé), o deus cristão (Pai Celestial) e o deus muçulmano (Alá). O povo judeu, o cristão e o muçulmano acreditam na perfeição do seu deus único e na revelação divina. Esses três deuses intervêm nos assuntos terrenos, legislam através dos seus profetas, tratam os humanos como seus súditos, colocam os inimigos aos pés do seu povo predileto (judeu, anglo-americano, árabe), rotulam pessoas de pecadoras e as enviam ao inferno (lugar de padecimentos) e reservam aos fiéis o paraíso (lugar de prazeres).
Mutatis mutandis, o deus do povo judeu serve de paradigma por ser mais antigo do que o cristão e o muçulmano. Cruel, vingativo, belicoso, genocida, esse deus está longe da perfeição. Os hebreus acreditavam que a arca da aliança era sagrada, intocável, não podia ser profanada por mãos humanas. O dedicado Oza segurou-a para impedir que ela caísse do carro onde era transportada (os bois que o puxavam escorregaram). Foi o que bastou para esse deus assassino matá-lo. O deus manipula o clima, manda pestes para afligir nações, ceifa vidas humanas e destrói patrimônios; favorece um povo turrão em detrimento de povos mais bem qualificados; autoriza os seus favoritos a se apossarem das terras e dos bens alheios e a exterminarem animais, homens e mulheres (crianças, jovens e adultos); promete favores a quem lhe for fiel e severos castigos aos infiéis (Bíblia, AT, I Samuel 15: 1/4 + II Samuel 6: 6/7).
No contexto científico da idade contemporânea, difícil imaginar a ausência de uma poderosa e superior inteligência criadora e dirigente do universo. A liberdade é necessária para cada ser humano, com discernimento e construtivo juízo crítico, conceber a sua noção de Deus, cultivar a bondade, a humildade, a compaixão, a solidariedade e encontrar o caminho que conduz à santidade e à idealizada perfeição.

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