quarta-feira, 30 de outubro de 2013

FILOSOFIA II



Egito (4000 a 500 a.C.).

A produção cultural do Egito foi extensa e norteou o progresso das diversas nações antigas e modernas. Diversos foram os componentes da civilização egípcia: (1) estratificação social: classe superior (faraó e família, nobreza sacerdotal e militar), classe média (escribas, comerciantes, artesãos, lavradores), classe inferior (servos e escravos), desigualdade abissal entre ricos e pobres; (2) costumes: monogamia, concubinato, casamento entre membros da mesma família, linha feminina de descendência, autoridade do avô materno, sucessão feminina no trono, educação masculina com finalidade prática; (3) economia: agricultura (irrigação), comércio (exportação, importação, cálculo, escrituração), indústria (cerâmica, vidro, tecidos, navios), padrão monetário, escambo, trabalho livre, servil e escravo; (4) política: formas de governo (autocracia, aristocracia, democracia, império) e organização administrativa (centralização e descentralização); (5) direito: igualdade formal (perante a lei), tratamento jurídico da propriedade, do testamento, do contrato, das obrigações, do homicídio, do roubo, do adultério; (6) arte: literatura, pintura, escultura, arquitetura, engenharia (pirâmides, palácios, estradas), medicina (remédios, cirurgia, ortopedia, cardiologia, odontologia, clínica geral); (7) ciência: aritmética, geometria, astronomia, física; (8) filosofia: religiosa, natural, ética e política; (9) religião: imortalidade da alma, politeísmo da massa, monoteísmo da elite, providência divina, pecado (prêmio e castigo depois da morte).
Ao provocar admiração por sua exuberância, o Egito antigo desafia a inteligência e a imaginação das pessoas. Livros, revistas, filmes documentários, retratam os antigos egípcios como seres de outro planeta que habitaram a Terra por algum tempo e depois retornaram ao seu planeta de origem em suas naves espaciais (ou intertemporais). No embalo da física contemporânea, os cientistas cogitam de viagem no tempo. Os antigos egípcios teriam vindo aqui mesmo da Terra, porém do futuro; o nosso presente é o passado deles. Enquanto faltar prova suficiente a esse realismo fantástico, prevalece o realismo histórico.
Os egípcios passaram pelos estágios eolítico, paleolítico e neolítico até o nível de civilização no processo cultural evolutivo comum aos povos primitivos. Acreditavam que os deuses criaram a ordem cósmica da qual a sociedade humana era reflexo; que tal ordem era estática e perene; que a pessoa do rei era sagrada (divina). Os egípcios criaram instituições básicas: família, propriedade, religião, estado; domesticaram animais e se dedicaram à agricultura, olaria, tecelagem e navegação; utilizaram metais, fabricaram armas e instrumentos de pedra polida e produziram fogo. Com a invenção da escrita (pictórica, hieroglífica e silábica) e sua ampla utilização, os egípcios atingiram o nível de civilização. As pirâmides só foram construídas depois de dois mil anos de civilização {quase o mesmo tempo decorrido na era cristã até o homem moderno ter conhecimento e capacidade para construir a torre Eiffel e altos edifícios (arranha-céus)}.
Antes de adentrar no realismo fantástico e de subestimar a capacidade dos antigos egípcios, convém lembrar que a história do antigo Egito restrita ao estágio de civilização cobre um período de quatro mil anos! No primeiro milênio do referido estágio cultural, surge um texto denominado Drama Menfítico, com a seguinte expressão: o universo é regido por uma inteligência. Idéia revolucionária para uma época de animismo, antropomorfismo, politeísmo e superstição. O surgimento desse texto anacrônico é o primeiro precedente conhecido de manifestos expedidos por sociedades secretas ou por indivíduo isolado, que surgem de vez em quando, com prognósticos, princípios místicos e símbolos esotéricos. Aquela idéia foi imposta ao povo egípcio dois mil anos depois do surgimento do texto. O autor da façanha foi o faraó Aquenaton, fundador de uma religião monoteísta de curta duração (1380 a 1360 a.C.). A inteligência que regia o universo era Aton, deus único, simbolizado pelo sol. Outras idéias daquela remota época foram: a eternidade do universo, os ciclos de evolução e o princípio de causalidade (causa e efeito). A medicina egípcia atribuía causas naturais às doenças.    
A lei e o pensamento filosófico passaram por altos e baixos no curso da história egípcia. No antigo império (3200 a 2300 a.C.) todos se submetiam à lei, inclusive o rei. Deus governava e faraó (casa real) era o seu representante na Terra. Religião e estado eram inseparáveis. Tribunais e funcionários (juízes) distribuíam justiça com o dever de imparcialidade. Os egípcios daquela época prezavam a paz, não mantinham exército permanente e só organizavam forças de defesa se atacados. Ptahotep, vizir de um faraó (2500 a.C.) elaborou algumas proposições de natureza ética para instruir o filho. Dois mil anos depois, Aristóteles faria o mesmo para seu filho (Ética a Nicômaco). O citado vizir orientava o filho a ter sucesso na vida sem prejuízo do idealismo. Aconselhava-o a ser cortês, tolerante, bondoso, jovial, honesto e justo, ainda que isto importasse em sacrifício dos próprios interesses, pois só o poder da retidão perdura. O coração deve abrigar a moderação e a continência; a cobiça, o orgulho e a sensualidade devem ser barrados. Nos anos posteriores ao colapso do antigo império um sacerdote e filósofo de Heliópolis chamado Khekheperre-soneb se opõe ao status quo e se coloca na defesa da justiça social: a sociedade é corrupta e complacente; a miséria reina por toda parte; ao pobre faltam forças para se libertar do mais forte; aqueles que nasceram para dirigir são degenerados e covardes.  Na mesma época são publicados os escritos de Ipuwer e Nefer-rohu, dois conservadores saudosos do antigo regime que expõem uma filosofia social, política e messiânica. Deploram a anarquia, a opressão e a pessoa que rouba do fraco; acusam o governante por estabelecer a discórdia, agir injustamente e eximir-se da responsabilidade; acenam para uma idade de ouro quando o direito será justo e a iniqüidade não terá lugar. A idade nova será precedida de um rei que livrará o povo da opressão, restabelecerá a paz e trará prosperidade.
No médio império (2100 a 1790 a.C.) os fatos sociais e políticos influíram no pensamento filosófico e nas atitudes dos egípcios. O pessimismo, a desilusão e o ceticismo passaram a vigorar. A religião primitiva perdeu a força. Um clima de insegurança e desalento adveio da invasão estrangeira, da dissolução do antigo império e da desordem social. A existência de vida após a morte foi colocada em xeque: ninguém de lá voltou para narrar o que lá encontrou; fama, riqueza e poder são ilusões; a morte é o destino comum do faraó e do servo; o caminho a seguir é o da satisfação dos desejos e do gozo dos prazeres e zelar pelo bom nome (“Canção do Harpista”). Em um texto dessa época, um egípcio conta o seu infortúnio pessoal. Condenado por delito de cuja prática se diz inocente, abandonado pelos amigos e roubado pelos vizinhos (isto lembra “O Ébrio”, canção popular interpretada por Vicente Celestino), tece o seguinte comentário: na sociedade vê-se apenas corrupção, desonestidade e cobiça; as pessoas são despudoradas, qualquer um toma os bens do vizinho; a terra tornou-se presa de ladrões, velhacos e opressores; em todo lugar os bons são olhados com desprezo; a morte libera o homem do sofrimento; na outra vida, o bom será premiado e o mau, castigado (“Diálogo de um Misantropo com sua Alma”). Outro texto desse período, também de autor desconhecido (certamente pessoa culta, inteligente e de bom nível social) recebeu o nome de “Discurso do Camponês Eloqüente”. A história que serve de fundo à mensagem moralizadora é a de um campônio que se queixa perante o tribunal de ter sido roubado por um funcionário público. Em suas alegações, ele diz quais devem ser as obrigações do funcionário (juiz, autoridade): agir como pai dos órfãos, marido das viúvas e irmão dos abandonados; proteger o miserável e prevenir o roubo; punir os que merecem; julgar imparcialmente e não afirmar falsidades; promover um estado de harmonia e prosperidade que ninguém possa sofrer fome, frio e sede.
No último império (1580 a 1090 a.C.) inaugurado por Amósis após derrotar os hicsos, povo invasor que governava o Egito há 200 anos, os egípcios recuperaram a liberdade, mas se distanciaram do pacifismo isolacionista que os caracterizava; tornaram-se agressivos e imperialistas; submeteram ao seu domínio: a Palestina, Fenícia, Síria, Líbia, Núbia e Assíria. O faraó tornou-se governante absoluto garantido por bem equipado exército permanente. Desse período é o trabalho intitulado “A Sabedoria de Amenemope” com o seguinte texto: Deus é o arquiteto do destino humano; Deus derruba e constrói a cada dia; o homem deve ser tolerante com a fraqueza do outro e lhe perdoar as transgressões e auxiliar quem está desamparado; Deus faz um milhar de humildes quando deseja e põe um milhar em vigilância; o homem deve se contentar com pouco, ganhar o pão com seu próprio esforço e confiar em Deus para ter paz de espírito. Nesse período histórico também foi implantada a religião solar e monoteísta de Aquenaton, cujo deus único (Aton) corporificava a retidão, a justiça e a verdade. Esse faraó poeta elaborou um hino ao sol e introduziu a idéia de salvação do pecador mediante penitência e súplica de perdão. Depois de Ramsés III (1198 a 1167 a.C.) começou a decadência. Líbios, etíopes e núbios invadiram o Egito e rebaixaram o padrão cultural. Os egípcios perderam a liberdade. A vida social foi dominada por formalismo religioso e sacerdotes ambiciosos. Depois do governo dos bárbaros vieram os assírios (670 a.C.) e os persas (525 a.C.). A tradicional civilização egípcia nunca mais reviveu, salvo os produtos culturais assimilados por outros povos e que chegaram aos nossos dias.       

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