O CAMINHO DAS PEDRAS
Os pensamentos, sentimentos e
comportamentos contraditórios do ser humano devem ser debitados à sua natureza
dual e bipolar: demoníaca (negativa e positiva) e angelical (negativa e
positiva). O mesmo indivíduo é capaz de maldade e de bondade; de mudar de humor
no transcorrer do dia e da noite. Quando os polos negativos prevalecem sobre os
positivos e o indivíduo se mostra nocivo à sociedade ou prejudicial a si
próprio, a necessidade de controle se impõe. No presídio, o assassino revela-se
bom companheiro e até se converte em evangélico fervoroso. No hospício, o
desequilibrado se mostra solidário e acessível ao tratamento. Tranqüilo no lar,
o indivíduo se torna uma fera na rua, no seu ambiente de trabalho ou na reunião
social, ao se deparar com situação que de algum modo o ameaça, ofende ou
desagrada. A reação feroz pode levar à luta corporal e ao homicídio.
Estupefatos, amigos e parentes comentam: não
fazia mal a um inseto, como foi capaz de matar?
O aspecto demoníaco do ser
humano decorre das exigências orgânicas e do egoísmo. O polo positivo da força demoníaca orienta a procura de satisfação
dos apetites e necessidades naturais e dos meios de reproduzir e conservar a
vida; desencadeia luta pela sobrevivência, defesa própria e do grupo a que
pertence o indivíduo contra agressões externas; desperta paixão pelo bem-estar
e pelo desenvolvimento material e intelectual. O polo negativo da força demoníaca conduz ao abuso, às atrocidades, à
guerra, ao ódio, à inimizade, à maledicência, à inveja. A crença antiga em um
gênio do mal ou anjo caído com o nome de Satã, Diabo ou Lúcifer, deve-se à
transferência psicológica desse polo negativo. O humano concentra toda a sua
maldade nessa ficção por ele criada. Tenta, assim, negar a natureza demoníaca da
sua própria pessoa. O indivíduo justifica-se do mal que praticou afirmando
estar possuído por Satã no momento da ação ou da omissão ilícita. O chefe de
família abandona a esposa e os filhos por uma nova paixão. A culpa é do Diabo.
Louca de desejo, a moça entrega sua virgindade, engravida e se coloca como
vítima de Lúcifer.
O aspecto angelical do ser
humano decorre das exigências espirituais e do altruísmo. O polo positivo da força angelical
responde por todas as formas de amor (bondade, justiça, compaixão,
solidariedade, caridade, amizade, simpatia). Essa força eleva a consciência do
indivíduo ao mundo espiritual em alta frequência vibratória e desperta o senso
moral, a vocação para a paz, o sentimento do sagrado e a aspiração à santidade.
O polo negativo da força angelical
faz o indivíduo resistir às exigências do corpo e desprezar o mundo material.
As pessoas jejuam, flagelam o próprio corpo, isolam-se do convívio social e se
dedicam exclusivamente ao culto da divindade. O polo angelical negativo faz a pessoa
sentir-se vilificada ante a necessidade de urinar, defecar, liberar gases
intestinos e transar sexualmente. A pessoa sente-se mortificada por estar
obrigada pela natureza a arrostar a condição animal em toda a sua crueza. A
crença de ser superior ao reino animal e de não ser o resultado de uma evolução
biológica sofre esse espancamento diário. O seu corpo será decomposto após a
morte tal qual o corpo do seu animal de estimação.
Mediante técnica apropriada é
possível transitar do polo negativo ao positivo. A alquimia mental bem aplicada
controla os ímpetos negativos. A operação alquímica não aniquila a
bipolaridade, pois se o fizesse, o indivíduo deixaria de ser humano. Atributos
negativos e positivos são da essência humana. Essa bipolaridade está presente
no universo. As leis físicas comandam a natureza demoníaca e as leis
espirituais comandam a natureza angelical dos seres. Essas duas espécies de lei
emanam da mesma fonte que os antigos gregos chamavam de nous. A distinção entre ambas é funcional: atuam em campos
vibratórios de frequências desiguais. A existência de leis tanto na dimensão
material como na dimensão espiritual do mundo é matéria de fé. A ciência
pressupõe tal existência ao observar regularidades no mundo físico. Por
analogia, os espiritualistas postulam uma legalidade também para o mundo
espiritual. Na opinião de Norbert Wiener, a ciência é um modo de vida que só
pode florescer quando os homens são livres para ter fé; quantidade alguma de
demonstração poderá provar: (i) que a natureza está sujeita a uma legislação;
(ii) que a probabilidade é uma noção válida (Cibernética e Sociedade. São Paulo, Cultrix, 1968, p. 189/190).
No mundo da cultura, o
legislador, orientado pela necessidade, pela utilidade e pelo interesse público
ou privado, elabora leis visando a uma finalidade. Essas leis vigoram no tempo
e no espaço enquanto eficazes; mudam de sentido segundo o entendimento, a
conveniência ou a malícia do intérprete e aplicador (chefe de governo,
ministro, juiz). As leis são substituídas quando o legislador se curva às
exigências de natureza econômica, política ou social e busca um novo
enquadramento. Nos casos extremos, a substituição das leis fundamentais implica
nova ordem jurídica e novo regime político. A experiência dos povos formata o mundo
da cultura. Em sintonia com a realidade, Lewis Mumford, notável sociólogo do
século XX, lembra que o homem não se limita à produção econômica, mas aspira ao
domínio das artes e das ciências; a função do trabalho é a de prover o homem de
subsistência; o sentido social do trabalho deriva das atividades criadoras que
ele torna possível (A Condição de Homem.
Porto Alegre, Globo, 1956, p. 11/12). A dimensão social do mundo da cultura
compreende instituições como a família, a escola, a igreja, o clube, a associação
civil e as atividades físicas e intelectuais como esporte, técnica, arte,
ciência, filosofia.
Os seres da natureza são
expressões da alma genetriz do mundo. Apesar da multiplicidade física na
imensidão do espaço (planetas, galáxias e universos no macrocosmo; átomos,
moléculas e células, no microcosmo) o mundo é um só na dupla dimensão material
e espiritual. Nessas dimensões há gradação, faixas vibratórias de diferentes
frequências. Os humanos nem sempre estão conscientes disto. Assim como os outros
animais, o humano ocupa limitado campo vibratório. O que vai além ou está aquém
desse campo escapa à sua percepção sensorial mesmo quando utilizados
instrumentos para aumentar a audição e a visão tais como: antenas,
estetoscópio, óculos, binóculos, microscópio, telescópio. No interior desse
campo a experiência física pode ser compartilhada e expressa no plano
conceitual. De modo consciente, o humano atua por meio da prece, de rituais,
dos estudos e da cognição intuitiva e racional. A mútua troca de conhecimentos
contribui para o avanço e aperfeiçoamento dos costumes, da técnica, da arte e
da ciência. Percebe-se o valor da ação planejada, ordeira e solidária, da
vantagem que o cumprimento dos deveres e o cultivo das virtudes trazem para um
convívio feliz e pacífico.
A experiência espiritual de cognição transcende aquele
campo vibratório do mundo material. Cuida-se de experiência personalíssima,
refratária às explicações racionais. Neste passo, tem cabimento o solipsismo de
Górgias (400 a.C.).
Difícil traduzir e transmitir o conhecimento advindo desse êxtase. Mais fácil
ensinar a técnica para que o outro vivencie a experiência por si mesmo. Com a
prática e no devido tempo o indivíduo encontra o seu próprio caminho,
experimenta a autêntica humildade e deixa de se colocar como o centro da
atenção de Deus.
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