sábado, 26 de outubro de 2013

FILOSOFIA



Em todas as civilizações, desde as mais antigas como a egípcia e a mesopotâmica (4000 a 500 a.C.) até as contemporâneas (2000 d.C.) sempre houve pensamento filosófico. Entende-se como tal, a especulação sobre: (1) a existência de divindades e sua influência no mundo; (2) a existência ou não de um mundo espiritual e de mandamentos divinos; (3) a origem do universo e do homem; (4) a finalidade da vida em geral e da vida humana em particular; (5) o bem e o mal; (6) a obediência aos deuses, aos governantes, aos ascendentes e às regras sociais costumeiras ou escritas; (7) a causa e o fim de todas as coisas; (8) a possibilidade ou não de o ser humano conhecer a essência das coisas e chegar à verdade; (9) as formas do pensamento; (10) as operações da inteligência. 

O pensamento filosófico se compõe de correntes opostas, contraditórias ou paralelas; não há homogeneidade, um só e único pensamento na cultura de um povo ou na estrutura de uma civilização. A divergência é freqüente e natural, algumas vezes na forma, outras no conteúdo, outras na forma e no conteúdo. Em determinada época e lugar é possível notar a predominância de certa visão de mundo que se reflete nos costumes. Por sua vez, os costumes condicionam a mentalidade da massa humana, o que assegura a inércia daquela visão de mundo. O filósofo pode romper essa inércia com as suas reflexões. Quando isto acontece, os defensores do status quo lançam – ou tentam lançar – o filósofo no ostracismo se não lhe tiram a vida. A concepção do universo que predomina em certa época pode ser substituída em outra fase da história do mesmo povo ou da mesma civilização. Isto será constatado na resumida exposição do pensamento filosófico das civilizações antigas e clássicas objeto da série que ora se inicia.

Na idade antiga, o pensamento filosófico mesclava-se com o mágico, o religioso e o científico. No século VI antes da era cristã (600 a 501 a.C.), na cidade grega de Mileto, o pensamento filosófico foi elaborado em termos explicativos e racionais, libertando-se da magia, da mitologia e da religião. Com Thales, Anaximandro e Anaxímenes, professores em Mileto, o pensamento filosófico recebeu tratamento racional e metódico. No século seguinte, Heráclito cunha o termo “filósofo”, que se firma na linguagem de Platão e Aristóteles, já no século IV (400 a 301 a.C.). Antes disto, os pensadores que estudavam a natureza eram conhecidos como physus (físicos). Quando o campo de investigação e especulação incluiu o homem, a sociedade e o estado (além da natureza) os pensadores passaram a ser tratados como sophos (sábios) e foram fundadas escolas como a de Platão (Academia), discípulo de Sócrates e a de Aristóteles (Liceu), discípulo de Platão. Os mestres da persuasão, proficientes na arte de falar, de expor o pensamento e de convencer, eram conhecidos como sofistas (sem conotação pejorativa). A dedicação à sabedoria (sophia) recebeu o tratamento afetivo de amizade (philo) do que resultou o nome da disciplina: philosophia (amizade à sabedoria). Filósofo (amigo do saber) era o título de quem se dedicava à contemplação, ao ensino, ao estudo da natureza, do homem, da sociedade, do estado, do ser e do divino. Os sábios da antiguidade podiam ser ao mesmo tempo construtores de pirâmides, palácios e estradas, guerreiros, terapeutas, professores, sacerdotes e estadistas.
A filosofia provém da capacidade humana de contemplar, refletir e questionar. De acordo com a tradição grega inaugurada pela Escola de Mileto, o discurso racional e explicativo deve ser questionado e exposto ao debate. As regras do jogo intelectual são as mesmas do jogo político: exposição da matéria, contraditório (confronto de argumentos) e decisão (consenso unânime ou majoritário). Assim, também, no jogo judicial: tese do autor, antítese do réu e síntese do juiz. Segundo o pensamento grego, a verdade tinha de ser aberta e acessível a todos, cujo fundamento de validade brotava da sua própria força demonstrativa (preeminência da dedução lógica). Esta noção contrariava o modelo então vigente: (1) revelação religiosa, apanágio de um círculo de iniciados em face do seu teor de mistério; (2) crenças comuns por todos compartilhadas sem questionamento. O novo modelo privilegia a inteligibilidade, o discurso coerente e o rigor formal da demonstração como imperativos lógicos do pensamento. Através do debate o misterioso é desvelado e se torna conhecimento racional. A tarefa do filósofo é ir além das aparências, penetrar no invisível, na realidade oculta sobre a qual medita. O pensamento filosófico assemelha-se ao religioso na tensão entre visível e invisível, entre o ilusório e o autêntico, entre o fugaz e o permanente, entre o incerto e o certo.
Na Roma antiga, a partir da Lei das Doze Tábuas (445 a.C.) o pensamento jurídico se desprende da filosofia e adquire autonomia. Na Europa do século XVI (1501 a 1600 d.C.) e nos séculos seguintes, o trabalho de Bacon (método indutivo e experimental no estudo da natureza), Galileu, Descartes e Newton, entre outros, formatou o pensamento científico e conquistou autonomia em relação à filosofia, mas com o nome de filosofia natural até que no século XIX (1801 a 1900) recebe o nome genérico de ciência. A psicologia, a lógica e a teoria do conhecimento também se emanciparam da filosofia nos séculos XIX e XX (1801 a 2000). Apesar dessas autonomias, os fundamentos de cada ciência continuam a ser objeto de reflexão filosófica. Daí, a filosofia jurídica, a filosofia social, a filosofia política, constituindo áreas específicas do pensamento filosófico. Reencontram-se filosofia e ciência na especulação sobre a possibilidade e os limites do conhecimento, em resposta à interdisciplinaridade introduzida pela cibernética no mundo contemporâneo. O filósofo faz da filosofia o seu modo de vida. O objeto da sua meditação pode ser a arte, a moral, o direito, a ciência, a religião, o misticismo, o homem, a sociedade, o estado, a política, a economia e a própria filosofia. O filósofo coloca a sua inteligência e o seu conhecimento ao serviço da sociedade e do estado, dispõe-se a ensinar, a opinar sobre sistemas de ensino e aprendizagem, a orientar um governo, a defender um regime político, a expor sua compreensão sobre assuntos internos e externos da nação. A função do filósofo não é meramente contemplativa e teorética, mas também pragmática.

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