Em todas as civilizações, desde as mais antigas como a egípcia e a mesopotâmica (4000 a 500 a.C.) até as contemporâneas (2000 d.C.) sempre houve pensamento filosófico. Entende-se como tal, a especulação sobre: (1) a existência de divindades e sua influência no mundo; (2) a existência ou não de um mundo espiritual e de mandamentos divinos; (3) a origem do universo e do homem; (4) a finalidade da vida em geral e da vida humana em particular; (5) o bem e o mal; (6) a obediência aos deuses, aos governantes, aos ascendentes e às regras sociais costumeiras ou escritas; (7) a causa e o fim de todas as coisas; (8) a possibilidade ou não de o ser humano conhecer a essência das coisas e chegar à verdade; (9) as formas do pensamento; (10) as operações da inteligência.
O pensamento filosófico se compõe de correntes opostas, contraditórias ou paralelas; não há homogeneidade, um só e único pensamento na cultura de um povo ou na estrutura de uma civilização. A divergência é freqüente e natural, algumas vezes na forma, outras no conteúdo, outras na forma e no conteúdo. Em determinada época e lugar é possível notar a predominância de certa visão de mundo que se reflete nos costumes. Por sua vez, os costumes condicionam a mentalidade da massa humana, o que assegura a inércia daquela visão de mundo. O filósofo pode romper essa inércia com as suas reflexões. Quando isto acontece, os defensores do status quo lançam – ou tentam lançar – o filósofo no ostracismo se não lhe tiram a vida. A concepção do universo que predomina em certa época pode ser substituída em outra fase da história do mesmo povo ou da mesma civilização. Isto será constatado na resumida exposição do pensamento filosófico das civilizações antigas e clássicas objeto da série que ora se inicia.
Na idade antiga, o pensamento filosófico
mesclava-se com o mágico, o religioso e o científico. No século VI antes da era
cristã (600 a
501 a.C.),
na cidade grega de Mileto, o pensamento filosófico foi elaborado em termos
explicativos e racionais, libertando-se da magia, da mitologia e da religião.
Com Thales, Anaximandro e Anaxímenes, professores em Mileto, o pensamento
filosófico recebeu tratamento racional e metódico. No século seguinte,
Heráclito cunha o termo “filósofo”, que se firma na linguagem de Platão e
Aristóteles, já no século IV (400
a 301 a.C.).
Antes disto, os pensadores que estudavam a natureza eram conhecidos como physus (físicos). Quando o campo de
investigação e especulação incluiu o homem, a sociedade e o estado (além da
natureza) os pensadores passaram a ser tratados como sophos (sábios) e foram fundadas escolas como a de Platão
(Academia), discípulo de Sócrates e a de Aristóteles (Liceu), discípulo de
Platão. Os mestres da persuasão, proficientes na arte de falar, de expor o pensamento
e de convencer, eram conhecidos como sofistas
(sem conotação pejorativa). A dedicação à sabedoria (sophia) recebeu o tratamento afetivo de amizade (philo) do que resultou o nome da
disciplina: philosophia (amizade à sabedoria).
Filósofo (amigo do saber) era o
título de quem se dedicava à contemplação, ao ensino, ao estudo da natureza, do
homem, da sociedade, do estado, do ser e do divino. Os sábios da antiguidade podiam
ser ao mesmo tempo construtores de pirâmides, palácios e estradas, guerreiros, terapeutas,
professores, sacerdotes e estadistas.
A filosofia provém da capacidade humana
de contemplar, refletir e questionar. De acordo com a tradição grega inaugurada
pela Escola de Mileto, o discurso
racional e explicativo deve ser questionado e exposto ao debate. As regras do
jogo intelectual são as mesmas do jogo político: exposição da matéria, contraditório
(confronto de argumentos) e decisão (consenso unânime ou majoritário). Assim,
também, no jogo judicial: tese do autor, antítese do réu e síntese do juiz. Segundo
o pensamento grego, a verdade tinha de ser aberta e acessível a todos, cujo fundamento
de validade brotava da sua própria força demonstrativa (preeminência da dedução
lógica). Esta noção contrariava o modelo então vigente: (1) revelação
religiosa, apanágio de um círculo de iniciados em face do seu teor de mistério;
(2) crenças comuns por todos compartilhadas sem questionamento. O novo modelo
privilegia a inteligibilidade, o discurso coerente e o rigor formal da
demonstração como imperativos lógicos do pensamento. Através do debate o
misterioso é desvelado e se torna conhecimento racional. A tarefa do filósofo é
ir além das aparências, penetrar no invisível, na realidade oculta sobre a qual
medita. O pensamento filosófico assemelha-se ao religioso na tensão entre
visível e invisível, entre o ilusório e o autêntico, entre o fugaz e o
permanente, entre o incerto e o certo.
Na Roma antiga, a partir da Lei
das Doze Tábuas (445 a.C.)
o pensamento jurídico se desprende da filosofia e adquire autonomia. Na Europa
do século XVI (1501 a
1600 d.C.) e nos séculos seguintes, o trabalho de Bacon (método indutivo e
experimental no estudo da natureza), Galileu, Descartes e Newton, entre outros,
formatou o pensamento científico e conquistou autonomia em relação à filosofia,
mas com o nome de filosofia natural até
que no século XIX (1801 a
1900) recebe o nome genérico de ciência.
A psicologia, a lógica e a teoria do conhecimento também se emanciparam da
filosofia nos séculos XIX e XX (1801
a 2000). Apesar dessas autonomias, os fundamentos de cada
ciência continuam a ser objeto de reflexão filosófica. Daí, a filosofia
jurídica, a filosofia social, a filosofia política, constituindo áreas
específicas do pensamento filosófico. Reencontram-se filosofia e ciência na
especulação sobre a possibilidade e os limites do conhecimento, em resposta à
interdisciplinaridade introduzida pela cibernética no mundo contemporâneo. O filósofo
faz da filosofia o seu modo de vida. O objeto da sua meditação pode ser a arte,
a moral, o direito, a ciência, a religião, o misticismo, o homem, a sociedade,
o estado, a política, a economia e a própria filosofia. O filósofo coloca a sua
inteligência e o seu conhecimento ao serviço da sociedade e do estado,
dispõe-se a ensinar, a opinar sobre sistemas de ensino e aprendizagem, a
orientar um governo, a defender um regime político, a expor sua compreensão
sobre assuntos internos e externos da nação. A função do filósofo não é
meramente contemplativa e teorética, mas também pragmática.
Nenhum comentário:
Postar um comentário