quarta-feira, 25 de setembro de 2013

PERFEIÇÃO II



O IDEAL E O REAL

O ideal de perfeição para indivíduos e povos consubstancia-se nas excelsas qualidades atribuídas à divindade. Esta ficção serviu de base ao evangelista para afirmar que Jesus veio para levar a lei e os profetas à perfeição (Bíblia, NT, Mt 5: 17). Ao citar a “lei” o evangelista referia-se aos cinco primeiros livros da Bíblia que, em conjunto, formam o pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). Ao citar os “profetas” o evangelista referia-se aos oráculos proféticos e sermões atribuídos aos profetas israelitas e judeus. Desde Elias (875 a.C.) até Malaquias (450 a.C.) cerca de 20 profetas se destacaram. Profeta, naquela época e cultura, era a pessoa carismática que dizia ter visões do futuro e expressar a vontade de Javé (ou Jeová) deus do povo hebreu. A fonte da autoridade dos profetas sobre o povo e os governantes era a crença de que eles falavam sob inspiração divina (em todas as épocas e lugares os estelionatários da fé religiosa se dizem inspirados por Deus). Quando se excediam nas admoestações, os profetas eram punidos. Isto aconteceu com João Batista e Jesus. Visando a cativar adeptos e mudar os costumes, os dois, no entusiasmo da catequese, excederam-se na agressividade e provocaram a ira do rei, dos sacerdotes e de parcela do povo judeu. João foi decapitado por ordem do rei (Herodes Antipas) e Jesus foi crucificado em execução da sentença proferida pelo tribunal judeu (Sinédrio). No sermão da montanha, Jesus menciona os maus tratos sofridos pelos profetas. Na sinagoga da cidade em que moravam seus pais ele reclama da desconfiança do povo: nenhum profeta é bem aceito em sua pátria.
O deus bíblico considerava os profetas um bando de mentirosos: “São mentiras que proferiram os profetas em meu nome. Não os enviei, não lhes dei ordem e nem mesmo lhes falei. Visões de mentiras, adivinhações vãs, invenções de suas mentes, eis o que profetizam” (Bíblia, AT, Jeremias 14: 14/16). Se assim é, então Jesus veio para levar as mentiras dos profetas à perfeição e tornar-se um mentiroso maior do que eles, um mentiroso perfeito. Quanto à “lei”, se ditada por deus, como consta da escritura, então veio perfeita. Não se leva à perfeição o que já é perfeito. Se o apóstolo Mateus ouviu bem e disse a verdade, então Jesus sabia que a “lei” tinha origem terrena e não divina; que o pentateuco fora escrito por judeus liderados pelo sacerdote Esdras em torno do ano 400 a.C.; que sendo a “lei” obra humana, podia ser aperfeiçoada. Aliás, conforme narrativa de Flávio Josefo, apologista judeu do século I da era cristã, algumas tribos e respectivos chefes faziam oposição a Moisés e o qualificavam de tirano; acusavam-no de haver trocado a escravatura do Egito pela escravatura dele; consideravam tiranas as leis por ele baixadas e não acreditavam que fossem de origem divina (Antigüedades Judias – I. Madri. Akal/Clásica, 1997, p. 206/207). Da Bíblia consta que Javé confiou a Moisés dez mandamentos. Se isto fosse verdade, o carimbo divino teria impedido Jesus de reduzi-los a apenas dois (AT, Êxodo 20: 1/17; NT, Mt 22: 37/40).
A idéia de imperfeição humana combinada com a de alma individual foi o lastro da crença na evolução espiritual e na reencarnação. Essa crença foi chamada inicialmente de bramanismo e posteriormente de hinduísmo (Índia, 3.000 a.C.). Gerado no ventre do hinduísmo, o budismo (Índia, 600 a.C.) supõe o renascimento cíclico para o homem libertar-se do desejo, do prazer, da dor, do sofrimento e atingir a perfeição. Na Europa, a crença brâmane foi lançada em termos ocidentais com pretensões científicas pelo professor de ciências naturais Hipólito Leão Denizar Rivail, pseudônimo Allan Kardec, construtor e divulgador do espiritismo (1857). A doutrina espírita inclui: (1) crença na trajetória do espírito com destino à perfeição através de reencarnações, o que supõe a individualidade e a imperfeição da alma; (2) idéias e fatos atribuídos à manifestação de seres incorpóreos denominados espíritos que habitam um mundo próprio e se comunicam com os seres corpóreos {ao entrarem no corpo de pessoas receptivas (médiuns) os espíritos dos mortos transmitem mensagens e realizam curas}.   
A tese sobre evolução biológica foi exposta na Grécia antiga por Anaximandro (600 a.C.): a vida surgiu na água; a partir do recuo das águas do mar a vida animal evoluiu do organismo simples ao complexo até o humano. Precursor do evolucionismo na ciência ocidental, o francês João Batista Pedro Antonio de Monet, “Cavaleiro de Lamarck”, conhecido como Jean-Baptiste Lamarck, publica a sua teoria da evolução das espécies em 1809, ano em que Darwin nascia e Kardec tinha cinco anos de idade. Esse naturalista afirmava a tendência natural dos seres rumo à perfeição. Sustentava que no evolver de cada espécie os caracteres necessários e úteis são conservados e se desenvolvem; os que não servem mais são descartados. Charles Darwin publica em 1859 a sua teoria da evolução das espécies que tem sido invocada como respaldo científico do espiritismo. Contemporâneo de Kardec e de Darwin, o biólogo inglês Alfred Russel Wallace, co-autor da teoria da evolução, acreditava na influência do mundo invisível sobre o visível e afirmava ser real a comunicação com espíritos (1865). Ainda no século XIX, o filósofo inglês Herbert Spencer aplica a teoria de Darwin à sociedade humana; afirma que a evolução social é parte da evolução universal e que esta implica a sobrevivência do mais apto.
Quanto à evolução cósmica, o hinduísmo inclui a crença na grande respiração de Brahma (expansão e contração do universo); o filósofo Anaximandro referia-se à mudança rítmica de períodos contínuos de criação e decadência; os astrofísicos afirmam a ocorrência de uma explosão inicial e a possibilidade do universo se contrair depois de chegar ao limite da sua atual expansão.

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