Na sessão noturna de quinta-feira
(03/10/2013), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se negou a registrar os
estatutos do partido político denominado Rede de Sustentabilidade, cuja estrela
é a senadora Marina Silva, potencial candidata à presidência da república. O
indeferimento do pedido de registro fundou-se no critério quantitativo: o
postulante não atingiu o número mínimo de assinaturas de eleitores exigido por
lei. A esse tipo de julgamento são desnecessários juiz e tribunal. Bastam o computador,
o operador e o secretário do órgão eleitoral que anotará e publicará o
resultado. O legislador exigiu a intervenção do juiz porque o julgamento no
âmbito judicial não é um cálculo matemático e sim uma operação da inteligência
que exige sensatez, lucidez, discernimento, senso de justiça, sensibilidade em
relação aos valores vigentes na sociedade, razoabilidade e proporcionalidade na
apreciação dos fatos e na aplicação do direito. O juiz trabalha no caso
concreto com aquilo que é (fato) enquanto deve ser (norma) para realizar
justiça (valor moral).
O bom senso e a lógica são
fundamentais ao juiz. A cultura geral e a cultura jurídica contribuem para o
bom julgamento. O legislador constituinte exigiu notável saber jurídico aos
advogados que pretendam ser juízes no TSE. A indicação do candidato cabe ao
Supremo Tribunal Federal e a nomeação ao Presidente da República, sem prévio
concurso, bastando o currículo e o bom relacionamento, o que não é garantia de
boa escolha. Tome-se como exemplo a juíza Luciana Lóssi, ocupando vaga
destinada aos advogados no TSE: notável por ser branca, jovem, bonita e
charmosa, porém os seus pronunciamentos orais não revelam notável saber
jurídico, bem ao contrário, revelam certa indigência intelectual. Da composição
atual do TSE apenas Marco Aurélio e Gilmar Mendes mostram notável conhecimento
jurídico. Sabedoria é um pouco mais do que isto, um estágio mental em que o
indivíduo se conduz no mundo seguindo as diretrizes resultantes de uma profunda
reflexão sobre o conhecimento e a experiência de vida, a verdade e o erro, o
bem e o mal, o sagrado e o profano, o justo e o injusto, o útil e o nocivo, o
amor e o ódio. Sabedoria não se prova em concurso e em sinecuras, mas sim no
modo de se conduzir na vida doméstica e social; projeto existencial indiferente
à opinião alheia. Os demais juízes do TSE também não se destacam pelo notável
saber, embora tenham conhecimento jurídico e pronunciamentos orais
satisfatórios. Os votos escritos apresentam alguma qualidade em virtude da disponibilidade
de tempo e do trabalho dos assessores.
Do que se viu e ouviu na referida
sessão, o partido requerente agiu com lisura e preencheu os requisitos constitucionais,
menos o requisito legal para provar o caráter nacional (CF 17, I + lei
9.096/95, 7º e §§). Faltaram cerca de 30 mil assinaturas para completar 490 mil
assinaturas, número mínimo para o registro dos estatutos no TSE. O partido requerente
existe como pessoa jurídica de direito privado, porém não pode participar do
processo eleitoral enquanto não registrar os estatutos no TSE. O legislador
ordinário estabeleceu essa e outras restrições não autorizadas pela
Constituição. O caráter nacional do novo partido ficou patenteado por adesões
em vários estados da federação. Os órgãos da justiça eleitoral invalidaram
cerca de 90 mil assinaturas. Alegaram falta de tempo, pessoal e material para o
necessário exame. Isto ficou incontroverso na sessão de julgamento. O partido
requerente foi prejudicado pela decisão imotivada de nulidade proferida por órgão
estatal; foi punido por conduta alheia e não por conduta própria. O partido
requerente fez a sua parte e colheu mais de 500 mil assinaturas, número
superior ao mínimo legal. O princípio de legalidade foi por ele obedecido. O
órgão estatal é que desatendeu ao citado princípio quando invalidou aquele enorme
volume de assinaturas sem motivo juridicamente aceitável e sem justificativa
plausível.
Os órgãos subalternos da justiça
eleitoral explicaram a falta de exame das 90 mil assinaturas, mas explicação
não se confunde com justificação e menos ainda com fundamentação jurídica. A
defesa corporativista da presidente do TSE ao pronunciar o seu voto teve por
fim abonar o erro cometido. Todavia, a dedicação e a honestidade dos juízes e
funcionários da justiça eleitoral são reconhecidas e ninguém as colocou em dúvida. Tal
reconhecimento, entretanto, não significa a ingenuidade de imaginar: (i) a
neutralidade política de juízes e funcionários; (ii) a impossibilidade de haver
manipulação (ainda mais se considerarmos o campo minado da corrupção no Brasil).
Eis o fato inconteste: na esfera
administrativa houve aquela imotivada decisão de nulidade que prejudicou o
jurisdicionado. Sem os fundamentos de fato e de direito da decisão
administrativa, o partido requerente ficou impossibilitado de exercer o seu
direito de ampla defesa. A pessoa natural ou jurídica não pode arcar com o
prejuízo gerado pela deficiente prestação do serviço público sem que se lhe
abra ensejo para impugnar o ato ilícito no devido processo jurídico. O jurisdicionado
fica impedido de efetivar essa impugnação se estiverem ocultos os motivos do
ato a ser impugnado. Os atos administrativos devem ser transparentes. Os atos
secretos ficaram sem amparo jurídico no regime político instaurado com a
Constituição de 1988.
Ficou dito na sessão de julgamento que houve anteriores
decisões do TSE negando registro de estatutos a dois partidos políticos por
insuficiência de assinaturas. Na opinião da presidente do TSE, externada em seu
voto, deferir o pedido de registro dos estatutos do partido postulante seria casuísmo, pois, em atenção à isonomia, a
este partido devia ser dado o mesmo tratamento dado a aqueles outros partidos. Essa
opinião implica em dar tratamento igual a situações desiguais; nivelamento ao
invés de igualdade moral e juridicamente válida; perversão do princípio
isonômico. Além do mais, a opinião da ministra é redundante. A tarefa dos
juízes e tribunais é casuística por natureza: conhecer e julgar casos. A
jurisprudência é repertório de casos. A semelhança
entre casos é freqüente: iguais em alguns pontos e diferentes em outros. Cabe ao juiz
verificar se as diferenças são essenciais ou acidentais, se exigem ou não um
tratamento específico. O caso em tela exigia tratamento diferenciado. Se os
casos anteriores eram idênticos ao do
partido da Rede de Sustentabilidade
como asseverou um dos ministros, então a solução adequada era a de corrigir o
erro neles praticado e não a de repetir o erro no caso posterior (igualdade
pervertida). Ademais, a identidade é
rara, pois exige igualdade em todos os pontos dos casos comparados. O obeso ministro
confundiu caso (pleito de registro de
estatutos) com o motivo do
indeferimento (insuficiência de adesões). Ecce
homo.
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