sexta-feira, 4 de outubro de 2013

JUSTIÇA DE LUTO



Na sessão noturna de quinta-feira (03/10/2013), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se negou a registrar os estatutos do partido político denominado Rede de Sustentabilidade, cuja estrela é a senadora Marina Silva, potencial candidata à presidência da república. O indeferimento do pedido de registro fundou-se no critério quantitativo: o postulante não atingiu o número mínimo de assinaturas de eleitores exigido por lei. A esse tipo de julgamento são desnecessários juiz e tribunal. Bastam o computador, o operador e o secretário do órgão eleitoral que anotará e publicará o resultado. O legislador exigiu a intervenção do juiz porque o julgamento no âmbito judicial não é um cálculo matemático e sim uma operação da inteligência que exige sensatez, lucidez, discernimento, senso de justiça, sensibilidade em relação aos valores vigentes na sociedade, razoabilidade e proporcionalidade na apreciação dos fatos e na aplicação do direito. O juiz trabalha no caso concreto com aquilo que é (fato) enquanto deve ser (norma) para realizar justiça (valor moral).  
O bom senso e a lógica são fundamentais ao juiz. A cultura geral e a cultura jurídica contribuem para o bom julgamento. O legislador constituinte exigiu notável saber jurídico aos advogados que pretendam ser juízes no TSE. A indicação do candidato cabe ao Supremo Tribunal Federal e a nomeação ao Presidente da República, sem prévio concurso, bastando o currículo e o bom relacionamento, o que não é garantia de boa escolha. Tome-se como exemplo a juíza Luciana Lóssi, ocupando vaga destinada aos advogados no TSE: notável por ser branca, jovem, bonita e charmosa, porém os seus pronunciamentos orais não revelam notável saber jurídico, bem ao contrário, revelam certa indigência intelectual. Da composição atual do TSE apenas Marco Aurélio e Gilmar Mendes mostram notável conhecimento jurídico. Sabedoria é um pouco mais do que isto, um estágio mental em que o indivíduo se conduz no mundo seguindo as diretrizes resultantes de uma profunda reflexão sobre o conhecimento e a experiência de vida, a verdade e o erro, o bem e o mal, o sagrado e o profano, o justo e o injusto, o útil e o nocivo, o amor e o ódio. Sabedoria não se prova em concurso e em sinecuras, mas sim no modo de se conduzir na vida doméstica e social; projeto existencial indiferente à opinião alheia. Os demais juízes do TSE também não se destacam pelo notável saber, embora tenham conhecimento jurídico e pronunciamentos orais satisfatórios. Os votos escritos apresentam alguma qualidade em virtude da disponibilidade de tempo e do trabalho dos assessores.
Do que se viu e ouviu na referida sessão, o partido requerente agiu com lisura e preencheu os requisitos constitucionais, menos o requisito legal para provar o caráter nacional (CF 17, I + lei 9.096/95, 7º e §§). Faltaram cerca de 30 mil assinaturas para completar 490 mil assinaturas, número mínimo para o registro dos estatutos no TSE. O partido requerente existe como pessoa jurídica de direito privado, porém não pode participar do processo eleitoral enquanto não registrar os estatutos no TSE. O legislador ordinário estabeleceu essa e outras restrições não autorizadas pela Constituição. O caráter nacional do novo partido ficou patenteado por adesões em vários estados da federação. Os órgãos da justiça eleitoral invalidaram cerca de 90 mil assinaturas. Alegaram falta de tempo, pessoal e material para o necessário exame. Isto ficou incontroverso na sessão de julgamento. O partido requerente foi prejudicado pela decisão imotivada de nulidade proferida por órgão estatal; foi punido por conduta alheia e não por conduta própria. O partido requerente fez a sua parte e colheu mais de 500 mil assinaturas, número superior ao mínimo legal. O princípio de legalidade foi por ele obedecido. O órgão estatal é que desatendeu ao citado princípio quando invalidou aquele enorme volume de assinaturas sem motivo juridicamente aceitável e sem justificativa plausível.
Os órgãos subalternos da justiça eleitoral explicaram a falta de exame das 90 mil assinaturas, mas explicação não se confunde com justificação e menos ainda com fundamentação jurídica. A defesa corporativista da presidente do TSE ao pronunciar o seu voto teve por fim abonar o erro cometido. Todavia, a dedicação e a honestidade dos juízes e funcionários da justiça eleitoral são reconhecidas e ninguém as colocou em dúvida. Tal reconhecimento, entretanto, não significa a ingenuidade de imaginar: (i) a neutralidade política de juízes e funcionários; (ii) a impossibilidade de haver manipulação (ainda mais se considerarmos o campo minado da corrupção no Brasil).
Eis o fato inconteste: na esfera administrativa houve aquela imotivada decisão de nulidade que prejudicou o jurisdicionado. Sem os fundamentos de fato e de direito da decisão administrativa, o partido requerente ficou impossibilitado de exercer o seu direito de ampla defesa. A pessoa natural ou jurídica não pode arcar com o prejuízo gerado pela deficiente prestação do serviço público sem que se lhe abra ensejo para impugnar o ato ilícito no devido processo jurídico. O jurisdicionado fica impedido de efetivar essa impugnação se estiverem ocultos os motivos do ato a ser impugnado. Os atos administrativos devem ser transparentes. Os atos secretos ficaram sem amparo jurídico no regime político instaurado com a Constituição de 1988.
Ficou dito na sessão de julgamento que houve anteriores decisões do TSE negando registro de estatutos a dois partidos políticos por insuficiência de assinaturas. Na opinião da presidente do TSE, externada em seu voto, deferir o pedido de registro dos estatutos do partido postulante seria casuísmo, pois, em atenção à isonomia, a este partido devia ser dado o mesmo tratamento dado a aqueles outros partidos. Essa opinião implica em dar tratamento igual a situações desiguais; nivelamento ao invés de igualdade moral e juridicamente válida; perversão do princípio isonômico. Além do mais, a opinião da ministra é redundante. A tarefa dos juízes e tribunais é casuística por natureza: conhecer e julgar casos. A jurisprudência é repertório de casos. A semelhança entre casos é freqüente: iguais em alguns pontos e diferentes em outros. Cabe ao juiz verificar se as diferenças são essenciais ou acidentais, se exigem ou não um tratamento específico. O caso em tela exigia tratamento diferenciado. Se os casos anteriores eram idênticos ao do partido da Rede de Sustentabilidade como asseverou um dos ministros, então a solução adequada era a de corrigir o erro neles praticado e não a de repetir o erro no caso posterior (igualdade pervertida). Ademais, a identidade é rara, pois exige igualdade em todos os pontos dos casos comparados. O obeso ministro confundiu caso (pleito de registro de estatutos) com o motivo do indeferimento (insuficiência de adesões). Ecce homo.

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