sábado, 30 de março de 2013

JESUS, A RESSURREIÇÃO FICTÍCIA



O significado da páscoa cristã se mostra razoável como passagem da religião de Moisés à religião de Jesus. Como celebração da ressurreição, entretanto, a páscoa não goza da mesma razoabilidade. A ressurreição supõe morte antecedente. Se não houver morte, não haverá ressurreição. Se Jesus não morreu na cruz, não ressuscitou. A morte do ser humano ocorre quando cessam as funções respiratória, cardíaca e cerebral; quando não há mais instinto, desejo, vontade, sentimento e pensamento. A personalidade transita do mundo material ao mundo espiritual em definitivo abandono do corpo. Haverá retorno apenas se a morte for aparente. Quando alguém sobrevive a uma parada cardíaca, por exemplo, fala-se em ressurreição no sentido figurado, eis que não houve morte real. A bíblia menciona pessoas ressuscitadas por Elias e Eliseu (antigo testamento) e também por Jesus e Pedro (novo testamento), na mesma atmosfera ilusionista. 

Depois do episódio da crucifixão, a páscoa cristã passou a celebrar a ressurreição de Jesus e não apenas a passagem do culto mosaico ao cristão. A crença na ressurreição facilitou a difusão da doutrina cristã e fortaleceu a igreja primitiva.

Houve artimanha. Dois príncipes judeus, pelo menos, José de Arimatéia e Nicodemus, discordaram da condenação de Jesus pelo Sinédrio (tribunal judeu). Logo após a crucifixão, Arimatéia reclamou o corpo a Pilatos. Ao manifestar estranheza pela rapidez da morte, Pilatos mostrou que se deixava enganar intencionalmente e aceitou o testemunho do centurião (Marcos 15: 44/45). Homem rico, José de Arimatéia pagou o soldado para testemunhar na forma do costume. No império romano, oferecer e receber propina era praxe observada por civis e militares desde o escalão mais alto até o mais baixo sem reprovação moral ou jurídica. Nas províncias, governadores e procuradores recebiam propinas, presentes, embolsavam parte da receita tributária e enriqueciam regularmente. (Mateus 28: 11/15; História da Vida Privada. Do Império Romano ao Ano Mil. Org. Paul Veyne. São Paulo, Companhia das Letras, vol. I, 2009, pág.94/98).

Aquela farsa encenada por Pilatos, Arimatéia e pelo centurião cunhou de legalidade a liberação do corpo e possibilitou a retirada de Jesus da cruz ainda com vida. Realmente, os três crucificados estavam vivos quando um deles (Jesus) foi retirado da cruz. Os dois remanescentes tiveram suas pernas quebradas para apressar suas mortes.

A sentença de morte ditada por qualquer tribunal que não fosse romano só podia ser executada com permissão da autoridade romana. O tribunal judeu (Sinédrio) condenara Jesus à morte e seus juízes pleiteavam junto a Pilatos a execução da sentença. Diante da acusação formulada pelas autoridades judias de que Jesus era agitador, revolucionava o povo, queria ser rei e afrontava o imperador romano, Pilatos se viu obrigado a cumprir dever militar e político. Ante a insistência e as ameaças dos judeus, ele faz o gesto simbólico de reconhecimento pessoal da inocência do prisioneiro: lava as mãos. A seguir, entrega Jesus à sanha dos algozes. Resolve, entretanto, aborrecer aquela gente: manda colocar uma placa no alto da cruz com a inscrição Jesus Nazareno Rei dos Judeus. As autoridades judias protestaram: ele dizia ser, mas não era rei. Pilatos rejeitou o protesto e manteve a placa e a inscrição acintosa (João 19: 19/22). Agora, ao liberar o corpo com vida, ele cumpria dever civil perante a sua consciência ao mesmo tempo em que se desforrava da petulância e insolência daqueles judeus.

Na quinta-feira, Jesus e seu grupo celebraram a páscoa cristã; na sexta-feira, houve a crucifixão; no sábado, a páscoa judia (celebra a saída do povo hebreu do Egito). No domingo, Maria Madalena, companheira de todas as horas, não reconhece Jesus. Pensou tratar-se do jardineiro (João 20: 14/15). Outros componentes do grupo também não o reconheceram. Esta intrigante falta de reconhecimento por gente que lhe era próxima e íntima dá margem a duas hipóteses: (i) tratava-se de outra pessoa; (ii) era a mesma pessoa com visual diferente. A segunda hipótese é a mais provável se aceitarmos como verídicos os fatos posteriores à aparição narrados pelos evangelistas.

Jesus foi colocado no sepulcro que havia no jardim de propriedade de José de Arimatéia. Ali recebeu os primeiros socorros. Os terapeutas nazarenos rasparam-lhe a cabeça, cortaram-lhe a barba e o vestiram com roupa comum (jardineiro) tudo para evitar que ele fosse reconhecido por seus perseguidores. Como propriedade particular, o jardim era de exclusiva disposição do seu dono, na forma da lei. Os limites da propriedade só eram franqueados a quem o dono autorizasse. Por isto, guardas no local, selo na pedra e descida de um anjo que rolou a pedra são fatos que só existiram na maliciosa imaginação de Mateus (27: 62/66 + 28: 2/6). Nos evangelhos de Marcos, Lucas e João essa fantasia não foi acolhida.

Os apóstolos haviam convivido por alguns anos com um rabi nazareno (cabelos longos, barba comprida, túnica branca e sandália). De repente, aparece um homem de cabeça raspada, rosto liso, roupa comum, se dizendo o rabi crucificado. O espanto deles era natural e a dúvida compreensível. Para convencê-los, Jesus exibiu as marcas dos pregos nas mãos e nos pés, alimentou-se na presença deles e falou de assuntos da irmandade (Lucas 24: 16, 36/43). Ali não estava um corpo astral e sim um corpo biológico com apetite natural, sentidos físicos e atividade mental de quem não morrera na cruz. A dieta saudável dos nazarenos, a ceia pascal da quinta-feira e a terapêutica mística deram-lhe forças suficientes para agüentar a agressão física. Essa agressão foi narrada com exagero pelos evangelistas, pela igreja e por cineastas como Mel Gibson, visando a causar impacto, provocar comiseração e conquistar simpatia. Na verdade, a agressão foi de extensão e intensidade bem menores. Porém, como se diz no mundo moderno: a propaganda (enganosa) é a alma do negócio.

Escritores judeus e cristãos ampliaram acontecimentos favoráveis aos seus povos e às suas crenças, criaram mitos e heróis, inventaram milagres e diálogos com a divindade, endeusaram reis e profetas, difamaram pessoas, manipularam números, obscureceram fatos, alteraram textos, deixaram vícios e defeitos à sombra quando lhes convinha. Entre os críticos das graves contradições e manipulações dos textos bíblicos e da figura do Jesus histórico, inclusive no que concerne à ressurreição, alinha-se o professor Pepe Rodríguez, doutor em psicologia, no livro de sua autoria Mentiras Fundamentales de la Iglesia Católica (Barcelona, Ediciones B, 2011). 

O filósofo dinamarquês Soeren Kierkegaard, ao constatar essa falta de honestidade intelectual e de transparência histórica na elaboração de textos, afirmou: A História assim se apresenta como uma ficção criada pela mente construtiva dos eruditos e professores ao arrumarem o infinito dos fatos acontecidos numa tela fantástica e irreal (apud Vicente Ferreira da Silva, in “Obras Completas”, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, 1966, vol.II, pág. 348).

Prece cuja repetição na missa condiciona a mente dos fiéis coloca Jesus entre os mortos, o faz descer ao inferno e ressuscitar. O inferno de Jesus foi Jerusalém. Começou com as hostilidades da parcela maior da elite e do povo judeu durante a pregação da nova doutrina e continuou no Monte das Oliveiras, na assembléia do Sinédrio, no palácio de Herodes Antipas, no pretório de Pôncio Pilatos e terminou no Calvário. A morte e ressurreição era versão necessária para impactar o espírito do povo e convencê-lo de que se cumpriram profecias contidas na bíblia, antigo testamento, entre as quais as do profeta Isaías (7: 14/15; 9: 5/6; 42: 1/4; 52: 13/15; 53).

Segundo Mateus (27: 51/53) Jesus não foi o único a ressuscitar naquele dia: a terra tremeu, fenderam-se as rochas; os sepulcros se abriram e os corpos de muitos justos ressuscitaram; saindo das suas sepulturas entraram na cidade santa depois da ressurreição de Jesus e apareceram a muitas pessoas. Parece filme de terror produzido pela fértil imaginação de Mateus. Os demais evangelistas não se atreveram a tanto!

O professor Darrell L. Bock diz que a ressurreição é o choque entre a vida e a morte do qual a vida sai vencedora (Quebrando o Código Da Vinci. Osasco, Novo Século, 2004, pág. 176). Esta é uma visão marcial não só desse professor, mas também de outros escritores: guerra da vida contra a morte. Ter-se-á panorama diferente se a morte for vista como passagem de uma forma de vida (terrena) a outra forma de vida (espiritual). A idéia de conflito entre a vida e a morte perderá o sentido; não haverá vencedor, nem vencido. A ótica marcial mostrar-se-á inadequada. Completada a transição, não haverá retorno. E reencarnação, haverá? Se houver, exigirá um novo corpo e um novo tempo. Com boas razões, há crentes e descrentes. 

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