sábado, 6 de abril de 2013

ADULTÉRIO NA BÍBLIA



Durante milênios, a capacidade de gerar filhos foi valorizada e abençoada. A esterilidade era vista como deficiência feminina. As mulheres estéreis buscavam meios para compensar esse infortúnio. O homem tinha a seu favor a presunção de fertilidade e a licença de possuir várias mulheres, esposas ou não. Essa mentalidade propiciou algumas lendas.

Consta do livro da Bíblia intitulado Gênesis (6: 1-4) que no tempo dos gigantes aqui na Terra as mulheres transavam com os “Filhos de Deus”. Os seus rebentos tornavam-se heróis. Há também notícia de casos incestuosos como o de Lot e suas filhas. O escritor bíblico justificou o incesto afirmando que as filhas embriagaram o pai e com ele transaram a fim de assegurar a descendência (Gênesis 19: 30/38). Habitando uma caverna na montanha só com suas duas filhas, Lot nada viu e nada sentiu e nada ficou sabendo, apesar de transar com elas mais de uma vez. Sempre que lhes convém, os escritores bíblicos criam uma aura de santidade, de necessidade ou de finalidade superior em torno da conduta dos adúlteros, dos proxenetas, dos larápios e genocidas. Justificam, por exemplo, relações sexuais de mulheres casadas fora do matrimônio ou de mulheres solteiras ou viúvas que as mantiveram de maneira livre.

O livro da Bíblia intitulado Judite narra feito heróico dessa linda mulher, rica e viúva, que impediu a queda de Jerusalém frente ao exército assírio. Enquanto as autoridades judias e os anciãos rasgavam as roupas, jogavam cinzas sobre suas próprias cabeças, desesperados ante a presença das forças estrangeiras, Judite se embelezou, se perfumou, orou e com as suas servas dirigiu-se ao acampamento assírio, entrevistou-se com o comandante (Holofernes), seduziu-o sem com ele se deitar e o decapitou enquanto ele dormia embriagado pelo excesso de vinho. Levou a cabeça de Holofernes como troféu e instruiu os judeus para que atacassem o inimigo que estava desarvorado pela perda do comandante. Os assírios foram derrotados e a Judéia desfrutou da paz por 100 anos até ser conquistada por Nabucodonosor.

O episódio da sedução é fantasia, obviamente. Um vitorioso e selvagem guerreiro assírio em campanha bélica longe do seu país não ficaria sem transar com uma bela, perfumada e elegante mulher que o visitava e pousava à noite em sua tenda. O insucesso dos assírios está contado de modo diferente no livro de Isaías. No apêndice histórico (capítulos 36/39) oráculo refere-se à intervenção divina. Os assírios haviam conquistado o reino de Israel e se dirigiam ao reino de Judá quando o Anjo do Senhor apareceu e feriu 185 mil homens. Na verdade, epidemia ou peste que se abateu sobre as tropas deixando milhares enfraquecidos ou mortos. Sobre a formosa e sedutora Judite, nada consta no livro do profeta.   

Conforme um dos manuscritos do Mar Morto intitulado Apócrifo do Gênesis o judeu Lamec suspeitava que sua esposa Betones mantinha relações extraconjugais com um anjo. Ela engravidara e dera luz a Noé (aquele da arca). O pai de Noé seria, pois, um anjo (Gênesis 5: 28/30 + Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto. Coletânea de ensaios organizada por Hershel Shanks. Rio de Janeiro. Editora Imago S/A, 1993, pág. 206).

Sara, a bela e estéril esposa de Abraão, prestou favores sexuais ao faraó do Egito. Abraão instruíra Sara para se apresentar como sua irmã e não como sua esposa. Isto rendeu tratamento especial a Abraão, que recebeu ovelhas, bois, jumentos, camelos, servos e ficou muito rico em rebanhos, prata e ouro. O mesmo estratagema Abraão utilizou posteriormente com Abimelec, rei de Gerara, o que lhe rendeu mais ovelhas, bois, servos, moedas de prata e terras. Abraão dizia não mentir porque de fato Sara era sua irmã, pois ambos eram filhos do mesmo pai. Na sua velhice, após receber a visita do Senhor, Sara engravidou e pariu um filho, certamente fruto da esperteza dela para evitar que a rica herança do patriarca fosse para Ismael, o filho mais velho de Abraão e da escrava Agar (Gênesis 12: 11/16; 16: 1/7; 20: 2,12/16; 21: 1/3).

Do livro da Bíblia intitulado Juízes (13: 2/7, 24) consta que a estéril esposa de Manué, quando se achava no campo, transou com um homem que lhe aparecera como anjo e lhe prometera um filho. Ela engravidou, pariu Sansão e o fez nazareno ao consagrá-lo a Deus. Sansão foi juiz hebreu e ficou famoso por sua força física e seu romance com Dalila.

Do livro da Bíblia intitulado 1-Samuel (1: 2, 5, 20, 24/28) consta que Ana, uma das esposas de Elcana, era estéril, orou a Deus e conseguiu engravidar. Pariu Samuel e o fez nazareno ao consagrá-lo a Deus. Entregou o menino ao sacerdote em Silo, na casa do Senhor, depois do período de amamentação. O marido contentou-se com os filhos que tinha com Fenena, sua outra esposa. Samuel foi juiz hebreu e sagrou Saul o primeiro rei de Israel.

Longe dos maridos, as primas Isabel (estéril?) e Maria (virgem?) transaram com homens que se diziam anjos. Engravidaram e trouxeram à luz João Batista e Jesus (evangelhos de Lucas 1; 7, 13, 19, 24 + Mateus 1: 18, 21/23). As duas consagraram os filhos a Deus, tornando-os nazarenos. Cessado o período da amamentação, Isabel entregou João ao mosteiro de Qumran, na Judéia, e Maria entregou Jesus ao mosteiro do Monte Carmelo, na Galiléia. Os maridos certamente sentiram-se aliviados ao se livrarem dos bastardos. José, esposo de Maria, percebera que aquele nascituro fora concebido na sua ausência. Daí a constatação objetiva de Celso, filósofo romano do século II (101-200) de que Jesus nascera do adultério de Maria.

No que tange ao nascimento virginal, trata-se de lenda antiga. Conforme tradicionais relatos, inúmeros “Filhos de Deus” nasceram de mães virgens ou estéreis graças à intervenção da divindade. Nesse rol incluem-se: Amenófis III (Egito), Zoroastro (Pérsia), Gilgamesh (Babilônia), Perseu (Grécia), Krishna e Buda (Índia), Lao-Tsé (China), Gengis Kan (Mongólia), Jesus Nazareno (Palestina). Na verdade, todos nasceram das relações sexuais entre homem e mulher. As leis da natureza são leis divinas inflexíveis. Alguns humanos mais espertos inventam exceções visando ao domínio de indivíduos e grupos, de gente crédula ou ignorante. Tratam o ato sexual como pecaminoso e o prazer sexual como sensação animal asquerosa. O sêmen e o óvulo são vistos como coisas orgânicas sujas. A saída da criança pela vagina é vista como impureza. Segundo essa visão, seres eminentes (filhos da divindade, mensageiros de Deus) concebidos pelo sêmen divino não podem provir de meio impuro. Na tradição hebréia havia ritual de purificação após o parto. Tradições chinesas referem-se ao nascimento dos “Filhos do Céu” pela orelha, pelo peito ou pelas costas da mãe.

O povo acolhe cegamente os ensinamentos dos Filhos de Deus guardados, manipulados e transmitidos pela religião e pelo governo (faraó, rei, chefe). No meio social, a crença religiosa alicerçada em tais ensinamentos pesa mais do que a teoria de um cientista, o pensamento de um filósofo ou a pesquisa de um professor. A partir do século V (401-500) o cristianismo foi o pilar religioso da cultura européia e da civilização ocidental. No século XXI (2001-2100) religiões como o cristianismo, islamismo, budismo, hinduismo, continuam a influir no destino da humanidade, a orientar a conduta de indivíduos e de nações mediante regras, exercícios espirituais e crença na vida em um mundo metafísico após a morte do corpo físico.

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