Durante milênios, a capacidade de gerar filhos foi
valorizada e abençoada. A esterilidade era vista como deficiência feminina. As
mulheres estéreis buscavam meios para compensar esse infortúnio. O homem tinha
a seu favor a presunção de fertilidade e a licença de possuir várias mulheres,
esposas ou não. Essa mentalidade propiciou algumas lendas.
Consta do livro da Bíblia intitulado Gênesis (6: 1-4)
que no tempo dos gigantes aqui na Terra as mulheres transavam com os “Filhos de
Deus”. Os seus rebentos tornavam-se heróis. Há também notícia de casos
incestuosos como o de Lot e suas filhas. O escritor bíblico justificou o
incesto afirmando que as filhas embriagaram o pai e com ele transaram a fim de
assegurar a descendência (Gênesis 19: 30/38). Habitando uma caverna na montanha
só com suas duas filhas, Lot nada viu e nada sentiu e nada ficou sabendo,
apesar de transar com elas mais de uma vez. Sempre que lhes convém, os
escritores bíblicos criam uma aura de santidade, de necessidade ou de
finalidade superior em torno da conduta dos adúlteros, dos proxenetas, dos
larápios e genocidas. Justificam, por exemplo, relações sexuais de mulheres
casadas fora do matrimônio ou de mulheres solteiras ou viúvas que as mantiveram
de maneira livre.
O livro da Bíblia intitulado Judite narra feito heróico dessa linda mulher, rica e viúva, que
impediu a queda de Jerusalém frente ao exército assírio. Enquanto as
autoridades judias e os anciãos rasgavam as roupas, jogavam cinzas sobre suas
próprias cabeças, desesperados ante a presença das forças estrangeiras, Judite
se embelezou, se perfumou, orou e com as suas servas dirigiu-se ao acampamento assírio,
entrevistou-se com o comandante (Holofernes), seduziu-o sem com ele se deitar e
o decapitou enquanto ele dormia embriagado pelo excesso de vinho. Levou a
cabeça de Holofernes como troféu e instruiu os judeus para que atacassem o
inimigo que estava desarvorado pela perda do comandante. Os assírios foram
derrotados e a Judéia desfrutou da paz por 100 anos até ser conquistada por
Nabucodonosor.
O episódio da sedução é fantasia, obviamente. Um vitorioso
e selvagem guerreiro assírio em campanha bélica longe do seu país não ficaria
sem transar com uma bela, perfumada e elegante mulher que o visitava e pousava
à noite em sua tenda. O insucesso dos assírios está contado de modo diferente
no livro de Isaías. No apêndice histórico (capítulos 36/39) oráculo
refere-se à intervenção divina. Os assírios haviam conquistado o reino de
Israel e se dirigiam ao reino de Judá quando o Anjo do Senhor apareceu e
feriu 185 mil homens. Na verdade, epidemia ou peste que se abateu sobre as
tropas deixando milhares enfraquecidos ou mortos. Sobre a formosa e sedutora
Judite, nada consta no livro do profeta.
Conforme um dos manuscritos do Mar Morto intitulado Apócrifo do Gênesis o judeu Lamec
suspeitava que sua esposa Betones mantinha relações extraconjugais com um anjo.
Ela engravidara e dera luz a Noé (aquele da arca). O pai de Noé seria, pois, um
anjo (Gênesis 5: 28/30 + Para Compreender
os Manuscritos do Mar Morto. Coletânea de ensaios organizada por Hershel
Shanks. Rio de Janeiro. Editora Imago S/A, 1993, pág. 206).
Sara, a bela e estéril esposa de Abraão, prestou
favores sexuais ao faraó do Egito. Abraão instruíra Sara para se apresentar
como sua irmã e não como sua esposa. Isto rendeu tratamento especial a Abraão,
que recebeu ovelhas, bois, jumentos, camelos, servos e ficou muito rico em
rebanhos, prata e ouro. O mesmo estratagema Abraão utilizou posteriormente com
Abimelec, rei de Gerara, o que lhe rendeu mais ovelhas, bois, servos, moedas de
prata e terras. Abraão dizia não mentir porque de fato Sara era sua irmã, pois
ambos eram filhos do mesmo pai. Na sua velhice, após receber a visita do Senhor, Sara engravidou e pariu um filho,
certamente fruto da esperteza dela para evitar que a rica herança do patriarca
fosse para Ismael, o filho mais velho de Abraão e da escrava Agar (Gênesis 12:
11/16; 16: 1/7; 20: 2,12/16; 21: 1/3).
Do livro da Bíblia intitulado Juízes (13: 2/7, 24) consta que a estéril esposa de Manué, quando
se achava no campo, transou com um homem que lhe aparecera como anjo e lhe
prometera um filho. Ela engravidou, pariu Sansão e o fez nazareno ao
consagrá-lo a Deus. Sansão foi juiz hebreu e ficou famoso por sua força física
e seu romance com Dalila.
Do livro da Bíblia intitulado 1-Samuel (1: 2, 5, 20, 24/28) consta que Ana, uma das esposas de
Elcana, era estéril, orou a Deus e conseguiu engravidar. Pariu Samuel e o fez
nazareno ao consagrá-lo a Deus. Entregou o menino ao sacerdote em Silo, na casa do Senhor, depois do período de
amamentação. O marido contentou-se com os filhos que tinha com Fenena, sua
outra esposa. Samuel foi juiz hebreu e sagrou Saul o primeiro rei de Israel.
Longe dos maridos, as primas Isabel (estéril?) e Maria
(virgem?) transaram com homens que se diziam anjos. Engravidaram e trouxeram à
luz João Batista e Jesus (evangelhos de Lucas 1; 7, 13, 19, 24 + Mateus 1: 18,
21/23). As duas consagraram os filhos a Deus, tornando-os nazarenos. Cessado o
período da amamentação, Isabel entregou João ao mosteiro de Qumran, na Judéia,
e Maria entregou Jesus ao mosteiro do Monte Carmelo, na Galiléia. Os maridos
certamente sentiram-se aliviados ao se livrarem dos bastardos. José, esposo de
Maria, percebera que aquele nascituro fora concebido na sua ausência. Daí a
constatação objetiva de Celso, filósofo romano do século II (101-200) de que
Jesus nascera do adultério de Maria.
No que tange ao nascimento virginal, trata-se de lenda
antiga. Conforme tradicionais relatos, inúmeros “Filhos de Deus” nasceram de
mães virgens ou estéreis graças à intervenção da divindade. Nesse rol
incluem-se: Amenófis III (Egito), Zoroastro (Pérsia), Gilgamesh (Babilônia),
Perseu (Grécia), Krishna e Buda (Índia), Lao-Tsé (China), Gengis Kan (Mongólia),
Jesus Nazareno (Palestina). Na verdade, todos nasceram das relações sexuais
entre homem e mulher. As leis da natureza são leis divinas inflexíveis. Alguns
humanos mais espertos inventam exceções visando ao domínio de indivíduos e
grupos, de gente crédula ou ignorante. Tratam o ato sexual como pecaminoso e o
prazer sexual como sensação animal asquerosa. O sêmen e o óvulo são vistos como
coisas orgânicas sujas. A saída da criança pela vagina é vista como impureza.
Segundo essa visão, seres eminentes (filhos
da divindade, mensageiros de Deus) concebidos pelo sêmen divino não podem
provir de meio impuro. Na tradição hebréia havia ritual de purificação após o
parto. Tradições chinesas referem-se ao nascimento dos “Filhos do Céu” pela
orelha, pelo peito ou pelas costas da mãe.
O povo acolhe cegamente os ensinamentos dos Filhos de Deus guardados, manipulados e
transmitidos pela religião e pelo governo (faraó, rei, chefe). No meio social,
a crença religiosa alicerçada em tais ensinamentos pesa mais do que a teoria de
um cientista, o pensamento de um filósofo ou a pesquisa de um professor. A
partir do século V (401-500) o cristianismo foi o pilar religioso da cultura
européia e da civilização ocidental. No século XXI (2001-2100) religiões como o
cristianismo, islamismo, budismo, hinduismo, continuam a influir no destino da
humanidade, a orientar a conduta de indivíduos e de nações mediante regras,
exercícios espirituais e crença na vida em um mundo metafísico após a morte do
corpo físico.
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