sábado, 2 de março de 2013

ENCONTRO NA PRAÇA



Olavo, meu camarada! Como vai essa força?

Ora, ora, se não é o Arquibaldo!

Sou eu mesmo. O que faz você aqui nesta praça, em manhã de sol, todo enternado, engravatado e ensapatado? Noto que você carrega sofisticada valise de couro. Será que aquele adolescente tímido do curso colegial abraçou profissão que exige espírito de luta?

Ô Arquibaldo, você não perdeu a maneira jocosa de se expressar e aquele jeito extrovertido que a turma do colégio admirava. Pois é. Adivinhou. Sou advogado. Estou de roupa de trabalho porque meu escritório fica ali naquele prédio. Deixo meu carro no estacionamento deste outro lado da praça.

O que você me conta, Olavo, está tudo bem?

Sim, está tudo bem. Enfrento dificuldades normais no exercício profissional e na consolidação da família. Chegam os filhos e o sossego bate asas. Sou pai de dois: o rapaz formado em direito e a moça em pedagogia. Moro na Barra da Tijuca. Marieta, minha esposa, formou-se em psicologia e montou consultório na Zona Sul. Além disto, atua como assistente dos juízes em varas de família. Continuo a torcer pelo Flamengo. Mantenho-me longe dos partidos, mas acompanho o desempenho dos políticos eleitos. Da crise econômica mundial de 2008, por exemplo, acho que o governo brasileiro saiu-se bem. Já no quesito honestidade não se pode dizer o mesmo. Na democracia impera a lei elaborada pelos representantes do povo. Quando a casa dos representantes vira covil de ladrões e vagabundos, o império da lei torna-se um risco para a democracia e para a justiça. Os juizes têm de buscar escoras nas vigas mestras do Direito para escapar da involuntária cumplicidade com as safadezas dos legisladores. Creio que a postura enérgica do supremo tribunal na ação penal do “mensalão”, por exemplo, não intimidará os corruptos. O mal é congênito. Mas, Arquibaldo, fale-me de você.

Tentei engenharia, mas desisti. Prestei concurso, ingressei no serviço público, fiz carreira e me aposentei com proventos insuficientes para uma vida cômoda. Continuo a trabalhar como corretor de imóveis para reforçar a renda mensal. Por duas vezes casei e me separei. Moro sozinho no Leme. Cansei das rondas noturnas pelos bares de Copacabana, Leblon e Gávea. Para mim, a boemia perdeu a graça. À Lapa, eu só vou para acompanhar algum amigo em visita ao Rio. Quase não vou ao teatro. Meus atores preferidos morreram e restam poucas atrizes do meu agrado. Cinemas de que eu tanto gostava fecharam as portas. Não há mais glamour. Salas insossas nos shoppings. Poucos filmes de boa qualidade. Ainda resta a pipoca. Assisto a alguns programas na televisão. Durmo cedo e acordo cedo. Tomo o café da manhã na padaria ao lado do edifício onde moro. Pão quentinho que derrete a manteiga. Na xícara, fumegando, um estimulante café. Não troco esse café nem pelo sortido café do Sheraton. Há delícias que só a simplicidade propicia. Do primeiro casamento, tenho um filho que se formou em medicina; do segundo, duas filhas: uma formada em odontologia e outra em educação física. O meu time do coração continua a ser o Fluminense. Lembra da algazarra que eu fazia no pátio do colégio quando o tricolor vencia? O inspetor de alunos acabava com a festa. Ele era vascaíno. Fui militante na política partidária e tirei bom proveito disto. Para mim, obtive cargos em comissão e gratificações que engordavam a renda. Para meus filhos, consegui boas colocações enquanto eles cursavam a faculdade. Ontem eu tentava vender apartamento para um cliente da imobiliária quando ele mencionou a proximidade da data do fim do mundo. Dei a mínima para aquela bobagem. O mundo acaba para quem morre.

Pois eu, enquanto aguardava o fim do mundo participei de uma rodada de chope com os amigos na hora do almoço. À noite, em casa, a família se reuniu em jantar festivo organizado por Marieta. A crença no fim do mundo, Arquibaldo, é armadilha do intelecto. Vida e morte, começo e fim, são idéias fincadas na experiência humana. Os seres vivos nascem e morrem. Estrelas nascem e morrem. Civilizações emergem, ascendem e declinam. Fácil pensar então – ainda mais com apoio em escrituras religiosas – que o cosmos também teve começo e terá fim. No meu entender, fim terá a vida em nosso planeta quando o sol queimar todo o seu combustível, o que levará milhões de anos. 

Estou com você, Olavo. Não descarto a extinção acidental da vida em extensão planetária por cataclismo decorrente do choque com algum corpo celeste de enorme dimensão, ou por hecatombe nuclear provocada pela doidice das lideranças mundiais. As verdades científicas são sempre provisórias. A inteligência humana passa por altos e baixos. A mediocridade ocupa o espaço maior na comunidade humana. Veja alguns exemplos domésticos: Academia Brasileira de Letras, nos últimos cinqüenta anos tornou-se abrigo de mentecaptos. No ensino, a decadência é notória. Raros são os estabelecimentos em que o ensino é de boa qualidade. Profissionais de formação acadêmica cometem erros crassos com graves prejuízos aos clientes, à sociedade e ao Estado. A presidente da República deu uma paulada no vernáculo ao exigir tratamento de Presidenta, além do embaraço ao se expressar sem muletas. 

A conversa está boa, mas o tempo voa. Gostou da rima? Preciso ir ao escritório elaborar petições e me preparar para uma audiência vespertina. Vamos nos encontrar mais vezes de agenda marcada e não ao acaso. Não vamos dar chance à saudade. Dá cá um abraço.

Saudade, Olavo, é bom e nostálgico sentimento provocado pela recordação das experiências registradas em nossa memória e que deixaram marcas em nosso coração. Gosto de curtir as doces lembranças e não só o momento atual. Agora, sigo para o apartamento do meu filho no Leblon, coloco traje de banho e vou à praia porque está no meu horário. Vá lá o abraço.

Traje de banho? Horário de praia? O que é isso, Arquibaldo? Você quer me impressionar ou me provocar inveja?

Nem uma coisa, nem outra. O traje de banho compõe-se de sunga e sandália. Horário de praia é o período da manhã que eu escolhi para caminhar na areia e tomar banho de mar. Nesse horário a praia é freqüentada por mulheres bonitas e de corpos torneados em academia. Quando elas mergulham, os traseiros roliços e firmes brilham ao sol antes de sumirem na água. Colírio para os olhos. Isto me basta, pois além de senil, estou um bagaço. 

Sentindo a fofa areia da praia sob os pés, Arquibaldo pensava enquanto caminhava: será que Olavo acreditou em tudo o que eu disse? A troca de endereços e telefones foi para valer? Sabemos que não. “Apareça”, “me liga”, expressões convencionais que se esgotam em si mesmas. Passam os anos e não aparecemos, nem ligamos.

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