segunda-feira, 1 de outubro de 2012

CIÊNCIA E FICÇÃO


Assim como os poetas, alguns cientistas também têm os seus devaneios. Quando estudam a estrutura do cosmos ou buscam a menor estrutura da matéria, surpreendem-se e se maravilham com algumas descobertas, embora não possam expressá-las na linguagem comum. Utilizam linguagem matemática. Ao se expressarem no vernáculo pisam na movediça areia das conjecturas e vagueiam na fantasia.

Cosmologistas afirmam que a vida só foi possível porque a evolução do cosmos, desde a explosão primordial (big bang), tomou um rumo programado para a emergência do ser humano. A essa proposição teleológica denominam princípio antrópico. Enunciam-no de dois modos à semelhança das forças nucleares: (i) forte: “em algum estágio da sua evolução o universo deve permitir a criação de observadores” (Brandon Carter); (ii) fraco: “a vida surgiu porque a evolução do universo seguiu um rumo particular e a menor distorção nesse rumo tornaria a vida impossível” (Stephen Hawking). Esse princípio implica retorno ao antropismo onde se alojam a concepção antropocêntrica do universo e a idéia de que o ser humano se distingue da natureza e é semelhante a Deus. Recoloca no conhecimento científico a assertiva de Protágoras de que o homem é a medida de todas as coisas. Os dois mencionados cientistas (Carter e Hawking) utilizam o vocábulo vida no sentido estrito (vegetal e animal). No sentido amplo, vida é energia fundamental geradora e mantenedora do universo. Neste amplo sentido, a vida não foi gerada pelo universo; o universo é que foi gerado pela vida. O sentido amplo ajusta-se à tríade mística que expressa a base constituinte do universo: Luz + VIDA + Amor. 

O modo forte (que se refere à vida no sentido estrito) supõe a criação de observadores (seres sensíveis e inteligentes) em determinado estágio da evolução. Trata-se de pensamento regressivo: vai do presente ao passado, do fato gerado à fonte geradora. O enunciado normativo “o universo deve permitir a criação” é inadequado. O fenômeno da evolução física é ontológico; a sua lógica é a do ser e não a do dever ser. O universo nada deve a ninguém. A noção do dever é própria da ética, isto é, do mundo cultural humano e não do mundo da natureza. O surgimento de observadores (seres sensíveis e inteligentes) ocorreu porque tinha de acontecer em algum momento da evolução, segundo o determinismo próprio da natureza.

O modo fraco (que se refere à vida no sentido estrito) pode ser enunciado da seguinte forma: as coisas são o que são (princípio da identidade), mas podiam ser diferentes se outro fosse o rumo da evolução ou se houvesse distorção do rumo original (princípio da eventualidade). Proposição óbvia fundada no pensamento vulgar: tudo o que existe podia ser diferente se a matriz fosse outra. A evolução do universo tomou as direções que tinha de tomar segundo a sua causa eficiente. Cai no terreno da especulação sem objetividade científica a assertiva de que a vida seria impossível se houvesse distorção no rumo particular tomado pela evolução do universo. Supõe que Deus (ou o primeiro motor) – sem aventar a hipótese de distorção do rumo escolhido – dispunha de algumas opções e escolheu o tipo de evolução que conduziria ao surgimento dos seres sensíveis e inteligentes. Tal suposição é crença e não ciência.

O fato é que não houve distorção alguma e seres vivos existem há bilhões de anos desde as protobactérias (3 bilhões de anos) até o homo sapiens (300 mil anos). A evolução do universo é um processo natural que tem a sua lógica interna, o seu próprio impulso e as suas diferentes fases no tempo e no espaço. Não há “rumo particular”. A partir da explosão inicial o universo expandiu-se em todas as direções e assim continuará, talvez por algum tempo, talvez eternamente. Daí, a forma esférica que Stephen Hawking atribui ao universo e a imagem por ele sugerida de um balão de borracha que ao inchar distribui e distancia as galáxias umas das outras (“O Universo numa Casca de Noz”. São Paulo. Arx, 2001).

A incerteza verificada pelos físicos no mundo das partículas integra o processo natural. O que para a mente humana é erro, distorção, incerteza, acaso, ausência de causalidade, para o processo natural é apenas variedade. A natureza é indiferente aos valores e conceitos humanos. Mediante conceitos que formula, o humano expressa a compreensão de si próprio, do mundo cultural, do mundo natural e do mundo transcendental. As noções de tempo e espaço servem a esse desiderato como categorias instrumentais da mente para medir, calcular e situar. Na China do século XII d.C., certa corrente idealista inspirada no budismo afirmava que tempo e espaço eram criações da mente humana. A intuição – e não o raciocínio lógico – era o caminho adequado para se chegar à verdade transcendental. O universo físico era reflexo das idéias emanadas do mundo espiritual. O introdutor do idealismo na China, Lu Chiu-Yuan (1138-1191 d.C.) certamente teve acesso à teoria de Platão. (Um Estudo Crítico da História. Hélio Jaguaribe. Paz e Terra. São Paulo, 2001, vol. II, pág. 176/177). 

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