domingo, 7 de outubro de 2012

IMPÉRIO DA LEI





No julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da ação penal sobre corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas, formação de quadrilha, no caso apelidado mensalão, ficou demonstrada a existência do esquema de circulação de dinheiro gerenciado pelo Partido dos Trabalhadores. Montado e executado a partir de 2003, o esquema incluía pessoas naturais e jurídicas e tinha por objetivo a compra de votos de parlamentares, adesão de partidos políticos ao bloco do governo federal, pagamento de despesas de campanha eleitoral e enriquecimento ilícito.

As decisões (votos) surpreenderam os descrentes. Ficou nítido o esforço dos juízes na busca de soluções justas. Demonstraram haver estudado bem os argumentos das partes, as provas, os dispositivos constitucionais e legais aplicáveis, e as lições da doutrina e da jurisprudência. Estavam conscientes da relevância do caso para a história política e social do Brasil. As discordâncias, principalmente entre relator e revisor, mostraram-se aptas a provocar reflexão do público. No atrito de tendências liberais com tendências conservadoras trincou o verniz da educação e da civilidade. Pelas fendas, assomaram os instintos humanos que aguardavam o momento de se manifestar.

Com exceção do relator e do revisor, os juízes tiveram exemplar serenidade no desempenho das suas funções. Embora a análise seja dominante no processo judicial e justifique maior amplitude nos votos do relator e do revisor, sempre há lugar para a síntese. Todavia, nem todos os juízes têm facilidade para sintetizar. Desta deficiência resultam análises prolixas e morosidade. Foi necessário um gigantesco processo de milhares de páginas e centenas de volumes para despertar a necessidade e a importância da síntese. Não se trata apenas de resumir o conteúdo da decisão de modo simples e aleatório, e sim de reunir metodicamente os diversos aspectos da demanda formando um coerente conjunto de menor extensão e de maior compreensão.     

Houve condenações e absolvições partindo do exame da prova e do enquadramento dos fatos à lei. O peso atribuído a cada prova (oral, documental, pericial) oscila de juiz a juiz. Na valoração da prova há condicionantes do rumo da decisão do juiz, tais como: a sua experiência de vida e o seu estado de saúde; formação ideológica, moral e religiosa; capacidade intelectual e bom senso; cultura jurídica e filosófica. No enquadramento dos fatos ao direito vigente, alguns juízes entendem aplicável o dispositivo X, enquanto outros entendem aplicável o dispositivo Y. As razões de decidir derivam do modo como o caso se apresenta ao espírito do juiz. O tribunal adota a solução dada ao caso pela maioria dos seus juízes. A unanimidade é dispensável. Indispensáveis são a independência e a honestidade dos juízes. Quando o juiz, mediante ginástica cerebrina, defende com ardor determinada solução, tentando persuadir os demais juízes a ponto de assediá-los intelectualmente, deixa evidente que está (i) obnubilado pela paixão ou (ii) a serviço de uma das partes.

No julgamento da referida ação penal, juízes buscaram arrimo na germânica teoria do domínio do fato, apesar da bem formulada discordância do revisor. O pragmatismo comum à suprema corte dos EUA e ao tribunal de Nuremberg, certamente inspirou essa teoria que tem sido aplicada pelo STF e pelo Tribunal Superior Eleitoral em sucessivos casos. Juizes e tribunais amparam-se em tais precedentes para formular o juízo de culpa em certos delitos cuja prova direta é difícil de ser colhida. O modo sorrateiro e melífluo como esses crimes são praticados favorecem a impunidade do criminoso. Este é o caso dos crimes narrados na mencionada ação penal (mensalão). O juízo de culpa funda-se em indícios e presunções que não colidem com provas diretas em sentido contrário. Arrima-se no princípio do livre convencimento. Os indícios e presunções sintonizam com a delação de um dos réus. Pouco importa o motivo da delação. Importa saber se a delação corresponde a fatos verdadeiros. A maioria dos juízes não se impressionou com a alegação da defesa de que não há prova direta que incrimine o réu. A delação tipifica prova direta e válida. Ademais, a eventual ausência de prova direta é suprida pela presença de circunstâncias de natureza doméstica, profissional, social, política, econômica, que envolvem os réus. Isto lembra a célebre frase de Ortega y Gasset: “Yo soy yo y mis circunstâncias”. O réu não está no interior de uma cápsula isolado do meio em que vive. Direta ou indiretamente, está ligado aos interesses e propósitos que se entrelaçam nesse meio. A realidade ética e social do país e as peculiaridades de cada região (tradições, usos, costumes, tipos de criminalidade, hábitos característicos, valores prioritários vivenciados pela população) contribuem para formar a convicção do juiz. Induções válidas alicerçam a decisão judicial. Atos e fatos que ordinária e notoriamente acontecem na sociedade e no Estado podem integrar a indução e suprir eventual falta de prova direta.

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