quinta-feira, 25 de outubro de 2012

IMPÉRIO DA LEI 4



No curso da história, leis consuetudinárias foram substituídas por leis escritas para maior segurança da população de cada cidade, reino ou império. Um dos objetivos da substituição, quiçá o mais fraudado, era garantir direitos naturais aos governados como intransponíveis barreiras ao poder dos governantes. A vontade dos governados expressa na lei devia sobrepujar a vontade dos governantes. Daí, a consagrada expressão contrária ao arbítrio dos governantes: governo das leis e não governo dos homens. Aliás, expressão ideológica, pois, salvo as leis naturais e as leis sociológicas, quem na realidade elabora e executa as demais leis são os homens. As leis ditadas pelos homens expressam mais a vontade do grupo dominante (civil, militar, religioso) e menos a vontade do povo. A fim de atender objetivos sociais, às coisas e às instituições são outorgados – apenas idealmente – atributos humanos. Daí falar-se em “vontade” da empresa, do governo. Ficção jurídica fundada na utilidade.

Como se depreende da história das civilizações, a vontade dos governantes se manifesta: (i) através das leis (ii) à margem das leis (iii) contra as leis. Há leis escritas que são instrumentos de governo postas por decisão política de reis, presidentes, ditadores, assembléias aristocráticas e democráticas. As leis são boas quando elaboradas em prol do bem comum; são más quando elaboradas no intuito de escamotear o bem comum, promover guerras, asfixiar as liberdades públicas, tributar em excesso, facilitar a fruição do erário por particulares.

As leis más ensejam desobediência civil e revoluções. Servem de exemplo as revoluções americana e francesa do século XVIII (1701-1800) contra o abuso da autoridade pública, em geral e o excesso de tributação, em particular. A declaração de direitos de Virgínia (16/06/1776) e a declaração de independência dos EUA (04/07/1776) estabelecem o direito do povo de afastar o governante e mudar o regime quando se mostrarem ofensivos aos direitos humanos inalienáveis, entre os quais se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade. A declaração francesa de 26/08/1789, dos direitos do homem (natureza) e do cidadão (cultura) considera: (i) a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos; (ii) a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem o objetivo final de toda associação política; (iii) que tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.  

O trânsito das leis consuetudinárias às leis escritas culminou na lei escrita fundamental do Estado denominada constituição. No plano internacional, ao se unirem no século XX, depois da segunda guerra mundial (1939-1945) as nações optaram pela paz duradoura e constituíram organismos mediante normas escritas à semelhança das constituições nacionais (ONU, OEA, UE). O pioneirismo da constituição escrita coube aos Estados Unidos da América (1787) e à França (1791). O pioneirismo das idéias libertárias redigidas em documentos para conter os abusos do monarca coube à Inglaterra. No século XIII (1201-1300) o rei João Sem Terra sucumbiu diante da pressão da nobreza (barões e alto clero) e outorgou a Magna Carta das Liberdades em 1215. Campônios, artesãos, comerciantes, serviçais, continuaram em posição subalterna. A Inglaterra sempre se mostrou refratária à constituição escrita nos moldes modernos. O Estado inglês assenta-se na tradição, no costume, nas decisões dos tribunais e nas esparsas leis escritas.

Karl Loewenstein, na sua Teoria de la Constitucion (Barcelona. Ariel, 1979, pág. 158/160) aponta três experiências precursoras: na Ásia, a constituição japonesa do Príncipe Botoku (604); na Europa, a Regeringsfom da Suécia (1634) e o Instrumento de Governo de Cromwell (1654). Entretanto, essas leis orgânicas não tiveram, em nível internacional, a repercussão das constituições escritas resultantes das revoluções americana e francesa do século XVIII, nascedouro do constitucionalismo. A partir daí, num universalismo sem precedentes, teoria e prática constitucionalistas adquiriram dimensões de uma cultura planetária.

Nenhum comentário: