No curso da história, leis
consuetudinárias foram substituídas por leis escritas para maior segurança da
população de cada cidade, reino ou império. Um dos objetivos da substituição,
quiçá o mais fraudado, era garantir direitos naturais aos governados como intransponíveis
barreiras ao poder dos governantes. A vontade dos governados expressa na lei
devia sobrepujar a vontade dos governantes. Daí, a consagrada expressão
contrária ao arbítrio dos governantes: governo
das leis e não governo dos homens. Aliás, expressão ideológica, pois, salvo
as leis naturais e as leis sociológicas, quem na realidade elabora e executa as
demais leis são os homens. As leis ditadas pelos homens expressam mais a
vontade do grupo dominante (civil, militar, religioso) e menos a vontade do
povo. A fim de atender objetivos sociais, às coisas e às instituições são
outorgados – apenas idealmente – atributos humanos. Daí falar-se em “vontade”
da empresa, do governo. Ficção jurídica fundada na utilidade.
Como se depreende da história das
civilizações, a vontade dos governantes se manifesta: (i) através das leis (ii)
à margem das leis (iii) contra as leis. Há leis escritas que são instrumentos
de governo postas por decisão política de reis, presidentes, ditadores, assembléias
aristocráticas e democráticas. As leis são boas quando elaboradas em prol do
bem comum; são más quando elaboradas no intuito de escamotear o bem comum,
promover guerras, asfixiar as liberdades públicas, tributar em excesso,
facilitar a fruição do erário por particulares.
As leis más ensejam desobediência
civil e revoluções. Servem de exemplo as revoluções americana e francesa do
século XVIII (1701-1800) contra o abuso da autoridade pública, em geral e o
excesso de tributação, em
particular. A declaração de direitos de Virgínia (16/06/1776)
e a declaração de independência dos EUA (04/07/1776) estabelecem o direito do
povo de afastar o governante e mudar o regime quando se mostrarem ofensivos aos
direitos humanos inalienáveis, entre os quais se encontram a vida, a liberdade
e a busca da felicidade. A declaração francesa de 26/08/1789, dos direitos do
homem (natureza) e do cidadão (cultura) considera: (i) a ignorância, o
esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem as únicas causas das desgraças
públicas e da corrupção dos governos; (ii) a conservação dos direitos naturais
e imprescritíveis do homem o objetivo final de toda associação política; (iii) que tais
direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
O trânsito das leis
consuetudinárias às leis escritas culminou na lei escrita fundamental do Estado
denominada constituição. No plano internacional,
ao se unirem no século XX, depois da segunda guerra mundial (1939-1945) as
nações optaram pela paz duradoura e constituíram organismos mediante normas
escritas à semelhança das constituições nacionais (ONU, OEA, UE). O pioneirismo
da constituição escrita coube aos Estados Unidos da América (1787) e à França
(1791). O pioneirismo das idéias libertárias redigidas em documentos para
conter os abusos do monarca coube à Inglaterra. No século XIII (1201-1300) o
rei João Sem Terra sucumbiu diante da pressão da nobreza (barões e alto clero)
e outorgou a Magna Carta das Liberdades em 1215. Campônios, artesãos, comerciantes,
serviçais, continuaram em posição subalterna. A Inglaterra sempre se mostrou
refratária à constituição escrita nos moldes modernos. O Estado inglês
assenta-se na tradição, no costume, nas decisões dos tribunais e nas esparsas
leis escritas.
Karl Loewenstein, na sua Teoria de la Constitucion (Barcelona.
Ariel, 1979, pág. 158/160) aponta três experiências precursoras: na Ásia, a
constituição japonesa do Príncipe Botoku (604); na Europa, a Regeringsfom da
Suécia (1634) e o Instrumento de Governo de Cromwell (1654). Entretanto, essas
leis orgânicas não tiveram, em nível internacional, a repercussão das
constituições escritas resultantes das revoluções americana e francesa do
século XVIII, nascedouro do constitucionalismo. A partir daí, num universalismo
sem precedentes, teoria e prática constitucionalistas adquiriram dimensões de
uma cultura planetária.
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