quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

PALESTRA3

O EVANGELHO DA IRMANDADE
III
A semelhança sugerida por um advogado de Curitiba, meu colega de faculdade, entre o romance O Evangelho da Irmandade de minha autoria e o livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo do escritor português José Saramago, esvai-se ante o que acabei de expor. Adquiri e li o citado livro. Verifiquei que a semelhança limita-se ao título (evangelho) e ao tema (a vida de Jesus). A narrativa é diferente. Exemplos: (i) Saramago associa o sêmen humano ao sêmen divino no momento da concepção de Jesus, enquanto eu digo que ela ocorreu no ritual místico; (ii) Saramago encerra a vida de Jesus na cruz enquanto eu mostro a continuidade (iii) ele mantém a linha religiosa tradicional enquanto eu sigo a linha profana, histórica e mística, incluindo os rituais e ensinamentos da escola de mistérios.
Duas pessoas, também de Curitiba, confessaram-se chocadas com a primeira parte do romance. Entenderam inconveniente a abordagem sensual. No âmbito acadêmico da odontologia, no Rio de Janeiro, um doutor e um mestre nada objetaram, pediram mais exemplares e os distribuíram aos seus colegas e familiares. Disseram que o livro os ajudara a fazer conexões de sentido e a entender a história de Jesus e a religião cristã. Magistrado do Rio de Janeiro, meu colega de toga e de concurso, agradou-se da nova abordagem da vida de Jesus e disse estar lendo o livro pela segunda vez.
Leitores do Rio de Janeiro e do Paraná também afirmaram estar lendo o romance mais de uma vez. No gabinete da presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro encontrei-me casualmente com desembargadora a quem eu enviara o livro. Fomos colegas de toga no primeiro grau (juízes de direito). Com expressão grave no rosto, ela disse que a versão contida no livro era mais provável do que a versão contida nos evangelhos. Leitor septuagenário, ex-jesuíta, gostou mais da terceira parte, que versa sobre os seminários dos adeptos, profetas e iluminados, três diferentes graus dos ensinamentos da Irmandade mística (sêmen = semente; seminário = plantação de sementes). Leitora carioca, filiada à ordem rosacruz, disse que alguns trechos do livro lembravam a sua experiência de vida. Leitor mineiro disse que depois de ler o romance decidira reativar sua filiação à ordem rosacruz; relatou, também, o entusiasmo do amigo maçom a quem emprestara o livro.
Segundo a narrativa contida no romance, Jesus ingressa na Irmandade secreta devido às circunstâncias da sua concepção. Jesus ficou internado ali por alguns anos, desde a adolescência até a maturidade, quando completou o seu aprendizado prático e teórico. Dos portões da Irmandade, ele saiu para cumprir missão definida. Nada foi por acaso. Jesus não surgiu na Palestina aos 30 anos de idade, sem passado e sem propósito. Tudo foi planejado e preparado com antecedência. Ele não estava sozinho. Epilético, portador de doença cerebral degenerativa, segundo alguns autores, Jesus dispunha do apoio moral e logístico da Irmandade (Jules Soury, Jesus e os Evangelhos, apud Wilson Martins “in” História da Inteligência Brasileira, SP, T.A.Queiroz Editor, vol. IV, 1996, p. 238). Os seus ensinamentos refletem a filosofia perene, referida por Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo), produzida e reproduzida nas escolas de mistérios a partir do antigo Egito. Fruto dessa filosofia, a doutrina monoteísta tornou-se pública inicialmente no Egito, com o faraó Aquenaton, que mudou a sede do governo e afastou os sacerdotes politeístas (+/-1250 a.C.). Depois, essa doutrina foi imposta aos hebreus por Moisés, príncipe e sacerdote egípcio; exposta aos palestinos por Jesus; divulgada ao mundo pagão pelos apóstolos; e vulgarizada pela igreja católica. Após a reforma religiosa na Europa (século XVI), a doutrina tornou-se propósito missionário também da igreja protestante.
As técnicas terapêuticas eram desenvolvidas nas escolas de mistérios e transmitidas aos discípulos. Obtido o grau de maestria, esses discípulos saíam pelo mundo com o objetivo de colocar em prática os ensinamentos. Assim aconteceu com Jesus; percorreu a Palestina doutrinando, praticando arte medicinal e exibindo poderes miraculosos aos olhos do povo. Em sintonia com a Irmandade secreta, tal qual fizera o seu primo João Batista, Jesus formou a sua própria escola, reunindo apóstolos e discípulos.
Jesus passa pela experiência da crucifixão. Segundo o evangelista Mateus, Jesus dissera aos discípulos: “o filho do homem deve ser entregue às mãos dos homens; matá-lo-ão, mas ao terceiro dia ressuscitará” – Mt 17:21/22. Segundo o evangelista João, Jesus se referia ao próprio corpo quando desafiou os judeus: “destruí vós este templo e eu o reerguerei em 3 dias” – Jo 2:19. Não é demais lembrar que os evangelistas escreveram tais profecias depois dos acontecimentos. Profecias retroativas encontram-se, também, no Antigo Testamento. O valor dessas profecias é meramente fiduciário e catequético, sem compromisso com a autenticidade.
Depois da ressurreição arquitetada pela Irmandade secreta e encenada por Jesus, necessária à evolução do movimento revolucionário, ele transmite instruções finais aos apóstolos, pilares da igreja primitiva, de modo a garantir a expansão da doutrina. Então, retira-se para o templo da Irmandade, onde é celebrado o seu casamento com Maria Madalena. Os dois geram filhos e fixam na Gália o domicílio dos seus últimos dias.
Estas são as linhas gerais do romance. Muito se escreveu sobre a vida de Jesus. Para escapar ao mito, impõe-se a revisão de conceitos tendo presentes novas descobertas arqueológicas, como a dos manuscritos do Mar Morto nos anos de 1947, 1952 a1956, as pesquisas científicas e aos estudos interdisciplinares da Idade Contemporânea.
A maioria dos manuscritos do Mar Morto até agora traduzida e divulgada é de época anterior à de Jesus; refere-se à bíblia hebraica e aos essênios da comunidade de Qumran. Pode ser que os fragmentos ainda não traduzidos mencionem algo da seita cristã. Os propósitos e as ações de Jesus e do seu pequeno grupo, a baderna no templo e o julgamento no tribunal de Pilatos, foram ignorados pelos historiadores daquela época, como Flavius Josephus, Caio Plínio Segundo e Philo Judaeus. Talvez o assunto lhes tenha parecido sem importância ou, então, desconheciam aqueles episódios. Falta, pois, registro histórico daqueles acontecimentos. Em conseqüência, a crítica racional chega a negá-los, atribuindo-os à invenção dos escritores bíblicos.
Sem abandonar o campo da crítica racional, podemos considerar, com boa vontade, o Antigo Testamento e o Novo Testamento como registros de alguns fatos históricos ao lado de cartas, epopéias, romances, poemas, cantos de amor e de vitória, orações, sermões, profecias, filosofia e misticismo, contidos nos seus livros. Cumpre lembrar, entretanto, que um bom escritor ou um colegiado de escribas faz epopéia de um episódio banal; de um povo pequeno e medíocre, pinta em prosa e verso uma grande e heróica nação; enaltece mitos prodigiosos guardados na memória e avivados na consciência coletiva. O véu do mistério aguça a imaginação e ajuda a perpetuar dogmas.
À medida que a ciência, a arte e a técnica se desenvolvem, aumenta a necessidade de liberdade de pensamento. A liberdade amplia a consciência. A expansão da consciência pode colocar em xeque dogmas da ciência e da religião, estremecer as bases científicas, religiosas, econômicas, políticas e ideológicas da civilização.
Do ponto de vista da conduta religiosa cristã, Jesus foi único. Francisco de Assis, entre os homens, foi provavelmente o que dele mais se aproximou. Os seguidores mostram-se cristãos institucionalmente, por integrarem uma comunidade ou uma igreja. Na essência moral que orienta a conduta, os seguidores ainda estão longe do grande mestre. Na seara de outros credos, também há grandes vultos, como Sidarta Gautama e Mahatma Gandhi.
A desigualdade nas relações humanas permanece: riqueza de poucos e pobreza de muitos; liberdade da elite, servidão da massa; exploração do homem pelo homem. O que dizia Hobbes no século XVII continua atual: o homem é o lobo do homem. A competição entre países, entre empresas, entre grupos e entre indivíduos reveste um caráter selvagem. Por motivos econômicos, nações se negam a assinar e cumprir acordo sobre conservação e proteção do meio ambiente; 2/3 da população mundial estão na miséria. Doenças, epidemias, infortúnios naturais e sociais assolam a humanidade.
Cabe às instituições místicas, neste milênio, de modo pacífico e persistente, ajudar a substituir as bases da civilização, o que exigirá reordenação de sentimentos e de idéias, revisão de ensinamentos e de métodos. Crises financeiras, catástrofes naturais, conflitos bélicos, desastres sociais provocados pela incúria dos governantes e pela ação predadora e poluidora do ser humano, têm sido fatores de ocasional solidariedade entre os povos e do despertar de uma consciência planetária, a indicar a presença de uma energia cósmica de natureza espiritual. Pela dor e pelo sofrimento a humanidade parece estar, finalmente, aproximando-se de Deus.
A paz e o amor estejam com todos. Assim seja!

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