sábado, 23 de janeiro de 2010

PALESTRA

O EVANGELHO DA IRMANDADE
I
Antonio Sebastião de Lima, natural da cidade de Ponta Grossa, Estado do Paraná, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, freqüentou o curso de especialização em Filosofia e Sociologia Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, obteve o título de Mestre em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Aprovado em concursos públicos de provas e títulos, foi juiz de direito no Estado do Paraná e no Estado da Guanabara. Lecionou Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional nas faculdades integradas Estácio de Sá, no Instituto Bennett e na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Autor de “Poder Constituinte e Constituição” (dissertação de mestrado) e “Teoria do Estado e da Constituição” (revisão e organização do conteúdo das aulas ministradas na EMERJ), livros editados na cidade do Rio de Janeiro pelas editoras Plurarte, em 1983 e Freitas Bastos, em 1998, respectivamente. O autor escreveu com regularidade artigos sobre ética, direito e política para revistas e jornais por mais de 20 anos. Em literatura, produziu o romance “O Evangelho da Irmandade”, editado em Resende/RJ, pela RTN, em 2007, que motivou a presente palestra.
O propósito deste nosso encontro é o de explorar alguns aspectos do citado romance. Ao final da exposição colocar-me-ei à disposição de todos para os questionamentos que julgarem oportunos. Esclareço, desde logo, que a obra é da minha exclusiva e pessoal responsabilidade sem vínculo algum com a ordem rosacruz, a maçonaria ou qualquer outra instituição. A advertência é necessária, pois sou membro da Antiga e Mística Ordem Rosacruz, desde 1965 e do Grande Oriente do Brasil, desde 1972, porém não tenho credencial para falar ou escrever em nome dessas nobres instituições.
A idéia de escrever o romance surgiu da polêmica travada em torno do livro do escritor estadunidense Dan Brown, intitulado “O Código Da Vinci”. Alguns escritores cristãos se insurgiram contra o livro, como o protestante Darrell Bock (“Quebrando o Código Da Vinci”) e a católica Amy Welborn (“Decodificando Da Vinci”). Esses opositores denunciam falhas contidas no livro de Brown. O escritor se defendeu em emissora de televisão e no tribunal, alegando que o seu livro era de ficção. Brown fora acusado de plagiar o livro “O Santo Graal e a Linhagem Sagrada” de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. Diante desse quadro, escrevi uma série de oito artigos publicada em 2004, no jornal “Tribuna da Imprensa” do Rio de Janeiro, o que me despertou a vontade de expor a vida de Jesus em termos realísticos, segundo a natureza humana e os costumes sociais vigentes naquela época, sem a aura de sacralidade e sem a lente clerical. Com o mesmo propósito, há outras obras de escritores nacionais e estrangeiros, porém com enredo diferente do meu romance; o personagem é o mesmo, porém o conteúdo é bem diferente. O escritor brasileiro Almáquio Dinis, por exemplo, foi excomungado por seu livro “A Carne de Jesus”. O escritor português José Saramago foi premiado por seu livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Quanto ao meu livro, penso que não provocará excomunhão, nem premiação; talvez, apenas, curiosidade.
Apresentei Jesus concebido de modo natural, nascido de mulher engravidada em cerimônia primaveril e que se tornou sacerdote e profeta. Oposição ao dogma do nascimento virginal motivou a sensualidade contida na primeira parte do romance. Relato sobre os irmãos, a adolescência e o internato de Jesus na escola de mistérios, sob ótica realista, contido na segunda parte do livro, coloca os personagens em um contexto social. Na terceira parte, a maturidade e o progresso nos graus de conhecimento teórico e prático têm como fundo a gnose mística. Conspiração religiosa, na quarta parte do livro, afasta o acaso na implantação da doutrina e inclui a paixão de Jesus por Maria Madalena. Da quinta parte consta ação redentora: o mensageiro que prepara o caminho (João Batista), o messias que divulga a doutrina (Jesus) e os lances da crucifixão, da ressurreição e da organização da igreja primitiva. Na sexta parte são narrados o julgamento das Madalenas, o casamento de Jesus e os últimos dias na Gália.
Para elaborar o livro e as teses nele contidas, pesquisei, além da Bíblia (Centro Bíblico Católico, São Paulo. Editora Ave Maria, 1987) e dos livros retro citados, as seguintes obras: (i) La Vida Mística de Jesús, do antigo imperator da Amorc, Harvey Spencer Lewis; (ii) Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto, dos estudiosos e tradutores dos citados manuscritos, sob a direção de Hershel Shanks; (iii) Leviatán, O Fenômeno Humano e Admirável Mundo Novo dos filósofos Thomas Hobbes, Pierre Teilhard de Chardin e Aldous Huxley, respectivamente; (iv) O Universo numa Casca de Noz e O Universo Elegante, dos cientistas Stephen Hawking e Brian Greene, respectivamente; (v) O Cavalo de Troia, do romancista J.J. Benítez; (vi) O Homem Eterno e O Despertar dos Mágicos, dos jornalistas Louis Pauwels e Jacques Bergier; (vii) História da Civilização Ocidental, do historiador Edward Mcnall Burns.
O termo “evangelho” significa boa nova. Na literatura religiosa cristã esse termo é utilizado para significar: (i) o anúncio (a notícia) da chegada do messias; (ii) a doutrina exposta por Jesus; (iii) a narrativa feita por um apóstolo sobre a vida de Jesus, sua doutrina e seus milagres.
Há narrativas de diversos apóstolos, como Felipe e Tiago, mas a igreja cristã, durante o Concilio de Laodicea, no ano 364 d.C., alicerçada no trabalho de Jerônimo, selecionou apenas as narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João, escritas na segunda metade do primeiro século da era cristã. A narrativa de Mateus foi escrita em aramaico; as narrativas dos demais, em grego. Marcos e Lucas não foram testemunhas oculares da ação evangelizadora de Jesus. A principal fonte de informações de Marcos foi o apóstolo Pedro. Lucas serviu-se de documentos e da tradição oral. Ambos sofreram a influência de Paulo de Tarso que, após a sua própria conversão, passou a liderar a expansão do cristianismo. Apóstolos da primeira hora resistiram a essa liderança, tanto por ríspidas palavras como por radicais atitudes. Paulo de Tarso era fariseu, perseguidor dos cristãos a serviço do Sinédrio. Ele não conheceu Jesus. Divulgou o cristianismo fora da Palestina e organizou a igreja cristã nos moldes fariseus. Alguns anos depois da crucificação, disse ter encontrado Jesus na estrada de Damasco e que lhe ouviu a voz sem ver a fisionomia. História muito conveniente porque, se interpelado a respeito, dispensava-o de descrever o rosto de Jesus. Segundo narra, a luz que emanava de Jesus o teria cegado. Isto soa estranho, pois a luz que emanava de Jesus era de natureza espiritual e não física, por isso mesmo, não cegava os olhos. Jesus não cegava nem feria as pessoas, bem ao contrário, curava-as (Mt 21:14). “O filho do homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las” (Lc 9:56).
No célebre episódio da expulsão dos mercadores que negociavam no templo, Jesus parece ter usado força física apenas contra coisas. Mateus e Marcos dizem que Jesus derrubou bancos e cadeiras (Mt 21: 12; Mc 11:15). Lucas nada fala sobre o modo como os mercadores foram expulsos (Lc 19:45). João, entretanto, diz que Jesus fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, negociantes e animais, além de espalhar pelo chão o dinheiro dos trocadores de moeda e derrubar as mesas (Jo 2: 14/15). Paira a dúvida se Jesus açoitou de fato os homens ou se apenas usou o chicote para espantá-los juntamente com os animais. A violência era estranha à doutrina e à conduta de Jesus. O episódio da tentativa de apedrejamento de uma mulher adúltera o demonstra (Jo 8: 3/7).
Outro episódio que não combina com a personalidade de Jesus foi o da figueira amaldiçoada (Mt 21:18/22). Supondo que fosse verdade, enquanto Jesus secou uma planta, Paulo de Tarso amaldiçoou e cegou um ser humano. Quando ele doutrinava uma autoridade romana, certo mago o contestou. Raivoso, Paulo o cegou. Jesus jamais faria isso (At 13:10). Paulo dizia que usar cabelos compridos era desonra para os homens e glória para as mulheres (Co 11: 14/15). Além disso, condenava os homens que bebem vinho. Paulo não sabia que Jesus bebia vinho e usava os cabelos compridos. Aliás, há notícia de que, depois disso, em certa ocasião e por algum tempo, Paulo também deixou crescer os seus próprios cabelos porque fizera um voto desconhecido (At 18:18). Certamente, ele queria imitar o visual dos nazarenos, num mecanismo psicológico de compensação, penitência ou simulação para impressionar e liderar os cristãos. Como fariseu, Paulo fora inimigo mortal da seita nazarita à qual Jesus pertencia.
As narrativas de Mateus, Marcos e Lucas são semelhantes (evangelhos sinóticos) e seguem a linha de Paulo de Tarso. Mateus preocupou-se em aproximar as escrituras judaicas da pregação de Jesus. Marcos e Lucas tinham os pagãos como público alvo. Marcos procurou salientar o extraordinário na vida de Jesus. Lucas dá ênfase à bondade e à misericórdia de Jesus. No seu evangelho, João diviniza Jesus e tem os cristãos como público alvo. Dentre os apóstolos da primeira hora, João era o mais novo, um adolescente. Ao escrever o seu evangelho no final do século I, João estava com mais de 70 anos de idade.
Os quatro evangelhos, os atos dos apóstolos, as cartas dos apóstolos e o Apocalipse formam a parte da Bíblia denominada Novo Testamento. O livro dos atos dos apóstolos foi escrito por Lucas. As epístolas foram escritas ou apenas assinadas por Paulo (14), Pedro (2) João (3) e pelos irmãos de Jesus: Tiago (1) e Judas (1). João também escreveu ou ditou o livro Apocalipse (revelação), repleto de significados ocultos, por volta do ano 100. Tratava-se de mensagem aos cristãos da Ásia. Esse livro mais parece produto do delírio senil de João.
Em nível humano, o termo irmandade pode significar: (i) pessoas vinculadas entre si por laços sanguíneos, descendentes dos mesmos pais; (ii) pessoas associadas por laços de solidariedade, crenças e aspirações, para fins comuns; (iii) instituição com objetivos altruísticos cujos membros são enlaçados por sentimentos fraternos e se relacionam em plano de igualdade e mútuo respeito.
Tanto no livro, como na presente palestra, o termo irmandade é aplicado na acepção institucional: uma fraternidade mística que ajuda a despertar o eu interior e a expandir a consciência dos discípulos, expõe teorias e doutrinas, ensina práticas terapêuticas e atua social e politicamente. Entende-se por teoria a explicação e compreensão lógica e sistemática de fatos e atos na área do conhecimento. Entende-se por doutrina o conjunto de idéias dogmáticas que tem por finalidade obter a adesão do público na área religiosa, mística, filosófica ou política.
Destarte, no romance e nesta palestra, a expressão “evangelho da irmandade” significa a narrativa da vida de Jesus vinculada aos ensinamentos e aos propósitos de uma fraternidade secreta.

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