domingo, 2 de julho de 2023

DEUSES

Sem deuses não há religião. Em dado momento da sua evolução, os humanos criaram deuses nos quais passaram a crer. Antes disto, imperava o animismo, crença em espíritos (mana) que animavam os seres da natureza, tinham vida própria e podiam transmigrar. Ao comer o coração de um bravo guerreiro, o vencedor absorvia-lhe o espírito. Naquela época, infância da razão, prevaleciam a intuição e a magia. 
A datação dos personagens, eventos e coisas da antiguidade está sujeita a mudanças provocadas por descobertas arqueológicas e por novas interpretações. A partir de 1950, a cronologia aproximou-se mais da exatidão com o uso de métodos de datação amparados na Física, na Química e na Biologia, compatíveis com as características das coisas examinadas (minerais, vegetais, animais). Geralmente, usa-se para o exame (i) de materiais orgânicos como papel, madeira, osso, couro, com idades até 50 mil anos, o método denominado “Carbono-14” (ii) de materiais com idades superiores a 50 mil anos, os métodos denominados “Luminescência” e “Ressonância Paramagnética Nuclear”. Com datação baseada nesses métodos, a cultura humana tem sido dividida no tempo em (i) Pré-civilizada, períodos Eolítico, Paleolítico (inferior e superior) e Neolítico, todos incluídos na Idade da Pedra e (ii) Civilizada: Idade Antiga, Idade Média e Idade Moderna.
Por milhões de anos, o modo de vida dos humanos foi semelhante ao modo de vida dos outros animais. A sua progressão somática e psíquica foi lenta. Cérebro pouco desenvolvido. Pensamento sem reflexão. Os humanos guiavam-se pela intuição e pelos instintos. Viviam em grupos que ocasionalmente lutavam entre si. Habitavam cavernas e se reuniam em volta do fogo. No Paleolítico superior, o cérebro humano estava mais desenvolvido e o pensamento reflexivo. A Ciência batizou esses humanos de Homo Sapiens. A revolução cultural ocorre no período Neolítico, quando o Homo Sapiens passa (i) a trabalhar com pedra polida, cerâmica e metais (ii) a construir casas, barcos e a navegar (iii) a domesticar animais e a produzir alimentos (pastoreio,  agricultura, além da caça e pesca) (iv) a trocar o excedente da produção (v) a atribuir valor às coisas (vi) a viver em família e em aldeia, sob regras consuetudinárias, sem religião e sem escrita. Permanecem o sentimento de união com a natureza e o procedimento mágico e intuitivo. 
Religião tem raízes na cultura neolítica, na mente e no coração dos humanos. Ela surge quando os humanos personalizam as temíveis forças sobrenaturais dando-lhes características humanas e lhes atribuindo poderes extraordinários. Assim nascem os deuses e a religião como partes integrantes do processo de civilização ao lado da escrita, da arte, da filosofia, da organização social, econômica e política da cidade. Cuida-se de um sistema com fulcro na crença em deuses poderosos e num mundo espiritual. Assenta-se no anseio humano de se relacionar com deuses e de se comunicar com o mundo espiritual, anseio este, provocado pelas necessidades materiais e espirituais da vida e pelas exigências éticas nas relações humanas. Busca-se, no sobrenatural, ajuda para solucionar problemas existenciais. A frustração por não saber, ou não poder solucioná-los; o medo, a ignorância e a superstição; a esperança de uma vida melhor agora e após a morte; a consciência de si mesmo cada vez mais ampliada, criando a ilusão da dualidade corpo/alma; tudo isto combinado compõe o estofo da religião. Cuidadosa no que tange aos seus fins, a religião elabora a sua doutrina e os seus dogmas, organiza os seus cultos, executa os seus rituais, estabelece normas éticas e administrativas; exerce poder espiritual e secular na sociedade. 
Politeísmo foi a geral crença dos povos da Idade Antiga. No Ocidente, vigorou até o período inicial da Idade Média. Depois da queda do Império Romano, foi superado pelo monoteísmo cristão. O politeísmo ainda vigora no Oriente e nas comunidades nativas da América, da África e da Oceania.
Monoteísmo foi instituído no Egito pelo faraó Aquenáton (1375 a.C.). Nasceu da insurgência do faraó contra o politeísmo em vigor e como reação aos abusos cometidos pelos sacerdotes. Após a morte desse faraó, o politeísmo foi restabelecido. Entretanto, o monoteísmo não morreu com o seu criador. O príncipe egípcio de nome Moisés impôs o culto monoteísta ao povo hebreu que, por 450 anos, morava no Egito. Tirou esse povo de lá e o liderou na marcha pelo deserto. Em certo momento, parcela desse povo negou-se a prosseguir naquela aventura e manifestou o propósito de retornar ao Egito e aos seus deuses. O príncipe egípcio sufocou a rebelião. Milhares foram mortos a fio de espada. Os que sobreviveram tiveram de engolir o monoteísmo goela abaixo. Atualmente, o culto monoteísta está espalhado pelo mundo, praticado por bilhões de cristãos, muçulmanos e judeus.  
À semelhança do homem neolítico, fascinado pelo firmamento, o homem moderno o vasculha a olho nu, com telescópios e com naves espaciais, na esperança de encontrar avançadas civilizações e de se comunicar com seres de superior inteligência e cultura. A procura de deuses continua. 

Bíblia Sagrada. Rio de Janeiro. Edição Barsa. 1967.
Bíblia Sagrada. São Paulo. Editora “Ave Maria”. 1987. Antigo Testamento. Êxodo 12: 35 + 32: 25/29. 
Burns, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Porto Alegre. Globo. 1955.
Chardin, Pierre Teilhard de. O Fenómeno Humano. Portugal/Porto. Tavares Martins.  1970.
Jaguaribe, Hélio. Um Estudo Crítico da História - I. São Paulo. Paz e Terra. 2001. 
Velasco, Francisco Diez de. Breve Historia de las Religiones. Madrid. Alianza Editorial. 2008.
Com Ciência – Arqueologia e Sítios Arqueológicos, www.comciência.br. Datação. 2003.

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