domingo, 16 de julho de 2023

O PROCESSO

Quando se fala em processo, pensa-se logo em ação judicial, advogado, testemunha, juiz, tribunal. Esta associação psíquica provém de diversas fontes como (i) a literatura, com livros notáveis como “O Processo” de Franz Kafka (ii) o cinema, com filmes marcantes como “Testemunha de Acusação” estrelado por Marlene Dietrich (iii) a imprensa, por notícias sobre processos judiciais, principalmente quando as partes são políticos, profissionais liberais, empresários, banqueiros, celebridades (iv) o aparelho de segurança do estado. 
No entanto, processo é noção comum ao mundo da natureza e ao mundo da cultura. Consiste na sequência de impulsos na criação, reprodução e evolução dos seres; no método para construir, modificar e destruir; no movimento em determinada direção para fazer algo mediante regras ordinárias, técnicas e/ou legais como, por exemplo, as da construção civil, do ensino/aprendizagem, da cirurgia. 
processo natural quando provocado e orientado por leis cósmicas, sem intervenção humana. O processo natural físico acontece nos reinos mineral, vegetal e animal (corrosão, ferrugem, florescimento, cicatrização, ciclo vital). O processo natural mental acontece no campo lógico (apreensão das coisas na formação das ideias; movimento das ideias na formação das proposições; movimento das proposições na formação dos argumentos) e no campo psicológico (movimento do intelecto, do sentimento, da vontade, na vida interior dos humanos).
processo cultural quando presente a intervenção humana. Inteligência, sentimento, vontade, interesse e ação entrelaçados no propósito de realizar fins humanos. Há processo cultural no setor público e no setor privado. No plano individual, há processos para: (i) gerar, conservar, manter e tirar a vida (ii) proporcionar aptidão física, intelectual e moral às pessoas. No plano social, há processos para realizações artísticas, científicas, assistenciais. No plano econômico, há processos para produção e circulação de bens nos setores rurais e urbanos. No plano político, há processos para: (i) escolha dos legisladores, dos chefes de governo, dos magistrados (ii) elaboração e execução das leis (iii) preservação da ordem. 
A exigência moral e a experiência social informam o processo gerador dos costumes, das convenções, das normas éticas e jurídicas. 
No Direito, o processo consiste na sequência de atos orientada por regras obrigatórias. Trata-se de movimento dirigido por autoridade pública que tem por escopo produzir leis, resolver problemas, solucionar conflitos, sob a égide da verdade e da justiça. Múltiplo no uno, esse processo é unidade jurídica teleológica composta de atos sequenciais que o dinamizam (procedimentos). No sistema brasileiro destacam-se três tipos de processo: [1] parlamentar (legislativo + impeachment) [2] administrativo (funcional + disciplinar) [3] judicial (civil + penal + trabalhista + eleitoral). Em comum, esses tipos têm as fases do conhecimento, do debate e da decisão. 
O processo jurídico judicial tem seus trâmites perante juízes de direito, tribunais do juri e tribunais de justiça ordinários e superiores. O direito positivo em vigor estabelece regras de competência, tipos de foro e classifica as ações judiciais. Assim, por exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados propôs ação civil contra empresa jornalística no foro cível da comarca de Brasília. Portanto, usou o foro comum e não o foro especial a que os parlamentares federais têm direito: o Supremo Tribunal Federal (STF). [Certamente porque agiu em nome próprio em questão de direito privado]. O deputado sentiu-se ofendido por matéria publicada que incluiu: (i) entrevista da ex-esposa que o acusa de práticas criminosas (ii) propina por intermédio de assessor (iii) compra de material escolar superfaturada mediada por seu auxiliar. Se, no devido processo legal, a sentença for favorável ao deputado, a empresa de notícias será condenada a indenizá-lo. Nesta hipótese, se o juiz fixar o valor da indenização abaixo da quantia pleiteada na petição inicial, o deputado arcará com os ônus da sucumbência parcial. Se a sentença lhe for desfavorável, o deputado arcará com os ônus da sucumbência total. Nesta hipótese, se houve Exceção da Verdade admitida e julgada procedente, o deputado ainda poderá ser condenado a indenizar a empresa de notícias.  
“Por que não te calas”? Assim o rei da Espanha repreendeu o presidente da Venezuela em reunião de chefes de estado. “Cala boca já morreu”. Assim falou juíza em sessão de julgamento no STF. Duas manifestações opostas de supremas autoridades estatais. A conduta do espanhol refletiu o espírito autocrático. A conduta da brasileira refletiu o espírito democrático. Calar a voz do outro é próprio dos espíritos despóticos. Em ação judicial, porém, não é o  autor a calar a voz do réu no seio da nação e sim o juiz da causa ao julgá-la procedente. Voz silenciada por ordem judicial. 
Na voz do povo (vox populi) rola a fama do deputado de ser desonesto, mau-caráter, coronel provinciano servido por capangas. Tal fama aliada aos traços faciais e à compleição física do deputado poderiam se encaixar nos estudos de fisiognomonia e de antropologia criminal de Cesare Lombroso. Na instrução do processo judicial, o deputado terá ensejo de provar que essa fama não corresponde à verdade. Aliás, por não ser a “voz de Deus”, a voz do povo geralmente é equivocada, injusta e manifesta o que de pior há no ser humano: ódio, vontade de matar, de ferir, de destruir; inveja, estupidez, preconceito, falsidade, hipocrisia.

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