domingo, 23 de julho de 2023

ANIMAIS SELVAGENS

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral promoveu representação criminal contra cidadãos residentes na cidade paulista de Santa Bárbara do Oeste. Motivo: agressão verbal sofrida por ele e física sofrida por seu filho no dia 14/07/2023, nas dependências do aeroporto da capital italiana. 
A polícia federal brasileira iniciou ampla investigação sobre o fato gerador e seus consectários. Tendo em vista o atual estremecimento político no Brasil provocado pelo ativismo da extrema direita, o fato poderá ser objeto não só da ação penal privada como também de ação penal pública. Nos respectivos processos judiciais, acusadores e acusados têm iguais direitos de postulação e produção de provas. Confissões, testemunhos, documentos, laudos periciais, têm igual valor probatório em abstrato e são pesados pelo juiz no caso concreto. Não há “rei" e nem "rainha” das provas. Ao juiz e ao  tribunal cabe (i) o impulso oficial (ii) a fiscalização dos procedimentos (iii) assegurar às partes igualdade de tratamento (iv) proferir decisões com base no conjunto probatório, na Lei, na Constituição e na sua consciência.    
A progressão da atividade nazifascista no Brasil é de conhecimento nacional e internacional, cuja intensidade aumentou desde a campanha eleitoral de 2018. Houve tentativas de golpe em sequência regular a partir das eleições de 2022. A mais grave ocorreu em 08/01/2023. Pessoas da direita e da extrema direita do espectro político, isoladas ou em grupos, atacam verbal e fisicamente pessoas da esquerda, ou pessoas simpáticas ao governo atual, ou pessoas simplesmente defensoras do estado democrático de direito. Há também ataques homofóbicos e por preconceito de gênero, de cor e de raça, oriundos do movimento nazifascista. 
Ingenuidade, pois, acreditar que o episódio de Roma circunscreve-se à relação pessoal entre ofensores e ofendidos. De acordo com os indícios, trata-se de crime complexo. Visto de cima, enquadrado no cenário nacional, o episódio recomenda investigação profunda como medida de cautela contra o inconstitucional avanço do nazifascismo em terras brasileiras. Ainda que abrigado em partido político, o nazifascismo civil e militar não encontra amparo no direito posto pela assembleia constituinte de 1987/1988. Portanto, no caso em tela, a reação da autoridade pública brasileira foi proporcional ao fato noticiado. A conexão de atos ilícitos praticados pelos mesmos agentes em dias e locais distintos é fenômeno comum na sociedade. Constatado um dos atos, vêm à tona outros até mais graves do que o primeiro. As investigações obedecem à sequência do processo de apuração da materialidade e da autoria dos delitos conexos, mesmo sem contiguidade, eis que os essenciais motivos do agente podem estar longe do palco da ação imediata. De acordo com o noticiário, a polícia federal agiu de forma regular e compatível com o caso, dentro das normas do código de processo penal. 
Na linguagem matemática, proporção significa relação entre grandezas, como na regra: “Com 3 quantidades conhecidas procura-se uma quarta quantidade incógnita que complete uma proporção geométrica”. Exemplo: proporção (i) de oxigênio e hidrogênio na composição da água (ii) de água, areia, cal e cimento na composição da argamassa (iii) entre a base e a altura da construção (iv) na simetria estética do corpo humano entre o tamanho da cabeça e o tamanho do tronco, ou, entre o comprimento das pernas e a altura da cintura. 
[A palavra incógnita fez sucesso ao entrar no vocabulário dos adolescentes alunos do curso ginasial do Colégio Estadual do Paraná em 1953].
Na linguagem literária, proporção consiste na expressão verbal (escrita ou oral) da relação das diferentes partes de um todo, quer comparadas entre si, quer indivualmente comparadas com o todo. Inclui as ideias de quantidade (igual, maior, menor), de harmonia e de equilíbrio. Exemplo: proporção entre (i) os ingredientes de um bolo (ii) o trabalho e a remuneração do trabalhador (iii) a moralidade e a cultura de um povo (iv) o tipo do crime, a pena prevista na lei e a pena aplicada no caso concreto. 
Na matemática, contam-se quantidades e medem-se distâncias. Na literatura, contam-se estórias e medem-se valores morais. Na religião, contam-se dinheiro com exatidão e estórias com modulação e medem-se as penitências conforme a posição. Qual o critério para medir a distância entre: (1) a fé confessada e a ação realizada? (2) a moral no plano dos princípios e a conduta no plano dos fatos? Tal medição, se possível, será objetiva ou subjetiva? Como diz Hogben: “Uma boa caricatura vale bem um volume de oratória política”. 
O episódio em solo italiano impactou quem estava em solo brasileiro e abalou a família forense ante a falta de respeito a um conhecido, corajoso e digno magistrado do supremo tribunal. Certamente, brasileiras e brasileiros de boa cepa sentir-se-ão representados pelo presidente da república na repulsa ao constrangedor episódio. Todos perceberam a atitude de pessoas que comungam a mentalidade nazifascista contrária ao regime político adotado pelo legislador constituinte. A conduta padronizada dos adeptos desse movimento inclui (i) ódio contra os democratas de centro e de esquerda (ii) provocação e agressão sistemáticas (iii) propósito de aniquilar o estado democrático de direito. 
O senso comum do presidente da república comparou aqueles ofensores aos animais selvagens. Biologicamente, os humanos são animais sem qualquer semelhança com o amoroso e misericordioso deus dos cristãos (Pai Celestial) embora muito parecidos com o cruel e genocida deus dos judeus (Javé). A qualificação de selvagem afasta do humano a racionalidade e faz emergir a herança atávica do homem da Idade da Pedra. Animais selvagens não podem circular livremente no meio de pessoas civilizadas. Urge colocá-los em jaula. Quando, no sentido figurado, se fala no extermínio dessa espécie animal sobrevivida do período pré-civilizado da evolução humana, fala-se, no sentido real, de prevenção e repressão sintonizadas (i) com o direito de proteger a vida e a integridade das pessoas e das instituições democráticas (ii) com a finalidade política de assegurar o pleno vigor da Constituição da República. 

Caldas Aulete. Dicionário Contemporâneo da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro. Editora Delta. 1958. 
Código Penal (DL 2.848/1940 + Lei 7.209/1984). Artigo 101.
Código de Processo Penal (DL 3.689/1941). Artigos 4º/7º + 76/82. 
Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos 1º, 14, 17, 127, 136, 137, 142.
Hogben, Lancelot. Maravilhas da Matemática. Rio/SP/Porto Alegre. Editora Globo. 1956. Página 77.

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