domingo, 25 de junho de 2023

CIÊNCIA versus RELIGIÃO

Acreditar e ter fé em Deus indica sensatez. Os monoteístas individual e coletivamente considerados, hebreus, cristãos, muçulmanos, divergem quanto a imagem, conceito, atributos e virtudes do deus único. Acreditar nas escrituras “sagradas” desses povos indica insensatez. Tal crença implica esterilizar o sêmen racional, rebaixar o humano na escala zoológica nivelando-o aos outros animais. A fé no sacerdote e na escritura religiosa, a fé no cientista e na ciência, a fé no líder político e no governo, devem submeter-se ao crivo da razão. Desde a  antiguidade, sabe-se que a diferença específica entre os humanos e os outros animais é a razão (Aristóteles). 
A ciência, produto da razão, tem sido a pedra no sapato da religião. No Ocidente, séculos XVI e XVII, alvorecer da ciência moderna (filosofia natural), imperavam o pensar e o querer supostamente divinos e o poder espiritual e secular da igreja cristã. Os filósofos naturais (cientistas) tomavam precauções para não contrariar a Bíblia. Assim, evitavam as rigorosas sanções da inquisição católica. Pesava sobre eles a suspeita de ateísmo, ainda que tivessem os seus próprios conceitos de alma e de Deus. Valiam-se de estratagemas ao expor as suas ideias. Johannes Kepler se dizia “sacerdote do Deus Altíssimo” ao estudar o “Livro da Natureza”. Francis Bacon, René Descartes, Isaac Newton, Gottfried Leibniz, nas suas obras, colocavam afinidades com as “sagradas” escrituras. Apesar desse cuidado, os livros de Descartes entraram para o Índice dos Livros Proibidos. O ensino da sua filosofia foi proibido nas faculdades católicas e protestantes (1663-1679). 
Com a sua teoria heliocêntrica sustentada na matemática, Nicolau Copérnico (1473-1543), polonês, cônego da igreja católica, astrônomo, matemático, desferiu potente golpe nas religiões hebraica, cristã e islâmica. Para não ser morto prematuramente, queimado vivo na fogueira da inquisição católica, ele retardou por 30 anos a publicação do seu livro de astronomia. Galileu Galilei (1564-1642), italiano, astrônomo, matemático, engenheiro, pai da ciência moderna, estudioso do movimento dos corpos e adepto do heliocentrismo, acusado de heresia pela inquisição católica, livrou-se da fogueira, porém, foi condenado à prisão domiciliar perpétua e teve suspensa a publicação dos seus livros (1633). Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), francês, jesuíta, professor, geólogo, paleontólogo, tentou harmonizar as suas pesquisas com a doutrina cristã. Isto acarretou punição disciplinar imposta duas vezes pela Santa Sé (1922 e 1946). Acusado de ofender dogmas religiosos, ele foi proibido de lecionar e de publicar matéria eclesiástica e teológica. 
Revoluções e reformas nos campos religioso, científico, técnico, político, ocorridas de 1300 a 1900, integraram as culturas europeia e americana. Com a inclusão da liberdade religiosa nessas culturas a partir do século XVIII (1701-1800) o cientista livrou-se do controle imperial da igreja. Trava-se, então, titânica batalha entre as forças cognitivas da razão e as forças trevosas da religião. Luz da razão versus trevas da religião. A leitura matemática da natureza faz de Deus um geômetra.
A batalha afetou internamente a comunidade científica conforme se vê da carta na qual Albert Einstein diz a Max Born: “Você acredita num Deus que joga dados e eu, em lei e ordem absolutas, num mundo que existe objetivamente”. Motivos da divergência: (i)  a incerteza e a indeterminação trazidas pela mecânica quântica (ii) o caos e o acaso introduzidos na especulação científica. Born era defensor e Einstein opositor da teoria quântica. Comentando esse episódio, Ian Stewart menciona o movimento pendular cíclico em espiral: “O caos dá lugar à ordem que por sua vez dá lugar a novas formas de caos”. Pondera: “A questão não é tanto se Deus joga dados, mas, de como Ele o faz”. Encerra o seu livro com a frase “Se Deus jogasse dados, Ele ganharia”. A teoria quântica foi o mais novo e potente golpe desferido contra as escrituras dos monoteístas. Caos é desordem, palco da incerteza, quiçá, prenúncio de uma nova ordem. Acaso é efeito sem causa, ou, efeito de causa desconhecida. Esses conceitos estremecem dogma religioso sobre a fonte divina da ordem cósmica e da causa final. A embriaguez do elétron no interior do átomo é inexplicável; a sua causa é desconhecida, ou, não existe. Afigura-se de difícil justificação, salvo por intuição intelectual, o transporte do que se passa no microscópico espaço interior do átomo para o macroscópico espaço dos astros. O aforismo “assim como em cima é embaixo” aceito pelos místicos, exige prova no campo da ciência.    
A fim de manter a sua receita, os seus bens e o número dos seus fiéis na atualidade, as instituições religiosas fizeram concessões à técnica profana e à ciência. Parcela dos fiéis rebelou-se contra tais concessões e retornou ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamísmo primitivos. A doutrina original, os dogmas e os rituais antigos foram colocados acima: (i) do conhecimento científico (ii) da técnica profana (iii) dos costumes liberais (iv) das leis vigentes no estado laico. Isto caracterizou o fundamentalismo religioso. Os seus adeptos consideram a sua religião a única válida e verdadeira; que a eles deve caber o controle social, econômico e político da sociedade; que os crentes de outras religiões devem ser expulsos do território nacional; que as fronteiras do estado devem se fechar para impedir a entrada de fiéis e pregadores de outras religiões. Atualmente, o Irã tem sido o exemplo mais citado de fundamentalismo religioso nacional pleno. No Brasil, graças à liberdade de consciência, de crença e de culto assegurada na Constituição da República, os fundamentalistas atuam em paralelo com os crentes liberais das religiões monoteístas. Entre os cristãos, destacam-se os protestantes pentecostais com maior número de fundamentalistas disputando e assumindo o poder político (Legislativo + Executivo + Judiciário). Essa experiência revelou o estreito parentesco do fundamentalismo religioso com o nacionalismo e com o fascismo.

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Art. 5º: VI-VIII. 
Chardin, Pierre Teilhard de. O Fenómeno Humano. Porto. Tavares Martins. 1970.  
Henry, John. A Revolução Científica. RJ. Jorge Zahar. 1998.
Hessen. Johannes. Teoria do Conhecimento. Coimbra. Armênio Amado. 1978.
Stewart, Ian. Será que Deus Joga Dados? RJ. Jorge Zahar. 1991.
Velasco, Francisco Diez. Breve Historia de las Religiones. Madri. Alianza Editorial. 2008. 

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