domingo, 29 de janeiro de 2023

SUBVERSÃO PUNÍVEL

Qualificar (i) de subversão o movimento rebelde que culminou, neste mês, com os ataques às instalações e aos bens da república em Brasília e (ii) de subversivo quem dele participou, pode causar estranheza aos contemporâneos do governo autocrático de 1964-1985. Isto porque a ditadura militar apropriou-se desses vocábulos, tal como, o governo autoritário de 2019-2022 apropriou-se dos símbolos nacionais. 
Subverter significa destruir algo existente. Subversivo significa (i) objetivamente, aquilo que é próprio para subverter e (ii) subjetivamente, aquele que subverte. Segundo o vocabulário castrense, subversivo é o militante de esquerda que se rebela contra o governo de direita. Segundo o vocabulário português, subversivo é quem se rebela contra a ordem vigente, seja ela autocrática, seja ela democrática. Tanto é subversivo o militante da esquerda quanto o militante da direita no comum propósito de derrubar o governo; aquele, contra o governo de direita; este, conra o governo de esquerda. 
A subversão política é vista como heroica pelos subversivos e criminosa pelos governantes. A aura de heroísmo envolvendo os defensores do governo é vista com menosprezo pelos subversivos. O movimento subversivo da ordem jurídica vigente no estado (i) se frustrado, configura crime contra o estado cujos autores intelectuais e executores são punidos até mesmo sem o devido processo legal, como aconteceu no Brasil em 1968-1979 (ii) se vitorioso, inaugura nova ordem, enseja novo estado, os subversivos ficam impunes, são considerados heróis e assumem o governo, como aconteceu na República de Cuba em 1959.
A guerra fria (1945-1991) entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA) provocou antagonismos internos e externos nos diversos países do planeta. Alguns países ficaram na companhia da URSS; outros, na dos EUA. Segundo a doutrina Monroe, a América pertence aos americanos. Nenhuma intervenção de governo europeu, asiático ou africano deve ser tolerada. O governo dos EUA trata os países da América Latina como protetorados. A escola de governo daquele país doutrinava oficiais das forças armadas latino-americanas para a defesa conjunta dos valores, interesses e objetivos dos EUA. Isto implicava submeter os povos latino-americanos (i) a ditaduras militares e (ii) a golpes contra governos democráticos. Havia auxílio técnico e financeiro estadunidense e a orientação e o apoio da CIA. Isto aconteceu no cone sul da América (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai). Trata-se do modus operandi padronizado que voltou a funcionar recentemente no Brasil: operação lava-jato (2014), golpe exitoso travestido de impeachment (2016), exclusão do líder petista, pressões, intimidações e falsidades nos períodos eleitorais (2018-2022) e golpe frustrado em 2023. 
Ao governo dos EUA, escaldado com o precedente cubano, interessa barrar a entrada e a influência do “comunismo” no continente americano. Então, em país latino-americano, os grupos “comunistas” devem ser tratados como inimigos internos do estado. Trava-se uma guerra santa contra o “comunismo”. Os inimigos devem ser eliminados fisicamente sem qualquer reserva ética ou jurídica. O êxito no combate à subversão “comunista” é mais essencial e importante do que o respeito aos princípios da religião cristã, da moral e do direito. 
Ironia 1. Em 1944, militares brasileiros aliados aos estadunidenses, entraram na guerra contra o nazismo e o fascismo na Itália. Em 1964-1985 e 2013-2023, militares brasileiros aliados aos estadunidenses unem forças a favor do nazismo e do fascismo no Brasil. 
Ironia 2. O comunismo de Marx, como fase evolutiva final do socialismo, jamais existiu. Permanece utópico. Há países socialistas, mas, nenhum comunista. O socialismo expandiu-se no mundo moderno, porém, até o momento, foi incapaz de colocar o estado no museu e de eliminar as desigualdades. O estado se fortaleceu. As desigualdades naturais, sociais, econômicas, culturais e hierárquicas, embora atenuadas em alguns países, continuam a existir sem perspectiva de extinção. 
O comunismo de Jesus, como prática social e religiosa semelhante à dos essênios, era restrito ao seu pequeno grupo no primeiro século da era cristã. O subversivo profeta israelita conhecia a natureza dual dos humanos (angelical + demoníaca) e sabia que essa dualidade impossibilitava o comunismo em nível nacional. Daí, o porquê de, interrogado pela autoridade romana (Pôncio Pilatos) sobre ser ele, Jesus, rei dos judeus, ter assim respondido: “o meu reino não é deste mundo” (João 18:36). 
Ironia 3. Internamente, o governo dos EUA zela por sua democracia e pela liberdade dos seus cidadãos, sem perseguir os seus “comunistas”. Externamente, zela pela autocracia nos países da América Latina e pela perseguição aos grupos subversivos “comunistas”. O caudilhismo regional facilita a implantação da ditadura. A salvaguarda dos valores da civilização ocidental contra a ameaça comunista é o argumento central. A subversão dos grupos “comunistas” provoca a intervenção militar. Lei marcial, perseguir, sequestrar, prender, torturar e matar os subversivos terroristas, em público ou em segredo, são considerados procedimentos válidos e necessários à segurança nacional e à felicidade geral do povo. Diante do estado de necessidade e da legítima defesa da sociedade, esses procedimentos não tipificam crimes e, portanto, descabe punição aos comandantes militares. “Os fins justificam os meios” (Maquiavel). 
Entretanto, a parcela maior do povo brasileiro discorda dessa doutrina e desse idealismo militar. Entende que um estado signatário da carta da ONU (1945) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) não pode admitir esses procedimentos dentro do seu território. Obediência às ordens de superior hierárquico também não retira o caráter criminoso dos atos praticados e nem afasta a responsabilidade penal do agente. No seio da citada parcela majoritária há consenso a respeito da necessidade de punir com rigor os subversivos que se insurgiram contra o estado democrático de direito. Os subversivos civis e militares não são meros adversários políticos do governo eleito em 2022; eles são nazifascistas inimigos da democracia e cultivadores do ódio contra os democratas. A questão é menos ideológica e mais de vida e morte. Portanto, eles devem ser segregados, processados e punidos. Lex habemus. Que se faça justiça!  


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