terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A COROA DO REI

“Rei morto, rei posto”, eis a vulgar expressão da regra de sucessão nas monarquias. O trono real não pode ficar sem ocupante. Nas monarquias europeias há leis de sucessão para evitar o vazio do poder político na hipótese de renúncia, deposição ou morte do monarca. Nas repúblicas democráticas também há essa preocupação: ainda no vigor de um mandato presidencial procede-se à escolha do presidente para o período seguinte. Destarte, ao findar aquele mandato, inicia-se imediatamente o exercício do novo mandato, sem vácuo intermediário. 
A monarquia predominou como forma de governo na Europa medieval e moderna, ora subordinada à Igreja Católica, ora independente e absolutista. Atualmente, alguns países europeus são monárquicos sob constituições e leis postas pelos representantes do povo (Espanha, Inglaterra, Suécia). O chefe de estado é o rei ou a rainha. Essa autoridade máxima, algumas vezes reverenciada como divina no evolver da história, impressiona o imaginário popular. Assim, passam a ostentar o título de rei e de rainha pessoas físicas (e até estabelecimentos comerciais) que se destacam em determinada atividade. Há, por exemplo, o rei da soja, o rei do bacalhau, o rei da voz, o rei do cavaquinho, o rei da pilantragem, a rainha das trutas, a rainha dos baixinhos, a rainha da beleza, a rainha dos preços baixos, e assim por diante. 
“A coroa do rei não é de ouro nem de prata”. Essa letra da marchinha carnavalesca referia-se à coroa de Momo, rei do carnaval e também à coroa de qualquer fantasia de monarca. Há foliões fantasiados de reis, rainhas, príncipes e princesas, ecos da monarquia política de Portugal e do Brasil (1815-1889).
Nos esportes individuais e coletivos (tênis, natação, basquete, futebol) também há realezas femininas e masculinas, nacionais e internacionais, eleitas pela opinião pública local ou mundial e/ou por entidades oficiais. Em dezembro de 2022, o Brasil perdeu uma dessas realezas internacionais do mundo esportivo: Pelé, rei do futebol. Seu corpo foi velado no Santos FC, clube do litoral paulista que o projetou nesse esporte, e sepultado em 03/01/2023 no Memorial da cidade de Santos/SP. A sua morte enlutou brasileiros e estrangeiros que o admiravam e respeitavam como o maior atleta do século XX e o maior jogador de futebol de todos os tempos.
O futebol tem diversos reis nacionais. Entre os países europeus, França tem o seu rei Zidane, sucessor de Platini; Alemanha tem o seu rei Müller, sucessor de Beckenbauer; Inglaterra tem o seu rei Beckham, sucessor de Rooney; Holanda tem o seu rei Van Basten, sucessor de Cruyff; Portugal tem o seu rei Cristiano Ronaldo, sucessor de Eusébio; Hungria tem o seu rei Puskas. Entre os países americanos, Argentina tem seu rei Messi, sucessor de Maradona (para os argentinos, mais do que rei do futebol, Maradona é um deus); Brasil teve seu rei Arthur Friedenreich (1920) sucedido por Tomás Soares da Silva, o “Zizinho” (1950), Romário de Souza Faria (1994) e Ronaldo de Assis Moreira, o “Ronaldinho Gaúcho” (2004).  
O futebol tem poucos reis internacionais. No século XX (1901-2000) a coroa de rei mundial do futebol que estava com Leônidas da Silva, o “Diamante Negro” (1938) passou para Waldir Pereira, o “Didi” (1958) e deste passou para Manuel Francisco dos Santos, o “Garrincha” compartilhada com Edson Arantes do Nascimento, o “Pelé” (1962-1966). Em 1970, a coroa estava exclusivamente com Pelé, que não teve sucessor até a presente data. Essa coroa aguarda novos herdeiros neste século XXI (2001-2100). Ao contrário da monarquia política, a monarquia esportiva comporta vácuo; a sucessão nem sempre é imediata. Há lapsos de tempo entre o reinado de uma personalidade e o reinado de outra. Às vezes, a coroa do esporte é compartilhada por dois ou mais atletas ao mesmo tempo como já aconteceu, por exemplo, no automobilismo, no tênis feminino e no futebol masculino. 
Aos futuros candidatos a sucessores em nível planetário não se há de exigir o impossível: serem melhores do que o rei Pelé. Espera-se o possível: que sejam semelhantes ao rei quanto à disciplina, ao amor ao esporte e às camisas do seu clube e da seleção do seu país, à inteligência lúdica genial, à plasticidade e à eficiência na arte de jogar futebol. Atualmente, a eleição de um novo rei mundial do futebol, sem perda de qualidade, mostra-se muito difícil. Ainda restam oito décadas ao presente século para que desponte algum sucessor à altura do talento de Pelé. 

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