domingo, 8 de janeiro de 2023

REVANCHISMO

Nesta primeira semana de 2023, a comunidade das nações assistiu a passagem, ocorrida no Brasil, de um governo autoritário a um governo democrata, ambos eleitos pelo povo. Consequência do caos social e econômico da nação brasileira, as cerimônias de posse do novo presidente da república e dos seus ministros nos respectivos cargos, tiveram profundo significado moral e espiritual e se revestiram de acentuado simbolismo em torno da supremacia da Constituição da República (CR). Assim, por exemplo: 
1. Ao subir a rampa do palácio do governo acompanhado de cidadãos de ambos os sexos e de diferentes segmentos da sociedade civil e, lá no alto, receber a faixa presidencial das mãos de uma mulher negra, pobre e trabalhadora, o presidente da república mostrou respeito: (i) à viga mestra da democracia: todo o poder emana do povo e todos nascem iguais em direitos (ii) aos fundamentos da república: soberania, cidadania e dignidade da pessoa humana (iii) à finalidade do estado: o bem comum da nação. A cena foi histórica, espetacular e emocionante, sem paralelo no mundo, tal como a vigília de 580 dias em Curitiba.
2. Ao montar o ministério, o presidente guiou-se pelos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pelos princípios estruturais da ordem econômica e da ordem social. Isto demandará esforço para arbitrar eventuais divergências, entre os ministros de estado, que resultarem do choque entre as noções liberais e as noções socialistas que o legislador constituinte ecleticamente conciliou na Constituição. Provavelmente, a arbitragem será pontual e ponderada tendo em vista o fato de o capital e o trabalho serem os alicerces da sociedade moderna. Outrossim, o caráter uniformizador da transversalidade nas ações dos ministérios em temas sociais e econômicos contribuirá para suavizar os choques eventuais.    
Os discursos foram programáticos e afirmativos, palavras candentes empregadas sem veleidade e voltadas para os problemas internos e externos. A interpretação desses discursos, pois, assume relevância. Por mais claro que pareça, todo texto, vulgar ou científico, literário ou legal, comum ou oficial, é passível de interpretação. A busca do significado e do alcance dos textos por diferentes intérpretes enseja compreensões distintas. As qualificações e os interesses do intérprete influem na interpretação, inobstante o gramatical, histórico, lógico e sistemático exame do texto. Assim, por exemplo, ao empresário interessa manter as reformas trabalhista e previdenciária realizadas no governo anterior. Na opinião dele, há muito o que fazer e o novo governo não deve perder tempo com o que já está feito. Essa opinião norteia a interpretação do empresário sobre os discursos em tela. Todavia, o que já está feito prejudica os direitos do trabalhador. Logo, ao prejudicado cabe pleitear a revisão daquilo que o prejudicou. 
Mudança é regularidade própria da civilização. Diferentes visões de mundo e circunstâncias históricas explicam e justificam mudanças necessárias, úteis e/ou interessantes. Na dinâmica social, o que já está feito não é imutável. O que valeu no passado pode não valer no presente. A ordem jurídica que vigorou no império não é a mesma que vigora na república. O tratamento da questão trabalhista anterior a 1930 não é o mesmo ao que foi dado a essa matéria nos anos posteriores. Se for da vontade do povo, a legislação trabalhista e previdenciária anterior a 2023 poderá ser mudada total ou parcialmente pelo novo governo. 
No seu discurso de posse, o presidente afirmou: (i) que não haverá revanchismo no seu governo (ii) que será apurada a responsabilidade de quem praticou crimes no governo anterior. As duas afirmações ajustam-se como partes de um todo: o programa de governo.
Revanchismo tanto pode significar vingança e desforra como, também, determinação da vontade a conquistar um bem. Submeter ao devido processo legal o ex-presidente da república, seus filhos e seus cúmplices, por ações e omissões criminosas praticadas, não significa vingança ou desforra e sim atendimento à exigência de justiça. O estado tem o dever de garantir a eficácia da ordem jurídica nacional. Cabe ao ministério público cumprir esse dever na área criminal. Se esse órgão público nada fizer em prazo razoável, caberá à sociedade civil a iniciativa de propor a ação penal (CR 5º, LIX). 
A violação ao direito não deve ficar impune. A maior parcela do povo brasileiro exige respeito ao estado democrático de direito. Isto ficou evidente nas eleições de 2022, quando a esquerda e parte da direita se uniram para defende-lo. A responsabilização legal dos culpados não é capricho pessoal da vítima e sim imperativo da ordem jurídica. Não se trata de revanchismo vingativo e sim do clamor por justiça, do vigor do direito e do repúdio à impunidade. Apurar responsabilidades por delitos praticados é procedimento legal e civilizado, comum às repúblicas democráticas. A impunidade é comum às republiquetas. 


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