quarta-feira, 11 de maio de 2022

ARBITRAGEM

As relações humanas conflituosas têm sido resolvidas ora de modo violento (olho por olho, justiça pelas próprias mãos) ora de modo pacífico (acordo, arbitragem). O modo pacífico institucionalizou-se com a passagem da barbárie à civilização e a ordenação racional das relações humanas. A arbitragem comporta duas modalidades: (i) a convencional, quando as partes em disputa escolhem os árbitros (ii) a oficial, quando a disputa é submetida à apreciação de árbitros nomeados pelo estado (juízes togados, tribunais de justiça). Apesar da institucionalização dos processos de julgamento, o sentimento de vingança persiste, principalmente, nos crimes contra a pessoa (homicídio, lesão corporal, estupro). A súplica por “justiça” implica o desejo de punir o culpado e encobre o sentimento de vingança. Nas relações internacionais, tal sentimento também persiste. Depois de ofendida, uma nação ataca a nação ofensora para se vingar. Exemplo: Os EUA atacaram o Afeganistão. Em represália, os afegãos atacaram as torres gêmeas de NY. Em represália, os EUA tornaram a atacar o Afeganistão.   
Assim como foram estabelecidas regras disciplinando as relações humanas na sociedade e no estado, também foram estabelecidas regras sociais específicas para disciplinar a conduta dos jogadores, o funcionamento dos clubes e dos árbitros no mundo esportivo. No bojo do direito social formou-se o direito desportivo. Arbitragem individual (juiz privado) e arbitragem colegiada (tribunal desportivo) foram constituídas. Ao juiz privado (organização desportiva) costuma-se reservar o nome de árbitro a fim de distingui-lo do juiz togado (organização do estado). Das decisões tomadas em campo pelo árbitro há previsão de recurso à instância superior (“tapete vermelho”).     
Tal como o juiz togado, o árbitro esportivo também acerta e erra nos seus julgamentos; interpreta e aplica as regras de modo equivocado por vários motivos: parcialidade, deficiência física, moral, técnica, interesse pessoal, pressão externa (torcida, imprensa, opinião pública). Ao invés da rigorosa e literal aplicação da regra do impedimento, o árbitro acerta ao decidir a favor da arte e da beleza do espetáculo. A estética compõe o jogo esportivo. A vitória traz alegria e sorriso aos vencedores, tristeza e lágrimas aos perdedores, porém, o calor da emoção paira sobre a frieza da geometria. Sem prejuízo da ética e sem incentivo à violência, o árbitro, antes de punir, deve considerar o caráter dinâmico e varonil do futebol. O VAR é tecnologia que auxilia o árbitro na elucidação das jogadas. Todavia, ao árbitro cabe a decisão final, ainda que divergente. No caso de impedimento, por exemplo, se o árbitro discordar do VAR, apontará o centro do gramado a indicar a validade do gol e a prevalência do seu juízo pessoal. Chamando para si a responsabilidade, denota coragem e firmeza. 
No domingo, 08/05/2022, jogo Flamengo x Botafogo, as linhas do VAR pareciam indicar posição de impedimento no momento da cobrança de falta. Atacantes e defensores estavam alinhados em frente à área do Botafogo. De cabeceio, o atacante do Flamengo marcou o gol. O árbitro surfou na onda do VAR e anulou a bela e legítima jogada. Frustrou o time e a torcida. Devia ter mantido a sua correta decisão anterior. Esse tipo de anulação tem sido constante. O Brasil foi criativo na arte de jogar futebol. Precisa ser criativo também na arbitragem. Cuidar para não estragar belas jogadas por causa do rigor exagerado na aplicação da regra. 
A submissão às regras estabelecidas pelos colonizadores não deve colocar a arbitragem brasileira na posição colonizada. O árbitro nacional, mostrando autonomia, deve aplicar o princípio da insignificância adotado no direito penal. Assim, por exemplo, no que se refere à regra 11, em campeonato nacional, para considerar o jogador impedido, a comissão brasileira de arbitragem, na sua função de regulamentar a regra, devia baixar instrução: [1] estabelecendo a distância de 1(um) metro entre o atacante mais próximo da linha de fundo e o penúltimo oponente (o último é o goleiro) [2] determinando aos árbitros: (i) mais atenção na avançada posição da cabeça, do tronco e dos pés do atacante (ii) só marcarem o impedimento quando o atacante estiver plantado naquele espaço (iii) não marcar o impedimento quando o atacante ali chegar na dinâmica da jogada. A distância será medida pelo VAR caso o árbitro de campo tenha dúvida. 
A regulamentação da regra beneficiará a plasticidade e o lado artístico do esporte, atenderá ao senso de justiça e exigirá mais atenção e perícia dos defensores e treinadores. A doutrina da supremacia do resultado sobre a beleza é própria de treinador europeu. Jogar bonito não é o forte do jogador europeu, salvo raras exceções (Beckenbauer, C.Ronaldo, Zidane). Da índole e da tradição do jogador brasileiro é jogar bonito, com arte, para satisfazer a si próprio e com eficiência, para satisfazer a equipe e a torcida (Didi, Sócrates, Vini). Daí, a admiração e o respeito dos estrangeiros ao futebol brasileiro. Às vezes, rola inveja.  


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