segunda-feira, 28 de março de 2022

A MULHER E O MENDIGO

Mulher de classe média, jovem, bonita, corpo escultural, no interior do seu automóvel mantinha relações sexuais com um mendigo, morador de rua, quando foi surpreendida pelo marido. O caso aconteceu em Brasília na semana passada e ganhou as manchetes dos jornais e divulgação pelas emissoras de rádio e televisão. Afirma-se que a mulher padece de distúrbios psíquicos e foi hospitalizada. O mendigo ganhou notoriedade como se tivesse praticado ato digno de louvor.
Compreende-se o alarido tendo em vista ser o fato (i) extraordinário, por ter acontecido num país capitalista onde essa promiscuidade é inimaginável ante a bem delineada estrutura de classes (ii) chocante, por ter sido consensual, sem violência e, assim, ferir preconceitos sociais. O assunto interessa à religião e à ciência. A mulher teria agido como pastora protestante no piedoso propósito de salvar a alma do mendigo pecador. Nas preliminares e na sequência do relacionamento, ela diz ter confundido o mendigo, primeiro com deus e depois com o marido. A investigação policial e os exames médicos trarão mais esclarecimentos. Compreensível, porém injustificável, o sensacionalismo da média nacional se considerada a complexidade do caso. Noticiário moderado seria o correto, sem prévios julgamentos, galhofas e indecorosa exposição de detalhes.  
Muito comum atribuir loucura à mulher quando (i) ela trai o marido ou companheiro (ii) contraria o comportamento convencional (iii) insurge-se contra injusta situação de desigualdade e inferioridade que lhe é imposta. O caso em tela parece não se encaixar nesse padrão em face dos indícios de que a mulher realmente enfrenta problemas psíquicos. Há estados da alma que repercutem no organismo provocando erótica excitação. Eros é deus poderoso do reino animal. Anomalias psíquicas desbordam em direção ao fanatismo e alimentam a fantasia de clérigos, líderes políticos, professores, cientistas. A fé religiosa trava a livre pesquisa, ofusca o pensamento, sobrepõe-se à fé científica, interfere nas relações sociais e nas esferas da moral e do direito. 
“O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras). A religiosidade impregna o espírito e condiciona a vontade, o sentimento, o pensamento e o comportamento dos humanos. “A religião é o ópio do povo” (Marx). Essa metáfora indica o efeito entorpecente da religião no cérebro humano, obscurecimento da razão, esterilização do racional e preponderância do sentimental. Na pregação religiosa usam-se metáforas para agradar os crentes, enganá-los e arrecadar dinheiro, tais como: os desígnios de deus são inescrutáveis; deus escreve certo por linhas tortas; deus é pai celestial amoroso e misericordioso; a fé move montanhas. Os pastores e pastoras asseguram falar com deus, ouvi-lo, obedece-lo, conhecer a vontade divina. Empunham e agitam a Bíblia diante dos crentes como se fora a palavra de deus e não a palavra escrita no passado por mãos humanas. Fazem tábula rasa de tudo o que em contrário está contido na própria Bíblia, exibido no cosmos, registrado na história e provado nas descobertas da ciência. Divergem entre si quanto ao conceito e à definição de deus, mas convergem vaidosamente no que concerne à semelhança dos atributos humanos  com o que eles imaginam ser atributos divinos. Falastrões, mentirosos, estelionatários da fé religiosa, caso de polícia a exigir enquadramento na lei penal. 
Há casos que competem à medicina psiquiátrica e não à polícia. Pastores e pastoras que acreditam piamente estar em comunhão com deus e na posse de poderes divinos. Provavelmente, distúrbio neural, obnubilação cerebral, imaginação desviante da realidade e da racionalidade. Alucinados em decorrência do fanatismo, enganados pelas falsidades contidas nas tradições e escrituras “sagradas”, eles afirmam a presença de deus em minerais (montanhas), em vegetais (sarça, goiabeira) em animais (pombas) e deificam pessoas (profetas, mestres, avatares). Apoiam-se nos trechos da Bíblia que lhes favorecem a fantasia e lhes conferem certeza de que estão unidos a deus. Acreditam que deus existe e se interessa pelos humanos e por tudo que ocorre neste pequenino grão de areia chamado Terra, que gira em torno de uma estrela de quinta grandeza situada no interior de imensa galáxia que se move em conjunto com 8 bilhões de galáxias em todo o universo. Pretensão humana ilimitada! 
Desde a sua origem, os humanos convivem com os seus medos e com o desconhecido, fascinados pelas estrelas, lua, sol e mar. Em seu entorno sentem a temível presença de deuses e deusas. Assustam-se com as tempestades, raios e trovões, com os terremotos e maremotos, com o despencar de árvores e rochas, com a hostil proximidade dos animais irracionais. Tudo isto constitui a base física e psíquica da religião. Essa base (i) enseja o sacerdócio que administra e explora o espírito religioso da massa popular e (ii) dá nascimento e sustentação à classe sacerdotal. 
Faraós, imperadores, reis, acumulavam a chefia do estado com o sumo sacerdócio. Reconheciam a importância da religião para o domínio político. Cristãos, judeus, muçulmanos, colocam as escrituras “sagradas” acima do estado (portanto, acima dos elementos essenciais do estado: povo, governo e território). Apesar do advento da democracia e da laicidade do estado no continente europeu (1701-1800) as nações mantiveram suas crenças e práticas religiosas. A humanidade continua espiritualmente no paleolítico, apesar do avanço artístico, científico e tecnológico.   

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