domingo, 13 de março de 2022

MULHER DE MALANDRO

No filme Ritmo Selvagem, exibido pela Netflix, sobre dançarinas e afetos, a protagonista encarna o tipo de moça “patricinha”, nascida, criada e mimada no seio de família rica. Após arreliar com o diretor da academia de dança do centro urbano, ela procura no bairro pobre uma excelente dançarina de rua. Trata-se de bonita operária de fábrica que, assediada pelo chefe, sofre perseguição no trabalho por tê-lo rejeitado. A dançarina de rua concorda em ajudar a patricinha. Misturam-se as dançarinas e transitam da rua para a academia e da academia para a rua. A patricinha largou o namorado tipo “mauricinho” e caiu nos braços de um malandro da periferia, vendedor de drogas ilícitas, com quem ela se relaciona sexualmente. O mauricinho fracassa nas tentativas de se reconciliar com a ex-namorada. Procurando viver em nível social que não era o seu, contrariando a educação e a orientação que lhe foram dadas pela mãe classe média alta, socializando com gente perigosa, a patricinha acabou assassinada. 
A temática da paixão entre pessoa rica e pessoa pobre, explorada em livros, novelas, filmes, atrai principalmente a porção subdesenvolvida da massa popular que aspira ascensão e sonha com o dia em que o convívio seja fraterno e as classes sociais se tornem uma só. Assemelhado ao da moça do filme, há um tipo brasileiro conhecido como “mulher de malandro”. Esse tipo suporta os maus-tratos que lhe são aplicados pelo homem por quem se apaixonou. Gosta do homem ainda que ele seja desonesto, mau caráter, machão, de inferior extração moral e cultural. Blaise Pascal advertia: o coração tem razões que a razão desconhece. A morena Luiza Brunet, modelo que brilhou nas passarelas, mostrou ao Brasil, recentemente, que não é mulher desse tipo. Denunciou o machão ricaço. Essa atitude de resistência e de inconformismo tem aumentado entre as mulheres brasileiras. A criação de delegacias para atendimento exclusivo de mulheres encoraja as denúncias. Antes, as vítimas deixavam de apresentar queixa nas delegacias masculinas porque sabiam que seriam recebidas sem a devida atenção, sob deboche e maliciosas insinuações, o que as desencorajava. Estupro, abuso sexual, violência doméstica, eram vistos pelos policiais como se fossem leis da natureza às quais as mulheres estavam obrigadas a aceitar. O costume ancestral obrigava as mulheres à submissão aos homens. 
Há países do Hemisfério Norte (Alemanha, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega) atualmente decentes e equitativos nos costumes. O nível cultural e a situação econômica permitem que as mulheres tenham voz ativa e sejam respeitadas no lar, na escola, na empresa, em qualquer atividade externa. Em países latinos europeus e americanos, essa igualdade quase não existe no plano dos fatos. Há igualdade de direito, porém, na esfera prática das relações sociais, econômicas e políticas (i) precária é a igualdade de fato (ii) e fraca a eficácia da norma jurídica. Essa desigualdade material, resultante da supremacia masculina culturalmente sedimentada, acontece também nos países orientais (árabes, indianos, asiáticos). A desigualdade material cresce na razão direta do subdesenvolvimento social e econômico e se mantém por força de arraigada tradição, principalmente onde vigora o modelo capitalista de sociedade. 
No atual conflito Rússia x Ucrânia, o Presidente dos EUA (homem) enviou a Vice-Presidente (mulher) para tratar in loco de assuntos humanitários e outros favoráveis ao governo nazista ucraniano. No sistema constitucional estadunidense a vice-presidência é decorativa enquanto o Presidente estiver no exercício do cargo. A sua principal finalidade é assumir as funções presidenciais na hipótese de o Presidente morrer ou, por diferentes motivos, delas se afastar provisória ou definitivamente. Enquanto não assume as funções presidenciais, a Vice-Presidente pode aceitar missões que lhe forem confiadas pelo Presidente e para cuja execução terá poderes limitados. O aval do Presidente e o assentimento do Congresso dos EUA podem se fazer necessários à validade dos atos oficiais da Vice-Presidente.     
Na Câmara dos Deputados do México, país latino da América do Norte, as mulheres estão em maior número do que os homens, conforme constatou o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em recente visita ao citado país. Nações do Hemisfério Sul já tiveram mulheres como chefes de estado e também como representantes do povo nos parlamentos (Nova Zelândia, Nicarágua, Chile, Argentina). O Brasil já foi presidido por mulher (2011-2016). Aqui, o número de mulheres no Congresso Nacional (deputadas + senadoras) cresceu pouco. Mais da metade do corpo eleitoral é de mulheres (53%), porém, elas votam preferencialmente nos homens. A chefia de governo dos estados federados e dos municípios tem sido esporadicamente exercida por mulheres. Nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores a desproporção entre homens e mulheres ainda é grande. 
Mais numerosos e antigos na política, os homens (i) superam as mulheres na maldade e na desonestidade (ii) aparecem como corruptos e mentirosos bem mais do que as mulheres. A má fama vem de longe. Jean-Paul Marat (1743-1793), prussiano radicado em Paris, filósofo, cientista e jornalista revolucionário, dizia, no seu jornal, que os legisladores eram, na maioria, velhacos manhosos, charlatães indignos, homens corruptos, astutos, pérfidos, sem alma, sem bons costumes, sem honra, sem pudor. Apesar disto, sem perder a fé e a esperança, gritemos como lá fizeram os franceses: Liberdade, Igualdade, Fraternidade! Viva a diferença! 

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