sexta-feira, 18 de março de 2022

VOCAÇÃO GUERREIRA

A luta e a violência são coetâneas, próprias do reino animal, intrínsecas à espécie humana: indivíduo contra indivíduo, tribo contra tribo, cidade contra cidade, nação contra nação. Dessa evidência natural e histórica, Thomas Hobbes extraiu a sua célebre sentença: “o homem é o lobo do homem”. A sua teoria da origem do estado assenta-se na constatação de que luta e violência permanentes impossibilitariam o convívio e a coexistência caso não houvesse entendimento entre os humanos. Destarte, algum tipo de negociação tácita ou expressa, teria havido nos primórdios. Depois, já no estágio de civilização, leis e contratos escritos, fundados na experiência, na necessidade, na utilidade, no interesse, passam a regular as ações humanas e a disciplinar o exercício das liberdades.        
No século XX (1901-2000), a humana beligerância atingu o mais alto patamar. [1] Duas guerras mundiais, ambas iniciadas na Europa [2] Guerras regionais (Argélia, Coréia, Indochina, Oriente Médio, Vietnã) [3] Revoluções políticas (russa, italiana, alemã, espanhola, chinesa, cubana, iraniana, africanas, latino-americanas) [4] Genocídios (Auschwitz, Bálcãs, Camboja, Hiroshima, Líbano, Nagasaki, Palestina, Ruanda). O nacionalismo desponta na Europa como poderosa energia constituinte do estado moderno. Caracteriza-se por forte apelo sentimental e espírito de sacrifício em prol de uma entidade sagrada: a nação. Inicialmente, nacionalismo significava lealdade e apego a um determinado grupo humano caracterizado pela comunhão afetiva, linguística, histórica, cultural. A ação nacionalista expressava o anseio por liberdade do grupo, implicava resistir à opressão e esterilizar o domínio estrangeiro. Posteriormente, verificou-se um movimento agressivo em prol da grandeza e da independência da nação. Esse movimento culminou (i) na adoração à honra e aos símbolos nacionais (ii) no culto da pessoa que encarnava o poder da nação (iii) na certeza da predestinação (iv) na aspiração de supremacia material, espiritual e racial. O pensamento nacionalista enlaça as ideias de fraternidade nacional, de segurança nacional, de desenvolvimento nacional, de presença e domínio do estado em todos os assuntos de interesse nacional. 
As gerações humanas posteriores à segunda guerra mundial presenciaram mudanças cada vez mais rápidas nos costumes, nas técnicas, nas ciências, nas comunicações sociais, na informação. Testemunharam e vivenciaram a introdução da cultura do Oriente no Ocidente. Constataram a oposição – mais do que ajuste – entre os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, nos países de diferentes culturas do mundo contemporâneo. Nas relações internacionais, notaram feroz competição entre dois blocos poderosos. [1] Socialista, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). [2] Capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América (EUA). Essa competição entre duas grandes potências, apelidada “guerra fria” por Walter Lippmann, jornalista estadunidense, estremeceu o espírito de conciliação e de colaboração internacional que presidira a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas palavras de U-Than, Secretário-Geral da ONU (1963), essa competição envenenou as relações internacionais do pós-guerra. Ainda em nossos dias, está viva a mentalidade belicista e tanatológica que gerou aquela infeliz e coletiva experiência humana.  
No que tange ao vigor da liberdade e da igualdade, verificou-se (i) ampla liberdade no bloco capitalista e restrita liberdade no bloco socialista (ii) ampla igualdade no bloco socialista e restrita igualdade no bloco capitalista. Qualificavam-se de (i) democracias liberais, os países do bloco capitalista, onde venera-se a liberdade individual e restringe-se a igualdade material (ii) democracias socialistas, os países do bloco socialista, onde venera-se a igualdade material e restringe-se a liberdade individual. Na democracia social, conciliadora entre o capital e o trabalho, adotada por alguns países, equilibram-se liberdade individual e igualdade material visando ao bem-estar da nação. 
No plano histórico dos atos e fatos humanos, a realidade, por ser caleidoscópica, resiste à abstração racional, distancia-se do purismo das teorias e das doutrinas e exibe a estupidez do radicalismo.  

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