quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

300

Esse número, aplicado à Câmara dos Deputados, simboliza o que de pior há nesse órgão político representante do povo. Sobre disputar eleição para o Congresso Nacional, uma vez exaurido o seu mandato como deputado constituinte, Luiz Inácio Lula da Silva manifestou desapontamento afirmando que lá atuavam cerca de “300 picaretas” (1988). Na presidência da república, Fernando Henrique Cardoso comprou os votos dos “300 picaretas” à 200 mil reais per capita, a fim de obter Emenda à Constituição instituindo reeleição que o beneficiaria. A Emenda foi aprovada no Congresso Nacional e ele foi reeleito (1998). Denise Frossard, juíza de direito estadual aposentada/RJ, quando deputada federal a quem, como seu antigo professor de direito constitucional, prestei assistência jurídica durante o seu mandato, dizia ser preciso tapar o nariz para entrar na Câmara dos Deputados, sugerindo que se tratava de uma pocilga ou fossa sanitária (2003-2006). Jair Messias Bolsonaro, a fim de se manter no cargo de presidente da república e evitar o processo de impeachment, comprou, por bilhões de reais, os votos dos “300 picaretas” que elegeram seus cupinchas para as presidências da Câmara e do Senado (2021). Eufórico, Jair gargalha. Ri muito. Mostra gostar de (i) fazer palhaçadas para alegrar os seus correligionários e ironizar quem não lhe tem apreço (ii) usar linguagem rasteira, gestos vulgares, mentir, desmentir e confundir o público (iii) gerar notícias falsas (iv) ofender jornalistas e adversários (v) menosprezar a ciência (vi) exibir alicerces na igreja protestante. Confiando no seu eleitorado de 2018, ele debocha dos 90 milhões de eleitores que nele não votaram. A estes, quiçá, o destino tenha reservado a oportunidade de rir por último. 

O referido pagamento noticiado pelos meios de comunicação social e a citada eleição talvez assegurem aprovação dos projetos da presidência da república no Congresso Nacional, mas não asseguram a impunidade do presidente pelos crimes praticados. Isto porque (i) há dezenas de petições pleiteando a destituição do presidente da república, todas aguardando despacho (ii) os presidentes da Câmara e do Senado têm o dever jurídico de despachar as referidas petições sob pena de serem processados criminalmente por prevaricação (iii) o direito de petição é garantia constitucional de todos os cidadãos conforme letra a, do inciso XXXIV, do artigo 5º, da Constituição da República (iv) a essa garantia corresponde o dever jurídico das autoridades estatais de examinar, deferir ou indeferir as petições que lhes são apresentadas (v) o descumprimento desse dever equivale a retirar a eficácia da garantia constitucional no caso concreto, o que tipifica ilícito gravíssimo. 

O dever comum e geral de despachar não se confunde com prerrogativa, direito especial e exclusivo, como explicado alhures. Despachar petição inaugural de processo jurídico (parlamentar, administrativo, judicial) por autoridade estatal competente significa deferir ou indeferir o seu processamento. Cuida-se do juízo de admissibilidade positivo ou negativo. Desse despacho cabe recurso ordinário para a instancia superior (plenário da Câmara, no caso da autorização para instaurar o processo de impeachment). Por aplicação da lei processual subsidiária à lei material e ao regimento interno, o presidente tem o prazo de 10 dias para despachar (Código de Processo Penal: 800, I). Esse prazo já se esgotou há muito tempo. Caso o novo presidente da Casa não despache as petições imediatamente, o ministério público, ou cidadão brasileiro, poderá interpela-lo judicialmente para que cumpra o seu dever no prazo que for fixado no mandado expedido por ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Desatendida a notificação judicial, os interpelantes poderão propor ação penal contra o interpelado recalcitrante. 

Apesar do alinhamento dos novos presidentes da Câmara e do Senado com a política do presidente da república, os procedimentos para o impeachment podem e devem ser iniciados em obediência à Constituição e às leis. A opinião pública tem se mostrado favorável ao impeachment. Esse apoio vem dos setores civil, militar e religioso da nação brasileira. Talvez, entre os picaretas do Congresso Nacional, haja alguns sintonizados com essa pública opinião. Os votos dessa parcela divergente somar-se-ão aos votos dos “200” parlamentares corretos. 

Além disto, perante o STF, no que concerne aos crimes comuns, poderá ser apurada a responsabilidade criminal do presidente da república e dos presidentes da Câmara e do Senado mediante ação penal pública de iniciativa do ministério público. Na hipótese de inércia do ministério público, a ação penal poderá ser proposta por cidadão brasileiro consoante dispõe o inciso LIX, do artigo 5º, da Constituição da República. Certamente, a ação cidadã subsidiária estará isenta do pagamento de taxa e custas judiciárias tendo em vista a sua relevante finalidade: persecutio criminis de indiscutível interesse público e que, no caso do impeachment ora cogitado, afeta a segurança nacional.        



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