sábado, 6 de fevereiro de 2021

IMPARCIALIDADE PARCIAL

O acesso aos diálogos relativos à operação lava-jato de Curitiba/PR, travados entre agentes do ministério público federal e juiz federal, foi liberado à defesa de Luiz Inácio Lula da Silva por determinação do ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa decisão monocrática, que deu eficácia à constitucional garantia do devido processo jurídico (ampla defesa) e ao republicano princípio da publicidade, será submetida ao crivo do colegiado (turma ou plenário). Levantado o véu do sigilo, os questionamentos sobre o dever de imparcialidade receberam novo impulso. Ficou evidenciado o conluio entre o órgão acusador e o órgão julgador, o que torna írritos os processos das ações penais em que eles funcionaram. Em oportuno e bem fundamentado artigo publicado na rede de computadores (sitio Brasil 247, edição de 02/02/2021) o professor gaúcho Lenio Luiz Streck, pós-doutor em direito, tratou desse tema. Referiu-se ao “golpe antijurídico” e à “tese alternativa” que se pretende aplicar na solução do caso MP x Lula: (i) reconhece-se a parcialidade do juiz (ii) anula-se o processo (iii) os direitos políticos do réu permanecem cassados. O professor lembra que Moro funcionou na instrução do processo do sítio de Atibaia/SP e que Hardt, juíza que o substituiu, copiou sentença por ele prolatada no caso do triplex de Guarujá/SP. 

A mencionada tese, se aceita, impedirá o réu de participar das eleições de 2022. Enquanto não defendida oficialmente, a tese fica no limbo e no rumor. Luiz Inácio recuperará seus direitos políticos se as sentenças penais condenatórias forem reformadas ou se os respectivos processos forem anulados (triplex Guarujá + sítio Atibaia). A sua defesa técnica busca esses resultados junto ao STF. Nos diversos graus de jurisdição (vara, tribunal regional, superior tribunal de justiça) a defesa não logrou êxito. Para vergonha da magistratura federal, essas jurisdições foram contaminadas pelo jogo político partidário, pelo sentimento antipetista e pelo preconceito contra o nordestino metalúrgico pobretão que trocou o macacão pelo terno, recebeu e honrou a faixa presidencial. O nobre não tolera e nem perdoa a ousadia do plebeu. A estratificação social europeia do século XVII (1601-1700) sobrevive no espírito burguês do século XXI (2001-2100).   

Julgar é operação mental que reúne ideias mediante cópula afirmativa ou negativa; a sua expressão verbal é a proposição. O objeto dessa operação pode ser teorias, crenças, pessoas, coisas, instituições. A proposição formulada pode ser verdadeira, justa, sagrada  ou contrária a tudo isto. Exemplos: o capital e o trabalho são essenciais ao desenvolvimento de uma nação; os políticos são corruptos; o réu é inocente; a alma é força vital; os homens não são anjos; os estados não são pacíficos; a Terra não é plana; o Papa não é genocida. Para enganar, o indivíduo diz: “este anel é de diamante” quando, na verdade, o anel é de vidro. 

Verdade e falsidade ocorrem na formulação de juízos (proposições) e raciocínios (argumentos), seja na ciência, seja na filosofia, na religião, no misticismo, tanto na lógica científica como na lógica vulgar. O erro é humano. O acerto é casual. A verdade é intuitiva. Referidos a essa operação mental (juízo) encontram-se aforismos de cunho ético e religioso tais como: com a mesma medida que medires sereis medidos; não julgueis para não serdes julgados; advertências endereçadas à mulher e ao homem para que não utilizem essa operação de modo leviano, irresponsável, desonesto, injusto. À mulher e ao homem no exercício da magistratura impõe-se o dever funcional de honrar a toga, formular juízos verdadeiros, justos, fiéis aos fatos e ao direito, alicerçados em prova idônea suficiente, lançados no bojo do processo em sintonia com a ética judiciária. A esse dever do magistrado corresponde o direito do cidadão a um julgamento justo. 

Parcial é o que faz parte de um todo; visão, exame, tratamento, estudo, atinentes às partes de algo maior. Parcialidade significa a qualidade do que é parcial. A humana inteligência pode ser aplicada (i) ao todo, como o cosmos (ii) à parte, como a estrela. O juízo pode ser (i) universal, quando referido ao todo (ii) particular, quando referido à parte. No que concerne ao processo judicial, o juízo emitido pelo magistrado (decisão interlocutória e sentença) qualifica-se de parcial quando tendencioso, faccioso, determinado a favorecer uma das partes em detrimento da outra. Sob o prisma da objetividade, o juiz pode examinar o caso por distintos ângulos e de modo legítimo, amparado na prova, na lei, na jurisprudência e na doutrina, acolher só uma parcela do que foi pleiteado e julgar improcedente o restante. Nessa hipótese, o juiz exara um juízo parcial sem descumprir o seu dever de imparcialidade.

Imparcialidade significa negação da parcialidade. Trata-se de conceito inerente à ideia de igualdade e ao ideal de justiça. Supõe tratamento isonômico concedido aos suplicantes por deus ou por humanos (juiz, árbitro, conciliador, mediador, guru, sacerdote) na solução de conflitos individuais ou coletivos. Além da imparcialidade (igual tratamento às partes, impessoalidade, celeridade, eficiência) os deveres dos magistrados são: (i) manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (ii) residir na comarca (iii) comparecer pontualmente à hora marcada para o início da audiência ou da sessão e não se ausentar antes do seu término (iv) tratar com urbanidade as partes, as testemunhas, os operadores do direito, os funcionários subalternos (v) exercer assídua fiscalização sobre os subordinados especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos (vi) zelar para que os atos processuais se realizem no prazo legal (vii) despachar e sentenciar dentro do prazo legal (viii) cumprir e fazer cumprir com independência, serenidade e exatidão as disposições legais e os atos de ofício. 

[Declaração Universal dos Direitos do Homem: Artigo X. Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 5º, caput, LIV, LV, LX, LXXVIII + 37 + 93, IX. Código de Processo Penal: Art. 251-256. Código de Processo Civil: Art.139, I. Lei Complementar 35/79: Art.35. Código de Ética da Magistratura - Resolução CNJ/2008].       


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