sábado, 29 de junho de 2019

RELIGIÃO E FEMINISMO

No Curso “Democracia: Direitos e Participação”, sessão do dia 14/05/2019, realizada na sede do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil do Sul Fluminense, na cidade de Resende/RJ, tratou-se do tema “A Democracia Brasileira na Ausência de Mulheres – A Perspectiva da Teoria Política Feminina”, exposto por Talita Abreu e Gabriela Correia de Souza e Lima, ambas filiadas ao Partido dos Trabalhadores. Nos debates com o auditório, questionou-se a contribuição das escrituras sagradas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo (Bíblia e Corão) para a desigualdade da mulher e sua situação de inferioridade em relação aos homens na sociedade. Sirvo-me dessa mesma temática no presente artigo. 
Entende-se: (i) por religião, a crença em divindades às quais se venera e presta-se culto mediante ritos, orações e súplicas (ii) por igreja, o coletivo e organizado culto à divindade, prestado em templo, com fé comum, fundado em escritura e doutrina próprias. A religião é forte componente da história da humanidade, responsável pela submissão dos povos aos mandamentos “divinos” elaborados por homens “inspirados por deus” (influência dos magos, dos brâmanes, do clero, no pensamento e no comportamento social; visão mística, religiosa, eclesiástica, do mundo). Nas nações filiadas ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo, a desigualdade da mulher tem raiz religiosa e está cristalizada nos costumes e no direito.
Entende-se por feminismo o movimento social que visa a emancipação da mulher e a sua equiparação ao homem. Esse movimento deu origem ao pensamento feminista, conjunto de ideias igualitárias favoráveis à ascensão política, social e econômica da mulher no estado e na sociedade. O estudo desse movimento gerou teorias liberais e conservadoras, algumas moderadas, outras radicais.
As escrituras “sagradas” dos judeus, cristãos e muçulmanos, foram elaboradas por homens e são desfavoráveis à mulher. No intuito de conferir maior autoridade aos seus mandamentos, os homens afirmam que os textos “sagrados” foram ditados diretamente por deus, ou resultaram da inspiração divina. Os líderes das instituições religiosas convenceram o público de que: (i) tais escrituras são a “palavra de deus” (ii) desobedecê-las é pecado (iii) o destino do pecador é o inferno.
O deus que teria ditado ou inspirado os textos bíblicos é aquele do Antigo Testamento (parte judia da Bíblia), de nome Javé, ou Jeová, demoníaco, vingativo, que amaldiçoou a mulher (Eva) por ter seduzido o homem (Adão) e desobedecido a ordem divina: “Multiplicarei os sofrimentos de teu parto, darás à luz com dores, teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu domínio” (Genesis 3: 16). Esse deus reservou posição subalterna à mulher na sociedade, qual seja: a de serviçal do homem (obedecer ao marido, procriar, cuidar da casa e dos filhos). Segundo esses espertos e machistas doutrinadores, a primeira mulher nasceu da costela do homem, provocou o pecado original, seduziu o primeiro homem e o desviou do bom caminho. Os autores do Novo Testamento (parte cristã da Bíblia) seguiram a tradição hebraica, esquecidos de que Jesus aceitava mulheres no apostolado. Os 12 apóstolos de primeira hora ficavam enciumados quando Jesus ouvia e acariciava as apóstolas, Maria Madalena entre elas, a preferida. A Igreja Cristã alicerçou-se nos conceitos e preconceitos de Paulo, apóstolo de segunda hora (não conheceu Jesus) que desprezava as mulheres.
Na civilização ocidental, a partir do século IV d.C.(301-400), a conduta dos europeus (reis, nobres, plebeus) foi disciplinada pelos dogmas da Igreja Cristã. Esses dogmas tornaram-se normas de direito. O costume e a lei escrita abrigavam a desigualdade implantada pela religião. A autoridade espiritual (Papa) sobrepunha-se à autoridade secular (Imperador). No século XIX (1801-1900), a submissão ao homem começou a ser questionada na Europa e na América por mulheres da elite branca que se rebelaram contra os costumes e as regras do direito positivo que as escravizavam ao pai e ao marido. A posse sexual violenta da esposa pelo marido não tipificava crime (estupro). A mulher não escolhia o marido, pois o casamento resultava de tratativas entre os familiares dos futuros nubentes que, às vezes, nem se conheciam. A mulher devia se dedicar às prendas domésticas e ao piano, sem acesso à escola. No século XX (1901-2000), o movimento feminista incluiu mulheres da classe remediada, brancas, negras e mestiças. As reivindicações aumentaram. [1] Igualdade: no lar, na escola, no trabalho, no desporto, nas atividades artística, intelectual, científica e religiosa. [2] |Liberdade sexual: disposição do próprio corpo, relação consentida, escolha de parceiro ou parceira, decisão sobre gravidez ou sua interrupção, uso de anticoncepcionais, roupas íntimas e exteriores, nudez rebelde. [3] Liberdade política: votar e ser votada, participar de órgãos públicos como representante da sociedade civil, organizar reuniões, passeatas, protestos e outros eventos públicos, fundar e dirigir partidos e associações civis, utilizar amplamente os meios de comunicação social. [4] Liberdade econômica: propriedade de bens moveis e imóveis, administração autônoma dos seus bens, empreendedorismo, renda própria, escolha da profissão.           
Em alguns países, inclusive o Brasil, essa igualdade e essas liberdades constam, total ou parcialmente, do ordenamento jurídico. Todavia, no plano dos fatos, a efetivação desses direitos ainda é problemática. A desigualdade impera por força da milenar tradição religiosa, dos costumes patriarcais e dos preconceitos arraigados no espírito dos povos. A concreta realização desses direitos demandará tempo. As conquistas no campo da moral e do direito foram portentosas, mas insuficientes. As mulheres ainda sofrem discriminações explícitas e implícitas. Censuradas por andar sem a companhia masculina, usar roupas sumárias, fumar e beber em público e assim por diante. As suas ideias e opiniões, os seus projetos e sentimentos, são recebidos com indiferença, descrédito, desconfiança, menosprezo, deboche, mormente nos países africanos, asiáticos e latino-americanos, onde o patriarcalismo ainda é muito forte. No livro “Hibisco Roxo” (São Paulo, Companhia das Letras, 2011), a escritora africana, Chimamanda Ngozi Adichie, descreve com naturalidade, clareza e estilo coloquial, o patriarcalismo da Nigéria, encharcado de catolicismo e fanatismo religioso. No livro “Cisnes Selvagens” (São Paulo, Companhia das Letras, 1994), a escritora chinesa, Jung Chang, mostra a realidade do patriarcalismo na China. No Oriente e no Ocidente, nas autocracias e nas democracias, o predomínio do macho é evidente em todas as épocas.   
Às feministas falta atacar a raiz religiosa da desigualdade. O patriarcalismo desabará e, com ele, a soberania da igreja masculina, no dia em que as mulheres (i) perceberem o engodo das escrituras “sagradas” (ii) perderem o medo da punição “divina” (iii) arrancarem dos seus corações essa erva daninha. O bom combate poderia ser iniciado: (i) instituindo igreja própria com local de reunião desprovido de imagens e símbolos (ii) elaborando escritura fundamental (iii) criando rituais simples, dirigidos por sacerdotisas. O nome da nova igreja poderia ser Igreja da Redenção Feminina. A prece essencial da nova religião seria assim:
Deusa da minha vida, poderosa mãe do universo, permita que eu me harmonize contigo e que o meu ser possa vibrar com a tua luz e o teu amor. Assim seja

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