sábado, 8 de junho de 2019

ESTUPRO II

O presente artigo trata do caso Najila Trindade versus Neymar Jr., em consonância com o artigo intitulado "Estupro", publicado neste blog em 12/12/2014, sobre o entrevero Maria do Rosário versus Jair Bolsonaro. Até o momento, apresentam-se como incontroversos os seguintes fatos:
1. A mulher e o homem, ambos brasileiros, ela modelo, ele jogador de futebol, a milhas de distância um do outro, comunicavam-se por via eletrônica, combinaram encontro em Paris, lá se reuniram em quarto de hotel e se relacionaram sexualmente.
2. No retorno ao Brasil, a modelo compareceu à delegacia de polícia e relatou acontecimentos em solo francês que tipificam crimes de lesão corporal e estupro cuja autoria atribuiu ao jogador. Por sua vez, o jogador postou na internet mensagens e fotos exibindo a nudez da modelo.
3. Foram instaurados dois inquéritos policiais para apurar a autoria e a materialidade dos delitos: (i) de lesão corporal e estupro (ii) de violação da intimidade da mulher.
As lesões corporais foram constatadas por laudo médico. O inquérito policial vai apurar se as lesões foram provocadas pelo jogador, pela modelo, ou por ambos. A conduta violenta do jogador foi por ele próprio admitida ao afirmar que estava bêbado e meio louco (quiçá drogado). O jogador também admitiu ser o autor da divulgação das mensagens e fotos da modelo pela rede de computadores. Ele poderá sofrer sanção penal caso fique provado que a sua conduta foi antijurídica. 
O fato de a relação sexual ter sido combinada não significa que a mulher estivesse obrigada a consuma-la. Constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça tipifica crime contra a liberdade sexual. Segundo a lei brasileira, o sujeito passivo desse crime é o ser humano do sexo feminino. À caracterização do crime são indiferentes: a nacionalidade, o estado civil, a profissão, a raça, a cor, a posição social e o patrimônio da vítima. A prostituta, por exemplo, pode ser vítima de estupro quando decide não consumar a relação sexual com o cliente. O estupro resulta do apetite sexual incontido do homem e implica violência contra o corpo, a liberdade e a dignidade da mulher. Inadmissível também agredir pessoas por serem profissionais do sexo, homossexuais, negros, pobres ou comunistas.
O escândalo teve efeito negativo na vida do jogador. Ele foi afastado da seleção brasileira de futebol. Deram-lhe saída honrosa: aprontar uma torsão no tornozelo durante o jogo amistoso com a seleção do Qatar. A televisão encarregou-se de levar ao mundo a imagem do jogador lesionado. Cair durante o jogo e depois aparecer de muletas ajuda a convencer o público desportivo de que o motivo do afastamento não foi o escândalo e sim a incapacidade física temporária. Trata-se de cautela para não prejudicar a defesa do jogador no processo judicial. Sem ele, aumentaram as chances de vitória da seleção brasileira na Copa América. Os demais jogadores serão valorizados e se esforçarão ao máximo. Enquanto famoso jogador português voa em céu de brigadeiro, o jogador brasileiro navega em mar tempestuoso. 
No que tange aos interesses financeiros do jogador, há notícia de que alguns dos seus patrocinadores pretendem romper (ou já romperam) o contrato de publicidade. Além disto, existe a probabilidade do desembolso de vultosa quantia para indenizar a modelo. A mediação talvez seja utilizada para resolver o conflito sem necessidade de recorrer à via judiciária, o que beneficiará as duas parres. A modelo desistiria da representação à delegacia policial, de oferecer queixa-crime perante o juízo criminal e de propor ação perante o juízo cível. O jogador pediria desculpas e indenizaria a modelo em dinheiro e/ou com bens móveis e imóveis. O termo do acordo seria elaborado por escrito e assinado pelas partes, por seus advogados e pelo(a) mediador(a). Caso encerrado.
A indecorosa conduta do jogador na trajetória da sua vida esportiva e seus problemas tributários com o estado fiscal militam em seu desfavor. No entanto, a vida pregressa, quer do jogador, quer da modelo, não deve influir na sentença de ação judicial proposta para apurar responsabilidade pelos atos e fatos ocorridos na França. Os antecedentes são válidos somente para a dosagem da pena na hipótese de condenação. Portanto, problemas da vida doméstica da modelo, como brigas com o companheiro, dificuldade econômica, falta de pagamento de aluguel do apartamento, não constituem licença para ela ser espancada ou estuprada, seja pelo jogador, seja por qualquer outro homem, nem motivo para o agressor ser absolvido em processo judicial. As emissoras de TV e os jornalistas que exploram esses antecedentes para desmoralizar a modelo, enfraquecer a defesa dela e fortalecer a do jogador, estão sujeitos a indeniza-la por danos morais. 
Jair Bolsonaro visitou o jogador no hospital. Retribuiu o apoio que recebeu do jogador na campanha eleitoral. Chamou de “garoto” o jogador de 27 anos de idade acusado de estuprador. Disse acreditar no “garoto”. Logo, não acredita na modelo que se diz vítima de estupro. O presidente mostra coerência com a sua teoria: mulher bonita merece ser estuprada.
A satisfação do apetite sexual encontra barreiras religiosas, morais e jurídicas erguidas no curso da civilização. O gênero homo existe há mais de um milhão de anos. A espécie homo sapiens existe há mais de vinte mil anos. O homem civilizado existe há seis mil anos. Apesar de todo esse percurso, o homem das cavernas ainda sobrevive com verniz de civilizado. Alguns desses trogloditas modernos habitam casas grandes, mansões, palacetes; locomovem-se com seus próprios e caros automóveis, barcos, aeronaves; usam cabelos e barbas bem cortados, xampu, desodorante, perfume; vestem roupa civil, farda ou batina; calçam sandálias, tênis, chuteiras, botas, sapatos de couro alemão; desempenham diversos papéis sociais, ocultam-se nas aparências. Na ocasião propícia, o homem das cavernas rompe a casca e se manifesta com toda a sua fúria.

Nenhum comentário: