sábado, 6 de julho de 2019

FALSIDADE

Grande parcela da população mundial constatou, neste século XXI (2001-2100), que a falsidade é corriqueira nos setores público e privado da sociedade. Desde a antiguidade, na vida palaciana, nos diferentes poderes do estado, são comuns as mentiras, as intrigas, as traições, a hipocrisia, elementos corrosivos do bem, antagônicos da verdade. A mentira tem sido utilizada pelas autoridades religiosas, civis e militares. As mentiras plantadas pela religião, coetâneas da civilização, ponto forte das escrituras “sagradas” dos povos, penetram na alma, condicionam o modo de pensar, de sentir e de agir dos indivíduos e grupos, governantes e governados. O Novo Testamento (parte cristã da Bíblia) menciona os falsos profetas e mostra um Jesus paladino da verdade contra as falsidades contidas no Antigo Testamento (parte judia da Bíblia). As mentiras das autoridades civis e militares são menos duradouras. Atualmente, os meios de comunicação social são poderosos veículos da mentira. Jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, perderam a credibilidade nos setores mais esclarecidos da sociedade. As redes sociais na internet tornaram-se um monturo, fossa de lama intelectual, campo de ofensas e baixarias, depósito do que há de pior na natureza humana.   
Faltar intencionalmente à verdade significa mentir, enganar, fraudar. Como valor moral de suma importância nas relações humanas, a verdade recebe proteção jurídica. Daí, a falsidade estar na base de várias figuras delituosas, tais como: falsificar moeda, obras de arte, documentos (falsidade material), atribuir-se falsa identidade, inserir declaração falsa em documento verdadeiro (falsidade ideológica), imputar falsamente a alguém fato definido como crime (calúnia), prestar falso testemunho, induzir alguém em erro servindo-se de meios fraudulentos (estelionato).
A falsidade integra o jogo político. Na década de 1920, Karl Mannheim afirmava: “A política é conflito e tende cada vez mais a ser uma luta de vida e morte.  A discussão política, além de ter razão, busca demolir a base da existência social e intelectual do adversário”. (Ideologia e Utopia. RJ/SP/RS, Globo, 1956, p. 35). Direita e esquerda são direções opostas tomadas pelo pensamento político e pela ação partidária nele inspirada. Para a direita, senhora da verdade, a falsidade localiza-se na esquerda; para a esquerda, senhora da verdade, a falsidade localiza-se na direita. A bipolaridade política europeia do século XIX (1801-1900), projeção da imagem gerada pelo acidente topográfico na assembleia nacional francesa do século XVIII (1701-1800), deu azo a duas ideologias distintas que, depois da segunda guerra mundial (1939-1945), dividiram o mundo em dois grandes blocos liderados por duas potências mundiais (guerra fria). O governo de direita tende para o autoritarismo fascista, coordena o capital, vê o trabalho como dever, tem preferência pelos ricos. O governo de esquerda tende para o totalitarismo comunista, assume a direção da economia, vê o trabalho como direito, tem preferência pelos pobres.
Considerando que a opinião e o apoio da maioria do povo são importantes para qualquer governo, verifica-se que, na prática, a efetiva política governamental não se ajusta à pureza, quer do liberalismo, quer do socialismo. Servem de exemplo, os governos de Getúlio Vargas e de Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos não se ajustaram à dicotomia direita/esquerda, eis que revestiram caráter pragmático, mostraram desapego às ideologias, moderada intervenção na economia, conviveram com a propriedade privada e a livre iniciativa, apoiaram e incentivaram a indústria e a agricultura, reconheceram direitos aos trabalhadores, adotaram vigorosa política previdenciária e assistencial, investiram na educação, dedicaram atenção aos pobres, às minorias, aos esportes, à cultura, portaram-se com inteligência e altivez nas relações internacionais.
No Brasil, a falsidade ganhou proporções gigantescas durante a campanha eleitoral para a presidência da república (2018). A “operação lava-jato” (OLJ), uma das grandes mentiras do jogo político, passou ao público a ideia de que seu objetivo era combater a corrupção. Descobriu-se, depois, que (i) os próprios combatentes eram corruptos (ii) o real objetivo era abrir caminho para a direita permanecer à frente do governo federal. A direita se acha dona da razão, senhora da justiça, autorizada a eliminar a esquerda da vida política, a manter a hegemonia do pensamento liberal e a sufocar o pensamento socialista. Espalhou ódio e violência. Dividiu a nação. Demoliu a estrutura econômica do país. Entregou aos estrangeiros as riquezas nacionais e as empresas estratégicas. Submeteu-se ao comando de governo estrangeiro. Alienou a soberania nacional. Nessa devastadora missão atuaram políticos, policiais, advogados, agentes do ministério público e da magistratura, todos bem concatenados. A OLJ foi o teatro e o patíbulo. Encenou o julgamento e cortou a cabeça do líder do maior partido da esquerda. Decapitou a verdade. Esquartejou a democracia. Violou a ética e o direito.
A mentira, cujas pernas não são tão curtas como apregoam, nem tão longas que não possam ser alcançadas, acabou exposta à luz do dia, felizmente, revelada por um sítio jornalístico da internet. A falsidade assumiu clareza solar. O conluio, no processo criminal, entre a parte acusadora e o juiz, ficou evidente. O juiz da OLJ, hoje Ministro da Justiça, em sessões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (junho-julho/2019), ao depor sobre os fatos revelados pelo jornalista, negou a prática delituosa, tal como fazem os réus em processo criminal. A conduta do ministro está sendo avaliada no país e no estrangeiro. Ninguém é obrigado a confessar. No devido processo jurídico, a negativa do réu não significa que ele será absolvido, pois, em havendo prova idônea da ilicitude e não havendo causa de exclusão, o réu será condenado. Se houver parcialidade, venalidade ou covardia do órgão julgador, o inocente poderá ser condenado e o culpado absolvido. Na derradeira instância, a decisão anterior pode ser modificada e o direito e a justiça restabelecidos, mormente se surgirem fatos que estiveram ocultos ao tempo do processo de conhecimento.

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