sábado, 22 de junho de 2019

PROVA DO LÍCITO E DO ILÍCITO

Foram questionadas reportagens publicadas no site “The Intercept Brasil” (TIB) sobre tratativas do órgão acusador com o órgão julgador nos inquéritos e processos oriundos da força-tarefa denominada “operação lava-jato” (OLJ). Deu-se início a uma guerra de informação da qual destaco, a seguir, algumas das falsas proposições.

As reportagens ameaçam as instituições e a luta contra a corrupção.

Mediante essa proposição, pretende-se: [1] considerar as reportagens do TIB um malefício para o estado brasileiro [2] calar a voz do jornalista.
Induvidosa a necessidade de preservar as instituições nacionais. Todavia, o prestígio e a estabilidade das instituições dependem da capacidade intelectual e do estofo moral dos indivíduos que as representam. Ainda que a fachada seja vistosa, a instituição não se sustenta quando apodrecida por dentro. As vísceras putrefatas do leviatã brasileiro foram expostas. Mister aperfeiçoamento intelectual e moral do componente humano das instituições civis e militares do estado brasileiro.
Induvidosa a necessidade de combater a corrupção. No entanto, ser paladino do extermínio de um fenômeno natural como a corrupção é ser quixotesco e farsante. Plagiando Lavoisier: “Em a natureza nada permanece, tudo se corrompe”. No fluir do tempo, a matéria se corrompe (vide, em escala micro, o corpo humano e, em escala macro, os buracos negros). Essa lei do mundo natural (edificado por deus) vigora também no mundo da cultura (edificado pelos humanos). A história da humanidade é uma sequência de mutações provocadas pelo processo corrosivo. Na esfera moral própria do mundo da cultura, a corrupção caracteriza-se: [1] pela perda contínua do respeito aos princípios e às normas que disciplinam a conduta humana em determinada época [2] pela prevalência cada vez maior do subjetivismo nas relações sociais (impulso, desejo, ambição, luxúria, paixão, propósitos e ideias singulares e particulares sem nexo com os objetivos fundamentais da nação). Parcelas moralmente corruptas do povo e do governo existem em todos os países (Argentina, China, Colômbia, Congo, Estados Unidos, Índia, Inglaterra, Israel, Paraguai, Rússia, Venezuela, Zimbabwe). A diferença está na sofisticação, no volume e no descaramento. No Brasil, vigora a frouxidão moral, a mentalidade da esperteza enganosa, do jeitinho, de levar vantagem em tudo, de contornar deveres e exigir direitos. Do piso à cúpula da administração pública é possível se deparar com agentes políticos e funcionários administrativos dispostos a prestar favores, abertos ao tráfico de influência em troca de dinheiro, de bens, de ascensão na carreira e de outras benesses. Nada surpreendente, pois, a existência de parlamentares, chefes de governo, ministros, secretários, procuradores e magistrados corruptos. 

As conversas entre procuradores e juízes são normais e legítimas.

Mediante essa proposição, pretende-se justificar o conluio entre a parte acusadora e o juiz da causa no processo jurídico penal.
A fala é atributo dos humanos. Conversar uns com outros é a via natural de comunicação de ideias, sentimentos e propósitos. Contudo, a lei processual brasileira veda a conversa do juiz com a parte acusadora sobre matéria objeto de inquéritos e ações judiciais sob a sua jurisdição. Juiz não é – nem pode ser – consultor, pois, segundo lei federal brasileira, consultoria jurídica é privativa dos advogados (particulares e do estado). Na ação penal pública, o ministério público (promotor ou procurador) ocupa o polo ativo da relação processual e deve ser tratado como parte pelo juiz e pelo tribunal. O dever do juiz é preservar a independência do Poder Judiciário, atuar com imparcialidade, assegurar igualdade de tratamento às partes, interpretar com honestidade as leis e aplica-las com justiça ao caso concreto. Ao juiz é vedado: [1] manifestar opinião, por qualquer meio de comunicação, sobre processo pendente de julgamento [2] prestar tutela jurisdicional no processo quando (i) for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes (ii) tiver interesse no julgamento em favor de uma delas (iii) aconselhar qualquer das partes acerca do objeto da causa (iv) apoiar ou prometer apoio à parte autora ou à parte ré.

Imparcialidade difere de neutralidade. Juiz algum é neutro.

Mediante essas proposições, pretende-se: [1] justificar o aspecto político partidário da atuação do juiz [2] nivelar os atores do drama repressivo nacional (delegado = promotor e procurador = juiz) todos no mesmo saco, unidos em comunhão justiceira.
Do ponto de vista semântico, não há diferença entre neutralidade e imparcialidade. As duas palavras têm o mesmo significado. Nas relações humanas, neutro é quem (i) em presença de doutrinas opostas, não se filia a nenhuma (ii) ante uma disputa, não toma partido a favor ou contra (iii) frente a um litígio, fica equidistante das partes litigantes, em postura imparcial. Do ponto de vista ideológico, há distintas visões de mundo: liberais, igualitárias, autocráticas, democráticas. Sob influência de doutrina, crença religiosa, afinidade classista, pressão social, diferentes indivíduos, ao examinarem o mesmo problema através de óticas diferentes, chegarão a diferentes soluções. Do ponto de vista deontológico (esfera do dever ser) há princípios éticos e jurídicos fundamentais que o juiz tem o dever de respeitar, independente da sua ideologia, da sua religião, da camada social a que pertence, ou da pressão que sofra. Imparcialidade (neutralidade) está entre esses princípios (não intervenção no trabalho das partes, tratamento isonômico). Do ponto de vista ontológico (esfera do ser) há juízes que atuam em discordância com os princípios fundamentais. Dirigem os processos orientados por bandeira ideológica, por solicitações de terceiros, por preferências pessoais. A frustração e a tristeza de um povo são enormes quando os juízes são parciais, venais e covardes. 

Não existiu conspiração. As reportagens violam garantia constitucional. 

Mediante essas proposições, pretende-se: [1] descaracterizar os fatos [2] escapar à responsabilidade pelos ilícitos cometidos [3] manter intactos os inquéritos e processos apesar de viciados.
Fala-se em teoria da conspiração como algo fantasioso, porém, a rede de entendimentos formada por procuradores e juízes entre si e também com autoridades estadunidenses, evidencia, no plano dos fatos, a conspiração e o desiderato político. A propósito, vem à baila a informação dada, em 2016, pela professora Marilena Chaui, sobre o treinamento do juiz da OLJ nos EUA. O procurador da força-tarefa também afirmou ter frequentado o mestrado em escola norte-americana (Harvard não confirmou). São notórios os contatos de ambos com instituições estadunidenses (CIA, inclusive).
A Constituição assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados. A violação dessa garantia sujeita o infrator às penas da lei. O aplicativo de mensagens, via eletrônica, entra no campo das comunicações telefônicas. Portanto, está resguardado pelo sigilo. As reportagens versam troca de mensagens entre procurador e juiz realizada por telefone celular. O acesso de terceiros a essas conversas ocorreu sem autorização judicial. Portanto, houve desautorizada quebra do sigilo. Por outro lado, o TIB está protegido pela liberdade de manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, inerente à atividade jornalística. Avaliar a veracidade da matéria é próprio dessa atividade. O jornalista tem o dever de informar a verdade e o direito de não revelar a fonte. No caso do TIB, verifica-se que a matéria é verdadeira e de relevante interesse para a nação brasileira. 
A Constituição declara inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. A que processo ela se refere? Certamente, ao processo jurídico (parlamentar, administrativo e judicial). Inadmissibilidade e nulidade são conceitos distintos. A norma constitucional reconhece implicitamente o valor da prova obtida por meios ilícios, desde que utilizada fora do processo jurídico. Assim, por exemplo, um documento autêntico, porém, inadmissível como prova judicial por ter sido surrupiado da gaveta de alguém, terá valor e poderá ser útil na celebração de um contrato, na realização de um negócio, ou na investigação jornalística. Quem surrupiou poderá ser processado, mas, isto em nada altera a autenticidade do documento e a verdade nele contida; tampouco retira a validade do contrato celebrado, do negócio concluído ou da investigação jornalística realizada.
A que provas a Constituição se refere? Exige-se prova do que não é evidente por si mesmo. Assim como nas ciências naturais, também no processo jurídico a prova é necessária à demonstração da verdade e da falsidade. O valor da prova depende da sua autenticidade, idoneidade e veracidade. Entende-se por prova: [1] operação matemática que mostra a exatidão de um cálculo [2] ato ou fato que mostra a verdade ou a falsidade do que está sendo questionado. No processo judicial penal, as alegações das partes devem ser provadas. Na ausência ou insuficiência de prova, elas serão rejeitadas. A prova há de se enquadrar nos tipos permitidos em lei: confissão, testemunho, documento, perícia técnica, reconhecimento de pessoas e coisas, busca e apreensão de pessoas e coisas, acareação entre pessoas (réus, vítimas, testemunhas). Segundo a lei processual brasileira, indício não é prova da matéria objeto da ação judicial e sim mera circunstância (conhecida e provada) indutiva de outra circunstância que interessa ao caso. Como vestígio de algo, o indício é insuficiente para, por si só, sustentar juízo condenatório. A delação também não é prova, embora se refira ao ponto central da demanda. Trata-se de notícia trazida por alguém sobre a conduta de outrem tipificada como crime na lei penal, simples informação verdadeira ou falsa, obtida de modo lícito ou ilícito, utilizada de boa-fé ou de má-fé no inquérito policial ou no processo criminal.

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